Ficheiros secretos
Gostava de ser mosquinha para poder acompanhar as discussões dos jurados em determinados prémios literários – sobretudo quando não encontro razões claras para as suas escolhas. Imagino que as personalidades de uns tenham uma importância decisiva no sentido de voto de colegas mais influenciáveis e adorava assistir à argumentação que os leva a defender determinado livro em detrimento de outro. Recentemente, li que foram abertos os arquivos da Fundação Nobel relativos ao ano de 1962, no qual o contemplado com o galardão para a Literatura foi o norte-americano John Steinbeck, considerado por muitos académicos um escritor menor (tendo em conta nomes como Faulkner ou Hemingway, claro, porque a verdade é que, ao pé de certos escritores actuais, podíamos considerá-lo bastante maior). As «actas» revelaram então que Steinbeck só foi agraciado com o Nobel desse ano por falta de concorrência. Dá para acreditar? A selecção final incluía Karen Blixen (que morrera entretanto, e o prémio não pode ser póstumo) e o dramaturgo Jean Anouilh (mas a França tinha tido o Nobel dois anos antes); mas os verdadeiros adversários de Steinbeck eram Lawrence Durrell (que concluíra o Quarteto de Alexandria dois anos antes) e o poeta Robert Graves, ambos britânicos. Porém, quanto ao primeiro, alguns jurados consideraram dissuasivo da atribuição do prémio o erotismo manifesto do Quarteto; e, quanto ao segundo, ninguém queria premiar um poeta inglês enquanto Ezra Pound estivesse vivo (porque era claramente superior, mas não podia receber o prémio por causa das suas ligações ao fascismo italiano). Conta-se que o próprio Steinbeck, ao receber a notícia, terá comentado imediatamente que não merecia o Nobel; mas, pelos vistos, a sorte também protege os sensatos.