Uma espécie em extinção
Comecei a trabalhar na edição em 1987, quando o mundo dos livros era muito mais intelectual do que hoje e a capacidade de fazer negócio vendendo livros parecia até coisa secundária. Embora tenha havido aspectos positivos na grande transformação sofrida – a edição é hoje uma indústria cultural de grande peso para o País –, a verdade é que sinto que as editoras ainda estão de certo modo a viver do génio e das ideias dos editores que fizeram as grandes chancelas e se afastaram, foram afastados ou passaram de proprietários a assalariados de grandes grupos nacionais ou multinacionais (excepcionalmente, tornaram-se editores por conta própria e fazem uma preciosidade de vez em quando, mas pouco mais). Foi certamente a observá-los que aprendi quase tudo o que sei. Eles não se limitaram a importar sucessos do estrangeiro ou a convidar as meninas bonitas da televisão a escrever romances xaroposos: construíram colecções e linhas editoriais que ainda permanecem, recuperaram clássicos esquecidos, formaram gerações inteiras com as obras que deram à estampa, encomendaram livros a personalidades de indiscutível renome em várias áreas do conhecimento e trouxeram-nos autores que estão hoje entre os maiores da literatura mundial. E, porém, mesmo que alguns deles ainda trabalhem – e bem –, fico um pouco assustada quando vejo o tempo a passar e me rendo à evidência de que, daqui a dez anos, se calhar já não verei por aí o Zeferino Coelho, o Carlos Veiga Ferreira, a Maria da Piedade Ferreira, o Carlos Araújo, o Nélson de Matos... mesmo o Guilherme Valente, com o seu estranho feitio. Fico contente por poder viver com o Manel (Alberto Valente) – que, tenho a certeza, me ensinará ainda muito se, por hipótese, deixar a edição antes de mim –, mas ficarei muito mais só no mundo dos livros, pois quase todos os que hoje desempenham funções como editores são bastante mais novos do que eu e já começaram num tempo em que a edição era mais comercial e menos intelectual.