O mal-amado
Raramente um protagonista masculino é tão frágil como o de Maldito Seja o Rio do Tempo, de Per Petterson, o norueguês que se celebrizou com Cavalos Roubados, romance que lhe valeu muitos prémios e a tradução em cerca de cinquenta países. Este novo livro (que merecia, de resto, um maior cuidado a nível da redacção e da revisão na edição portuguesa – encontrei «verãos» por «verões» mais de uma vez, só para dar um exemplo) fala-nos de um homem de 37 anos a quem, de repente, parece ter caído o mundo em cima: já não lhe bastava o facto de a mulher lhe ter pedido o divórcio (e este amor tem muito que se lhe diga), de ter deixado de acreditar no comunismo e percebido que fez demasiadas asneiras no passado em nome da ideologia (como deixar a universidade para trabalhar numa gráfica, inspirado na revolução cultural de Mao), e ainda descobre que a mãe tem um cancro e, provavelmente, pouco tempo de vida. Decide, pois, ir ter com ela à casa de Verão que possuem numa pequena povoação da Dinamarca (donde ela é oriunda) com o intuito de a apoiar; mas é ela quem, afinal, lhe dá força e mimo, embora de um modo frio, quase bergmaniano, dizendo-lhe, por exemplo, que nunca percebeu como quis ele pertencer à classe operária se desde sempre fazia parte dela. A Noruega deste livro é, de resto, completamente nova para mim, que só conheço a fama que o país tem de ser o melhor do mundo para viver e ignorava as vidas duríssimas dos que trabalham nas fábricas, metade do tempo de noite, e sempre com tanto frio. Maldito Seja o Rio do Tempo (curiosamente, um verso de um poema de Mao sobre a saudade da infância) é um romance admirável sobre relações familiares complexas, sobre as vidas que chegam ao fim e as que, tendo hipótese de recomeçar, continuarão ainda mais apagadas do que as que se extinguiram. Per Petterson é um autor que merece a nossa atenção.