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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

07
Out10

As mulheres dos escritores

Maria do Rosário Pedreira

As mulheres dos escritores não têm uma fama por aí além – e, se passam a viúvas, a coisa tende a piorar. Ouço esta tirada muitas vezes e sei quase sempre em quem estão a pensar os que a dizem. Claro que há histórias reais de viúvas que se apropriaram das palavras escritas pelos maridos em guardanapos de papel e tentaram ganhar dinheiro com elas; de outras que nunca mais largaram as editoras com exigências; de uma ou duas que bateram o pé e não deixaram tirar o acento grave nos advérbios acabados em «mente» porque era assim que os falecidos tinham escrito no tempo deles; e ainda das que inventavam que eram as musas dos escritores quando o mundo inteiro sabia que o casal dormia há anos em quartos separados. Sim, acredito nestas excepções, mas quantas mulheres e viúvas haverá das quais nunca saberemos a existência – discretas, recatadas, silenciosas? E quantas serão pessoas normalíssimas, que não correspondem minimamente ao figurino de «mulher de escritor» do nosso imaginário? O Manel conta que conheceu a mulher de um escritor que levava o tricô para as conferências do marido e fazia malha enquanto o ouvia; e outra que se levantava a meio da noite, acordada pelo telefone, e se metia no carro para ir buscar o marido que, de tanto beber, não conseguia voltar para casa sozinho... Conheci uma senhora – lindíssima, por sinal – que era escritora e mulher de escritor. Pois o pior que os jornalistas podiam fazer-lhe era falar-lhe do marido...

06
Out10

Ensinar a (gostar de) ler

Maria do Rosário Pedreira

No tempo em que era professora, infelizmente não havia muitos colegas com os quais pudesse falar de livros. E o que mais me assustava era que, de vez em quando, apareciam na escola promotores de editoras (não necessariamente escolares), abriam o seu estendal na Sala de Professores e muitos dos docentes não só não compravam nada como nem sequer iam lá espreitar (mas perdiam imenso tempo a ver pulseiras, fios e anéis de ouro em bolsas de veludo). Tenho-me perguntado ao longo destes anos como será possível a quem não lê e não gosta de ler fazer aquilo a que hoje se chama «motivar os jovens para a leitura». Mas também não estou certa de que o gosto pela leitura seja transmissível – penso que a descoberta se faz quando um leitor encontra um livro (e nem precisa de ser bom) que, naquele exacto momento, faz um clique e estala qualquer coisa dentro dele; e isso é um milagre a dois, não inclui mais ninguém. Em todo o caso, é sempre preciso que alguém dê livros às crianças, sobretudo às que não têm livros em casa, para esse clique acontecer, e o professor pode, de facto, ser essa pessoa. Por isso, é bom que leia e goste de ler para escolher melhor o que entrega.

04
Out10

Pinga-amor

Maria do Rosário Pedreira

Publiquei em tempos um livro de um escritor colombiano – Jorge Franco Ramos – de quem García Márquez disse ser um dos autores a quem não se importava de passar a candeia. Foi um elogio merecido, claro, porque esse romance de estreia era uma pequena maravilha (também publiquei o segundo, mas este continuou a ser o meu preferido). Rosário Tesouras (com um título tão tremendo, não sei como o decano dos escritores colombianos sequer se deu ao trabalho de o abrir) conta a história de dois meninos maus de famílias boas que, em Medellín, cidade conhecida sobretudo pelo tráfico de droga, conhecem Rosário, uma bela rapariga de um bairro pobre («súbdita» de um dealer) que, na sequência de uma tentativa de violação, cortou à tesourada os testículos do agressor (daí a alcunha de Tesouras). Mas não se assustem com a crueza, pois ela não dura nem um parágrafo. Tudo o mais é contado com a maior delicadeza por um dos rapazes – o pinga-amor mais querido da literatura que já encontrei – que, apaixonado por Rosário até ao osso, a vê encantar-se pelo amigo e usá-lo a ele apenas para chorar as suas mágoas ou mandar recadinhos (que são sempre dados). Claro que nem tudo acaba bem (droga é droga e o mundo da droga impiedoso), mas o romance não dá um único solavanco e o leitor não tropeça em nada do princípio ao fim senão num amor sincero e incondicional que todos gostávamos que alguém tivesse por nós.

01
Out10

Livros dentro de livros

Maria do Rosário Pedreira

Para quem gosta realmente de ler, um livro que tenha um ou mais livros dentro acaba por tornar-se ainda mais atraente; e foi certamente esta atracção que fez de alguns títulos verdadeiros campeões de vendas. Falo, por exemplo, de A Sombra do Vento, que já vendeu milhões de exemplares em dezenas de línguas e países e que, sendo de um autor até então perfeitamente desconhecido (publicara apenas dois ou três títulos juvenis), alcançou um sucesso de que Carlos Ruiz Zafón e os seus editores de certeza não suspeitavam. O livro lê-se muito bem e, apesar de falhas na estrutura (perdoáveis numa quase estreia), tem personagens muito bem concebidas, que convocam a nossa empatia imediatamente. Contudo, se não fosse essa invenção fantástica do cemitério dos livros esquecidos referida logo no início e o mistério à volta de um certo livro, os leitores não deslizariam ao longo das páginas com o mesmo prazer. Pois acaba de sair um romance de José Luís Peixoto intitulado justamente Livro e, assim que soube do título, fiquei entre o maravilhada e o receosa (lá que é estranho, é) – mas, sem sombra de dúvida, curiosíssima sobre que livro seria esse. Li depois que «Livro» era o nome de uma personagem e, sem querer, houve uma desilusão qualquer. Mas comprei na mesma e espero, apesar de tudo, que seja um Sr. Livro.

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