O que ando a ler
Já não sei se foi García Márquez se Vargas Llosa quem disse que Juan Carlos Onetti foi prejudicado por ter nascido no Uruguai, um país a que se prestava pouca atenção, sobretudo em termos culturais. Segundo um desses dois autores, Onetti foi um dos maiores da literatura latino-americana e teria merecido ser mais conhecido, aplaudido e premiado internacionalmente, sobretudo enquanto foi vivo. Um dos livros que comprei este ano na Feira do Livro de Lisboa foi justamente Os Adeuses, de Onetti, e acabei-o ontem. A história é a de um ex-jogador de basquetebol famoso que chega a uma terra de bons ares para se curar de uma tuberculose. O seu estatuto (ou a sua recusa em admitir a doença) permite-lhe ficar ao longo de meses num hotel – e não no sanatório – e alugar até uma pequena casa (a casita das portuguesas, curiosamente) e deslocar-se pela cidade de fato elegante, visitando frequentemente a venda (cujo proprietário é o narrador), onde recolhe a sua correspondência: cartas com letra azul e desenhada da suposta mulher, cartas dactilografadas em envelopes pardos da suposta amante. Estas duas mulheres visitá-lo-ão na sua convalescença, a mais velha permanecendo no hotel, a mais nova na casa alugada. As más-línguas terão, pois, com que se entreter – e é especialmente pela voz de um enfermeiro do hospital e de uma criada do hotel que o narrador toma conhecimento das andanças e do estado de saúde do protagonista, embora o seu sentido de observação seja já bastante apurado e não precise de grande ajuda. E, no entanto, apesar dos cuidados que o jogador parece pôr naquelas visitas femininas alternadas, não é impossível que elas coincidam e, claro, tudo pode acontecer. Uma escrita sublime, um enredo fascinante, uma espécie de tristeza que subjaz a cada frase, fazem desta novela uma das melhores que li nos últimos tempos. A tradução é de Hélia Correia.