Inveja
Um dia destes, uma das leitoras deste blogue criticou o meu orgulho parvo ao confessar-me capaz de ler mais de mil páginas em quinze dias. Expliquei-lhe que não era bem isso, mas apenas satisfação por ter conseguido fintar o trabalho e ler só o que me apetecia nessas duas semanas. Contudo, quero que ela saiba (e também todos os leitores deste blogue) que não sou perfeita e, como toda a gente, tenho direito aos meus defeitos e pecados. Por exemplo, de vez em quando, sinto inveja – essa coisa sinistra – do que os outros andam a ler. Quando o Manel e eu vamos a uma livraria e compramos um livro que nos seduz a ambos, se ele começa primeiro, eu fico invejosa; não lho digo, mas gostava de o apressar e irrito-me quando ele abandona displicentemente o exemplar no braço do sofá para ver os resumos do futebol, enquanto eu para ali fico, como diz o povo, a aguar. Da última vez que isto me sucedeu foi com o Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo. Era suficientemente pequeno para o poder ler todo num sábado, mas o Manel pegou-lhe nesse mesmo sábado. Fiquei invejosa. O livro tinha um início fortíssimo, que lera na livraria, e custou-me esperar. Levei-o uns dias depois numa viagem de comboio ao Porto e li-o entre a ida e a volta. É talvez o primeiro livro sincero e desapiedado sobre os nossos ex-colonos em África, contado pela filha de um deles. Politicamente incorrecto, claro, mas isso torna-o ainda mais interessante. A ler, evidentemente.