De luto
Na semana passada chegou o anúncio oficial: o programa Câmara Clara, versão diária e versão semanal, tinha os dias contados – e esses dias acabam no fim do mês. Já havia zunzuns sobre o assunto, é verdade, sobretudo desde que a venda de um dos canais da RTP deu parangonas nos jornais e o ministro que comprou o curso na Farinha Amparo declarou que a RTP2 era um canal desinteressante para os investidores (para os quais, certamente, os números contam mais do que as letras). Antes disso, a TVI tinha acabado com os seus dois programas culturais, a Livraria Ideal e o Cartaz das Artes; e, assim, em menos de três meses, ficámos privados de qualquer espaço televisivo, público ou privado, que nos apresente livros, exposições, concertos e outras manifestações interessantes e, simultaneamente, nos traga uma vez por semana a voz e as ideias de escritores e artistas sempre prontos a ilustrar-nos e a acrescentar algo de útil à nossa bagagem. Um buraco negro, diria eu, que aceito cada vez pior que uma nação cuja população escolarizada cresceu exponencialmente desde que eu saí do liceu passe agora a cultivar-se televisivamente apenas à custa de concursos tolos com perguntas de escolha múltipla. Mas, bem vistas as coisas, vinda de quem vem, outra coisa não seria de esperar: pois se o primeiro-ministro sugere que emigrem os jovens licenciados (e, com a situação crítica que nos espera, é natural que volte a aumentar o abandono escolar, pois muitos terão de ajudar os pais desempregados), para que vão servir de facto programas culturais daqui a uns tempos? Estamos, pois, de luto. De luto carregado. E não o vamos poder aliviar tão cedo.