O mudo fala tão bem
No ano passado, quando fui à Feira de Guadalajara, assisti no auditório principal, no contexto das cerimónias inaugurais, à entrega do Prémio Juan Rulfo, que é um tributo pelo conjunto da obra de um escritor (Lobo Antunes é, segundo creio, o único português contemplado). Ganhou-o então Fernando Vallejo, um autor e realizador de cinema colombiano que, no discurso de agradecimento, citou alguns dos intelectuais que mais o marcaram, incluindo o peruano Julio Ramon Rybeiro, desaparecido do mundo dos vivos em 1994. Conhecia Rybeiro de nome e reputação, mas ainda não tinha tido oportunidade de lhe «meter o dente». Pois a verdade é que a altura chegou e posso diz-vos que estou maravilhada com o primeiro volume de contos deste autor que a Ahab publicou sob o título A Palavra do Mudo (este «mudo» é o desprotegido, o marginalizado, aquele que raramente tem a palavra e que é quase sempre a figura que protagoniza os contos do autor peruano). A selecção e tradução estão a cargo de Tiago Szabo, que soube escolher muito bem as peças, desde logo o texto inicial «Só para fumadores» (os fumadores adorarão), mas também, por exemplo, a história do professor substituto que não chega a dar a sua primeira aula, a do armário onde se reflectem os antepassados ou a do livro em branco que anda de estante em estante até ir parar às mãos de um poeta desafortunado. Recomendo este livro a quem gosta de contos e a quem não gosta (mas passará a gostar).