Os escritores mais novos sabem, regra geral, quem são os escritores mais velhos. Amem-nos ou detestem-nos, já viram as suas caras em fotografias e cumprimentam-nos manifestando a sua admiração ou escondendo a sua impressão negativa e reduzindo-se a epígonos ou meros principiantes de uma arte comum. Alguns escritores mais velhos lêem o que os mais novos escrevem (poucos) e estimulam-nos (menos ainda), escrevendo textos críticos em suplementos literários e indicando as suas obras para prémios quando fazem parte do júri. Outros (a maioria) não fazem a mais pequena ideia de quem veio depois deles, nem mostram qualquer interesse em saber quem ficará a escrever no seu país quando, fatalmente, partirem deste mundo. É, por isso, irónico que sejam justamente os primeiros a criar, por vezes, situações melindrosas como a que conto a seguir. Quando o Salon du Livre de Paris dedicou o ano de 2000 à literatura portuguesa, deslocaram-se à Cidade-Luz para cima de 40 escritores lusófonos. Na primeira tarde, no hotel onde todos se instalaram, a inteligente Agustina apresentou-se positivamente a todos, um por um, ficando a saber quem era quem e imune a gaffes de qualquer tipo. Um outro escritor da sua idade foi, porém, menos hábil. Ficando eu sentada no autocarro que nos levaria do hotel à mairie entre ele e o Pedro Rosa Mendes (que publicara há pouco o seu primeiro livro), logo me perguntou se eu, como editora, não mandava ler livros fora, pois tinha uma filha que realizava essa tarefa para uma outra chancela, mas ela ainda ficava com tempo livre e poderia, quiçá, colaborar comigo. Tudo bem se não tivesse acrescentado: «Ainda agora ela leu um livro do Goytisolo, uma coisa tipo Baía dos Tigres, mas em bom.» Quem mais corou fui eu.
Obrigado, Kássia. Acredito sinceramente nisso. A tessitura da História - do tempo - faz com que a literatura respire junto. Sabe quando se diz que um obra é prima porque pode ser lida hoje como há duzentos anos? E se eu disser que esse compromisso é fácil, que pode significar literatura de compromisso e sem coragem? Claro que nem sempre é assim, mas pense nisso. Por outro lado, uma obra intensa e cáustica que seja contundente no dia de hoje, ou seja, actualíssima, pode não sobreviver cinco anos. Qual delas a obra-prima? "Não há génios na literatura" é o meu aforismo privado, mas serve para isso mesmo: reflectir sobre a forma como abordamos os livros. Obrigado, uma vez mais.
Eu também lhe agradeço estes novos temas de reflexão. Que passam, como não poderia deixar de ser, pela definição dos conceitos de "obra-prima" e da própria literatura. Embora raramente o admitamos, todos nós já pegámos numa "obra-prima" que desistimos de ler às primeiras páginas. Mesmo que reconheçamos a originalidade e a qualidade da escrita, o livro, por qualquer motivo, aborrece-nos... ou talvez até nos irrite (no mau sentido). E essa ideia de uma obra "intensa e cáustica" poder não sobreviver cinco anos também tem que se lhe diga...
Eu não ia dizer mais nada, para não tornar o diálogo interminável, mas comecei a pensar se dialogar, mesmo que de forma diferida, era defeito. Quanto "muito que se lhe diga", ou "agora não o momento, nem este o espaço", parece que temos vergonha de desenvolver sustentadamente as nossas ideias, na era em que o afecto das pessoas se manifesta por carregar de teclas ou comentário curtos no facebook . Os longos são mesmo encarados como pouco educados. Como dizia o Douglas Coupland no "ípsilon" de hoje, "o mundo está a correr mesmo mal, há pessoas-pessoas mesmo ao seu lado, enquanto você actualiza o perfil do seu facebook ." Este blogue é sobre literatura e precisamente o local adequado. Antes abusava-se de tertúlias literárias, ia-se debater para os cafés, editava-se opúsculos para aprofundar ou combater uma posição. Por isso, Kátia , um destes dias vamos botar faladura , certo?:)))