Letras e poemas
Quando em Setembro saiu a minha Poesia Reunida, muitos foram os que se espantaram por não ter incluído nesse volume as letras que tenho feito de há uns anos para cá, seja para fadistas – como Aldina Duarte ou Carlos do Carmo –, seja para intérpretes de outros géneros musicais – como António Zambujo ou mesmo a Naifa. Pois bem, aproveitando que hoje me vou ouvir cantar de novo pela Aldina na Culturgest (acompanhada ao piano pelo fantástico Júlio Resende), quero aqui frisar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa; que, no que respeita à poesia, ela – no meu caso – vem quando quer; e que as letras, pelo contrário, vêm quando quero eu. Se bem que estas últimas tenham algo que ver com o que eu escrevia na adolescência (quadras e sonetos com rima e métrica definidas), a verdade é que o espartilho da música me obriga a fazer delas uma história que possa ser entendida por todos enquanto o intérprete interpreta. Na poesia, a liberdade é maior, e o leitor pode ler muitas vezes o mesmo poema e voltar atrás quantas quiser, sem que isso prejudique a leitura e a compreensão (pode até beneficiá-las). Tenho também consciência de que uma letra malandra como Flagrante (que fiz a pensar na juventude e na personalidade de Zambujo) não tem a profundidade de um poema – quiçá porque este (no meu caso, de novo) venha sempre de um lugar misterioso que não domino, que está fora da minha alçada, que tem qualquer coisa de transcendente. Por isso já sabem: se me pedirem letras, eu faço. Se me pedirem poemas, não sei.