Servidões
De cada vez que sai um novo livro de Herberto, é como se fosse o último. Quando foi publicado aqui há uns anos A Faca não Corta o Fogo, dizia-se que não haveria mais nenhum depois desse e correram muitas lágrimas, porque a edição foi pequena demais para o número de leitores interessados. Mas Herberto Helder não se esgotou, e Servidões, recentemente posto à venda, é para já o último. Para não repetirem o desgosto que sentiram nessa altura, muitos leitores amputados do livro anterior, assim que ouviram dizer que Servidões ia sair, correram às livrarias a reservar o seu exemplar. No dia em que começou a ser vendido no pavilhão da Feira do Livro de Lisboa da Assírio & Alvim, as pessoas queriam levar aos cinco e aos seis de cada vez, provavelmente satisfazendo encomendas de amigos e familiares. E tudo porque Herberto não quer fazer reedições dos seus livros e, ainda por cima, impõe uma tiragem relativamente pequena (e o editor não tem como não cumprir esta servidão). Quem arranja arranja, quem não chega a tempo, paciência. Talvez esta restrição faça, efectivamente, com que os livros desapareçam mais rapidamente das lojas e dos armazéns e não fiquem para aí a aboborar e a criar bolor desnecessariamente – uma boa ideia, portanto. Mas não será igualmente um pouco estranho que um poeta assim amado e admirado por tanta gente não queira ter mais do que x leitores, ou seja, não chegue provavelmente àquele jovem que só agora começou a gostar de poesia mas não podia fazer ideia da urgência com que tinha de comprar o livro do grande mestre ou a um leitor fiel que, por mero acaso ou falta de emprego, emigrou há pouco e vai ficar sem ele? Há também quem diga que tudo isto é uma operação de marketing e que, se o livro não estivesse condenado a uma única edição, provavelmente não desaparecia do mercado num ápice, como tem acontecido sempre. Conheço pelo menos uma pessoa que nunca leu Herberto na vida e que agora foi a correr adquirir a raridade, quiçá para a entalar numa estante. Pode ser tudo e mais alguma coisa, evidentemente. O que se me oferece dizer, apesar de tudo, é que quem conseguiu um exemplar o deve ler. Mesmo que não seja o último.