Li há muito tempo (e quem me dera ter tomado nota desse texto a que um dia gostaria de voltar, mas perdi completamente as referências) que Freud teria dito (ou escrito, mas vai dar no mesmo) que, no tempo em que a ópera era um espectáculo popular, o povo não a perdia porque gostava de ver sofrer em palco. Não sei se o génio austríaco estava certo quanto à ópera, porque o povo deixou de a frequentar; mas a verdade é que os nossos telejornais cheios de coisas de fazer peninha e causar horror (com velhos, crianças e tudo isso que faz chorar e doer) não param de conquistar audiências (quanto mais horríveis, mais espectadores têm) – e o mesmo vale para os livros de testemunhos pungentes do tipo Queimada Viva, que vendeu milhões de exemplares em todo o mundo desde que saiu e desencadeou, de resto, em Portugal, a publicação de muitos livros afins (todos eles com bastante sucesso). Não me admiraria nada que estivesse neste momento a discutir-se nas grandes agências literárias e editoras norte-americanas e inglesas a publicação da história trágica da indiana de 23 anos violada por seis crápulas num autocarro – e morta na sequência desse crime hediondo. E tenho a certeza de que seria best seller para figurar nos primeiros lugares dos Top de vendas em positivamente todos os países, independentemente do grau de repulsa de todos nós pelo sucedido. Teria então o mestre Sigmund razão ao dizer que as pessoas gostam de ver sofrer, mesmo que o palco se tenha transformado em página? É bem possível.
4 comentários
António Luiz Pacheco 29.01.2013
Vai-me perdoar Luis M. Eu não disse "é um mau livro"! Disse "eu não gosto"... o que não é susceptível de ter ou não ter concordância. Claro que pode dizer que não o sei apreciar, que me falta essa capacidade, sensibilidade... cultura... Mas que não gosto é um facto! E repare, que tive o cuidado de o ler, e sim está bem escrito... mas não gosto!
Pois eu acho um mau livro. Tem o vício dos autores da moda, que não sabem lidar com o tempo e com o espaço, que é como quem diz: não sabem narrar, e põem uns capítulos aqui, uns capítulos ali, depois juntam tudo no fim com uma saída airosa e está pronto. Quando lhes falta uma arte mínima, põem a costumada lista de compras para encher e está fixe, é muito in. Aproveitam as 'mariquices' do pós-modernismo para se safarem. Tentam imitar todos o Gonçalo M. Tavares, que não é um grande escritor mas é melhor do que eles. Sinceramente, dá-me a impressão de que escreveram notinhas num bloco e depois pensaram sobre como juntá-las. Às vezes resulta, se se tem algum fôlego (mais uma vez o G. M. Tavares), mas na maioria falha. Em resumo: espero que o ilustre 'trinome' já tenha arranjado emprego na sua área de formação e que o prémio passe a ser mais prestigioso do que prestigiado. Enfim, que o júri da Leya e os que seleccionam as obras a avaliar sejam reciclados....
Sim, há quem diga que apresentar o tempo e o espaço num romance de forma caótica é de quem não se deu ao trabalho de arrumar melhor as coisas. E sempre dá um ar "non-challant". Saltos no tempo e no espaço podem também ser considerados um estilo de escrita literária, mas é um campo muito difícil de manusear. Por acaso, li, há pouco, "Pequena Abelha", de Chris Cleave, onde o autor utiliza muito os "flashbacks", mas fá-lo de maneira genial. Gostei. Em vez de dificultar o entendimento da obra, facilita-o.