O que ando a ler
Hoje é dia de partilhar leituras. Quando iniciei a deste livro que hoje trago – A Amante Holandesa, de J. Rentes de Carvalho – lembrei-me, sem querer, das conversas às escuras e em voz baixa que trocavam o guarda mais velho e o guarda mais novo em Lituma nos Andes, de Mario Vargas Llosa. Também nesse romance o mais novo relata com detalhe excessivo a sua paixão e o outro bebe as palavras e desfruta, como se fosse com ele. Mas aqui as confidências são entre dois homens já entrados nos anos numa aldeia que ambos abandonaram jovens e à qual regressaram velhos: o Gato, um pastor que esteve emigrado na Holanda e por lá teve uma amante e uma filha que nunca mais viu e de quem morre de saudades; e o narrador, um professor cuja vida foi um imenso vazio, que se casou por inércia, tem dois filhos imprestáveis que moram longe e um tédio difícil de aguentar. Depois de um episódio com uma carta que, de certo modo, poderia aparentar-se à história de Cyrano de Bergerac – carta que o segundo escreve à amante holandesa do primeiro por este ser analfabeto –, uma grande desgraça acontece, colhendo-nos a todos de surpresa como uma espécie de final antecipado. Mas, a partir daí, o foco desloca-se para o narrador, de quem iremos, afinal, saber muita coisa que teríamos preferido ignorar. A aldeia, esse corpo grande com os seus brutos e bêbados, é a melhor personagem de todas – e tão impiedosa como a do Rebate, do mesmo autor, de que já falei neste blogue. (Talvez, no fundo, seja a mesma.) A ler, como sempre, tratando-se de Rentes de Carvalho.