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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

17
Dez10

Uma história irlandesa

Maria do Rosário Pedreira

Há uns anos, o escritor irlandês William Trevor teve um livro na shortlist do Booker Prize (que não ganhou) – romance belo e muito triste chamado, despretensiosamente, A História de Lucy Gault. Passava-se nos anos 1920, no seio de uma família que sofria constantes agressões pelo facto de o seu patriarca irlandês se ter casado com... uma inglesa. Na sequência de uma tentativa frustrada de lhe incendiarem a casa, decide, pois, o capitão Gault afastar-se com a mulher e a filha para um lugar onde possam, enfim, viver em paz e segurança. Desconhece, porém, que Lucy – a filha de nove anos apenas – não os acompanhará: a sua casa é o seu pequeno mundo e tomou a decisão de não a abandonar. Esta tomada de posição, que arrasta consigo um acontecimento inesperado (a sua suposta morte), mudará para sempre as vidas dela e dos pais, vidas que acompanharemos ao longo dos anos e das páginas e que, evidentemente, nunca mais serão as mesmas. Contada como só um irlandês sabe fazer, esta narrativa chega a ser pungente, mas é paradigmática na forma como nos quer dizer que um pequeno acaso pode mudar tudo.

16
Dez10

Chefe, mas pouco

Maria do Rosário Pedreira

Quando estava na Temas e Debates, trabalhou connosco durante algum tempo uma rapariga muito inteligente chamada Maria Mendes, que me tratava carinhosamente por «patroinha». Hoje, na LeYa, conto com a ajuda imprescindível da Madalena que, quando vê a hora adiantar-se, me manda ternurentamente para casa (como se ela também não devesse já estar a caminho) com um: «Chefinha, olhe as horas.» Dei-me sempre bem com as pessoas a quem era suposto ensinar alguma coisa, e o certo é que, dessa boa relação, tirei a vantagem de ir eu aprendendo imenso – como me aconteceu na QuidNovi com a Sofia (a quem hoje ainda telefono com dúvidas de revisão) e actualmente com a Madalena (que, além de ter um humor corrosivo absolutamente desarmante, noutro dia me apanhou uma data de vírgulas em falta num texto que eu já tinha lido umas três vezes). Gosto de trabalhar com gente que pensa e que gosta de aprender, porque a maior tristeza da minha vida profissional foi, durante sete anos, ter um chefe com o qual não aprendi uma única coisa (e a quem, infelizmente, não consegui ensinar nada, porque não era dos que aceitam aprender com quem está «abaixo»). Quando olho para trás, acho, aliás, que devo muito mais às pessoas que tive de «chefiar» do que às que deviam orientar o meu trabalho. É para todas elas, desde que entrei na edição, o post que escrevo hoje.

15
Dez10

O doce fado

Maria do Rosário Pedreira

Quem gosta de bolos de pastelaria pergunta-se frequentemente se poderia fazê-los em casa. E, sim, pode. Há mais ou menos um ano que a fotógrafa Clara Azevedo e o designer Luís Chimeno reuniram num livro intitulado Doce Lisboa as receitas dos bolos das principais pastelarias da capital; e, por isso, se alguém se quiser atrever a confeccionar em casa jesuítas, bolos-de-arroz, palmiers, duchesses ou bons-bocados (entre muitos outros ícones da pastelaria portuguesa), tem à sua disposição uma verdadeira cartilha – com a vantagem de as receitas terem o aval das confeitarias que fazem as nossas delícias: da Benard à Mexicana, passando pela Suíça, a Confeitaria Nacional, a Versalhes ou a Rosa Doce. Mas o par de autores ganhou balanço e não sossegou enquanto não repetiu a façanha: um ano depois, resolveu oferecer-nos Tudo Isto É Fado, obra que reúne os petiscos que podem ser saboreados nas principais casas de fado de Lisboa. Para quem não gosta de doces, portanto, aqui estão os salgados mais fadistas da capital, numa apresentação gráfica cuidada que, a quem não cozinha (é o meu caso), dá vontade de visitar as tasquinhas e as catedrais e ouvir um ou mais fados enquanto se delicia com umas iguarias.

14
Dez10

Passar a palavra

Maria do Rosário Pedreira

Quando era estudante na Faculdade de Letras, estava convencida de que os meus professores tinham lido tudo o que eu tinha lido e, obviamente, muito mais. O «muito mais» era, de resto, verdade, mas nem sempre as suas leituras e as minhas, afinal, coincidiam. Aquilo que se vive e publica em determinada época marca quase sempre as leituras de uma geração – e a verdade é que eu já não li muitos dos livros que leram os que têm mais quinze anos do que eu, mas também não lerei muitas das obras que fazem hoje as delícias dos meus jovens autores. E, porém, há que confessar que foi por publicar jovens autores que me encontrei com dois livros excepcionais que, por razões que agora não importa aprofundar, me tinham até então escapado. Um deles é o delicioso Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville, de que João Tordo me falou sempre entusiasticamente e comprei na fantástica colecção reunida por Borges e agora publicada pela Presença. O outro (que, de tanto se falar nele, teria acabado por vir parar-me à mão) é As Velas Ardem até ao Fim, de Sandór Márai, uma pequena maravilha de que tomei conhecimento há uns anos, acompanhando o José Luís Peixoto a uma comunidade de leitores na Biblioteca de Almada, onde ele falaria sobre o seu Morreste-me; Maria João Seixas, que então animava essa comunidade, indicou no fim da sessão aos participantes que a próxima leitura seria a novela do escritor húngaro, e o José Mário Silva, que também estava presente, fez o favor de partilhar comigo as suas impressões muito positivas sobre a obra. Ambos são literatura a não perder e agradeço aos mais novos que mas tenham aconselhado tão vivamente. Agora, passo a palavra.

13
Dez10

Classificações

Maria do Rosário Pedreira

Classificar uma obra literária nem sempre é fácil, menos ainda quando há que obedecer a uma nomenclatura. Quando era mais nova, na primeira editora onde trabalhei, tinha de preencher uma ficha bibliográfica por cada livro que era publicado e – o que era pior – de o classificar, cingindo-me a uma lista fornecida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros que, por muito extensa que fosse, me parecia sempre lacunar. Embora alguma coisa tenha sido feita para diminuir a confusão, a verdade é que os problemas de classificação subsistem, e não só quando o livro que temos na mão é mesmo uma obra inclassificável. Quando publiquei Atlântico, Um Romance Fotográfico, de Pedro Rosa Mendes e João Francisco Vilhena – belíssimo livro –, reparei que as livrarias o arrumavam sistematicamente na secção dos álbuns ilustrados e livros de arte, roubando-lhe provavelmente os seus leitores preferenciais – que visitavam sobretudo a sala de literatura. Agora, que recentemente dei à estampa o último romance de Miguel Real, encontro-o frequentemente arrumado na secção de História, porque, como se chama As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia – e embora tenha a palavra ROMANCE na capa –, é interpretado pelos livreiros como uma obra não ficcional. Nos Estados Unidos, um livro como As Cinzas de Ângela, de que aqui já falei, aparecia sempre nas listas de Não Ficção (uma vez que era autobiográfico), enquanto em Portugal foi sempre considerado um romance. E, para dar apenas mais um exemplo da desarrumação em que andamos, na zona dos livros Gay & Lesbian, não raro encontro títulos que nada têm que ver com essa temática, mas lá estão apenas porque alguém na livraria sabe que, por acaso, os seus autores eram gay ou lesbian... Enfim, nem tudo é mau: pode ser que um leitor que procure apenas uma coisa alinhada acabe a ler Oscar Wilde e se apaixone...

10
Dez10

Marcas de sucesso

Maria do Rosário Pedreira

Num mundo cada vez mais concorrencial, as empresas esgadanham-se por achar um produto que se afirme no mercado e lhes dê lucro certo e sem espinhas. Quando falamos de livros, isso é tanto mais difícil quanto cada livro é um livro e nada garante que um autor ou género aparentemente bem-sucedido num determinado período consiga manter o êxito cinco anos depois. No tempo em que comecei na edição, quando um escritor era lançado e se vendia bem, quase sempre os leitores procuravam o seu livro seguinte; hoje, porém, as coisas já não são bem assim – até porque muita gente desconhece o autor do livro que anda a ler e, se este não se der ao trabalho de mostrar a sua carinha (que, sendo bonita, tem vantagem) pelos sete cantos do País, não poderá almejar a uma reputação que mereceria apenas pelo que escreveu. Mesmo assim, há temas que conseguem instituir-se como marcas de sucesso e raramente dão mau resultado. De há alguns anos a esta parte, os editores descobriram que Salazar é um deles – e, desde então, todos os livros que tragam no título o nome e na capa o retrato do homem que se manteve mais tempo à frente dos destinos da Nação são um negócio praticamente seguro. O problema é que, a par de uma fantástica biografia como a de Filipe Ribeiro de Menezes – que apresenta, efectivamente, muitos elementos novos para reflexão e conhecimento –, outras obras há que exploram o filão de modo mais à scandale, prontificando-se, por exemplo, a ilustrar-nos sobre a vida sexual e amorosa do nativo de Santa Comba Dão. Atentando no número de livros recentemente dados à estampa, parece que Sá Carneiro, trinta anos decorridos sobre a sua morte, corre o risco de se tornar outra marca de sucesso.

09
Dez10

Hoje há conquilhas

Maria do Rosário Pedreira

Há uns dias, fui surpreendida com um comentário a um post que não era bem um comentário, mas uma comunicação, igual provavelmente à que outros bloguistas receberam – e digo isto porque me trataram apenas por «caro blogger», sem atenção a nome ou sexo (como notou, de resto, uma leitora), e a informação tinha mesmo ar de ser um copy/paste feito por alguém que teve de mandar a mesma mensagem a sei lá quantas pessoas. Diziam-me que o Horas Extraordinárias fora escolhido pelo programa da TVI 24 Combate de Blogs como candidato ao prémio de «Blog Revelação do Ano» e mandavam-me um link (http://combateblogs.blogspot.com) para ver com quem concorria, quais eram os outros prémios (blogue do ano, bloguista do ano) e quiçá até para poder votar em alguém ou em mim mesma. Fui lá espreitar e, embora o meu blogue seja muito pouco combativo para um combate de blogues, achei graça ver o Horas Extraordinárias, que fala essencialmente de livros, entre tantos que comentam diariamente a actualidade política (e, juro, não votei em mim porque nunca tive jeito para fazer batota). Devo certamente esta recomendação para prémio ao Tomás Vasques, participante no programa da TVI 24 e autor do blogue Hoje Há Conquilhas, Amanhã não Sabemos. Agradeço-lhe aqui publicamente e, como não faço tenções de ganhar, fico contente que a comunicação tenha servido para eu me lembrar de dizer aos meus leitores que leiam também o blogue dele (http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt).

09
Dez10

Uma casa na Palestina

Maria do Rosário Pedreira

A criação de um Estado palestino merece toda a nossa atenção, sobretudo depois da criação do Estado de Israel. Mas exige também de nós um conhecimento que nem sempre temos quando nos erguemos para defender um lado ou outro. É por isso a todos os títulos recomendável a leitura do romance de Alon Hilu, A Casa Dajani, um livro belíssimo e esclarecedor sobre o velho conflito. A sua acção começa em 1895 com a viagem de um agrónomo judeu – Haim Kalvarisky – para Jafa, na companhia de Ester, a sua mulher linda e frígida. Espera Kalvarisky que o clima da terra dos antepassados devolva a Ester o desejo sexual e, ao mesmo tempo, lhe dê a ele terras férteis donde possa extrair riqueza. Mas nada será linear, e o seu encontro com um rapazinho árabe muito perturbado – Salah Dajani, que tem visões de uma tragédia que se abaterá sobre o seu povo – e a mãe deste – mulher de olhos verdes cujo marido está sempre fora – será decisivo na perseguição dos objectivos do homem loiro e carente. Polémico quanto baste, contado ora pelo judeu, ora pelo menino árabe (e nunca saberemos quem mente e quem diz a verdade), A Casa Dajani traz-nos a história fascinante dos primeiros sionistas e acompanha o destino trágico de Salah e Haim a partir do momento em que o agrónomo seduz a mãe da criança e o pai desta aparece morto misteriosamente. Um desafio permanente para o leitor, o romance recebeu grandes elogios de Shimon Peres e ganhou o mais importante prémio israelita – que logo lhe foi retirado por razões que todos perceberemos ao lê-lo. A capa, com um portão abrindo-se para um pomar de laranjeiras, convida-nos a entrar nele sem preconceitos.

07
Dez10

Um pássaro na mão

Maria do Rosário Pedreira

Não se deixe enganar pelas flores cândidas da capa nem pelo título, que pode parecer o de um romance cor-de-rosa. O romance é leve, sim, mas apenas porque não tem razões para ser denso e pesado – e, além de muito divertido, é sério e há que prestar-lhe a devida atenção. Chama-se As Asas do Amor, porque fala de aves e de amor – um caso triangular que envolve uma viúva e dois pretendentes maduros, todos membros de um clube de ornitologia no Quénia. Ela é branca, mas já foi casada com um negro que terá sido assassinado por opositores políticos. Eles são indianos, descendentes das comunidades de formiguinhas trabalhadoras que ali foram construir os caminhos-de-ferro quando os brancos achavam os negros demasiado indolentes para deixarem tudo pronto a horas (é também dessas comunidades, li algures, que provém o grande número de indianos que vivem em Moçambique). Escreveu o livro Nicholas Drayson e, se estou bem lembrada, ele chegou a estar na longlist do Booker Prize no ano em que saiu. Pois bem: a história de amor entre estas três pessoas de idade respeitável é uma delícia, já que os dois pretendentes a levar a bela viúva ao baile anual são uns senhores e concordam em auto-excluir-se se não conseguirem, num determinado período, listar um número de aves vistas superior ao do rival. E nós, leitores, deixamo-nos arrastar nesta aventura ornitológica cheia de humor britânico, vendo talvez perder o candidato que merecia ganhar, mas inequivocamente simpatizando com o dandy bem vestido e engatatão que consegue maravilhas à conta de alguma batota. Tudo com a maravilhosa África como pano de fundo.

06
Dez10

Saudades

Maria do Rosário Pedreira

Um dia destes estava a arrumar livros – tarefa inglória quando já não sabemos onde os pôr – e dei por mim a reler os poemas de José Agostinho Baptista em vários livrinhos pequenos que a Assírio & Alvim publicou há muito tempo (e que estão reunidos numa espécie de obra completa – 1976-2000 – a que ele inteligentemente chamou Biografia). Tive saudades da poesia do José Agostinho Baptista, que me fez um dia uma dedicatória original que começava com uma frase do tipo: «Para esta parva, que...» A razão para a desfaçatez – se chegava a tanto – prendia-se com a circunstância de eu lhe ter dito que gostara muito das suas traduções de William Carlos Williams, mas não tanto das de Yeats... E ele mostrou a sua não concordância nessa dedicatória que me fez. Ache-se ou não bem, isso agora é irrelevante, o que importa é que se trata de um grande poeta que, talvez pela sua natureza – disseram-me que é um misantropo –, tem passado a muitos despercebido (digo isto, porque o vejo muito pouco citado em blogues de poesia). O último livro que lhe conheço tem um dos títulos mais bonitos de sempre – O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos –, está escrito em prosa e já foi publicado há algum tempo. Espero que saia outro em verso para eu matar saudades.

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