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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

15
Jul11

Autores para sempre

Maria do Rosário Pedreira

Nenhum editor pode esconder o prazer que sente quando um autor que lançou em primeira mão, muitas vezes ainda jovem, é reconhecido pelo público e pelos seus pares, recebe um prémio de vulto e evolui a cada livro que publica. Pela parte que me toca, assisto sempre com incontido orgulho às sessões em que participam esses escritores que ajudei a dar a conhecer e, quando eles se destacam com as suas intervenções ou a crítica abençoa os seus livros, não consigo ver apenas de fora, mesmo que eles já não sejam publicados por nenhuma das chancelas para as quais trabalho. Recentemente, valter hugo mãe esteve no Brasil na Festa Literária de Paraty – foi, na verdade, o único escritor português convidado este ano – e, segundo li no Jornal do Brasil e no Público Online, foi aplaudido de pé e deixou a audiência de lágrima ao canto do olho com um texto seu. Pois bem: ao ler a notícia, comovi-me eu também, cheia de pena de não ter estado lá para assistir à ovação que certamente mereceu. E, quiçá estupidamente, senti-me através dele realizada, com a sensação de que, quando publiquei o belíssimo o nosso reino, que é o seu primeiro romance – e que na altura em que saiu tão pouco eco teve –, fiz provavelmente uma das coisas mais importantes da minha vida profissional. Com o valter como com outros, autor uma vez, autor para sempre.

14
Jul11

Calinadas imaginativas

Maria do Rosário Pedreira

Um dia destes, ao falar com uma médica, apercebi-me dos problemas que as pessoas analfabetas – ou quase analfabetas – têm para compreender ou reproduzir palavras ou expressões que se prendem com a saúde (e não só). Já sabia, por exemplo, que muita gente crê que deve medir a atenção com regularidade para prevenir enfartes e tromboses e que agora está na moda as parturientes pedirem uma pipidural, de forma a não gritarem de dores com a dilatação; mas ainda não tinha ouvido que há pessoas que sofrem de úrsulas no estômago, que morrem de homilias pulmonares e que as gravidezes utópicas quase sempre (pois claro) acabam mal. Contou-me ainda a médica que os filhos de uma sua paciente terminal, perante a morte iminente da progenitora, lhe revelaram que esta tinha manifestado o desejo de ser cromada; e que, por existirem alguns problemas de identidade com um homem que deu entrada no banco do hospital, este referiu que tudo se resolveria em breve, pois recentemente tinha passado a afectivo no emprego e já metera os papéis para ser neutralizado português...

13
Jul11

Viagens impossíveis

Maria do Rosário Pedreira

Há centenas de lugares aonde nunca poderemos ir. Não por causa da distância, da falta de dinheiro, dos vistos não concedidos ou mesmo do medo de andar de avião, mas simplesmente porque, embora existindo, não existem. Parece estranho? Pois não é. Já se imaginou, por exemplo, em Camelot ou Avalon, na Ilha de Próspero, no País das Maravilhas, em Liliput, Macondo, no Parque Jurássico ou mesmo na Ilha do Dia Antes criada por Umberto Eco? A verdade é que a única forma de viajar até esses lugares é lendo as obras de quem os inventou, pois o único mapa que os inclui é, de facto, a nossa amada literatura. E, mesmo assim, o fantástico Alberto Manguel e Gianni Guadalupi (um tradutor italiano de autores clássicos) reuniram-nos (e a muitos outros) num pesado volume intitulado Dicionário de Lugares Imaginários, que me ofereceram em inglês, mas existe em português numa edição brasileira da Companhia das Letras. E, por este guia para viajantes intrépidos, desfilam, por ordem alfabética, mais de mil e duzentos locais que nunca serão destinos vendidos pelas agências de viagens, mas aos quais muitos de nós não deixaremos de ir sem sairmos do sítio, mesmo fora do tempo de férias. Belíssimo e revelador.

12
Jul11

Subjectividade

Maria do Rosário Pedreira

Dizem-me muitas vezes que o factor gosto influencia necessariamente os livros que selecciono para publicação. Acho que sei distinguir entre o que é publicável e o que não o é, independentemente do prazer que retiro da leitura, mas é verdade que só posso levar à estampa obras que consiga minimamente defender – e, se não gostar mesmo nada de um romance, será provavelmente difícil defendê-lo. Em todo o caso, talvez as pessoas tenham razão e exista sempre uma certa subjectividade quando damos o nosso parecer sobre um texto e, a este respeito, conheço uma história muito divertida. Numa sessão pública, para corroborar a sua opinião sobre um assunto polémico, um dos intervenientes trouxe à baila um livro pouco ou nada conhecido de um autor estrangeiro; ao seu lado na mesa, Frei Bento Domingues foi, porém, categórico, dizendo simplesmente que o livro em causa não prestava para nada. O companheiro de debate ficou zangado e, claro, atirou-lhe com esta: “Desculpe, mas isso não passa de um juízo de valor.” E, contra todas as expectativas dos presentes na sala, Frei Bento não se deixou abater e retorquiu apenas: “Engana-se, quanto a esse livro em particular, é mas é um juízo sem valor!”

11
Jul11

Uma grande autora portuguesa

Maria do Rosário Pedreira

Dulce Maria Cardoso ganhou o Prémio da União Europeia para a Literatura em 2009, o que, infelizmente, não a tornou mais conhecida. E digo «infelizmente», porque se trata de uma grande escritora portuguesa que devia ser mais lida e criticada em Portugal (acho que teve mais críticas e recensões na imprensa holandesa do que aqui, o que é, no mínimo, estranho). O seu romance mais recentemente editado entre nós (penso que não tardará o próximo, mas só agora tive disponibilidade para ler este) chama-se O Chão dos Pardais e constitui um inteligente mosaico de personagens – Alice, Afonso, Sofia, Júlio, Elisaveta, Clara, Lily, Manuel, Gustavo – que se vão cruzando de maneira insuspeita e surpreendente numa história (em várias histórias, melhor dizendo) onde o amor e o ódio são muitas vezes a mesma coisa. Umas frases para aguçar a curiosidade: «O ódio precisa de ser alimentado e o silêncio é uma maneira bastante eficaz de o fazer. Caso enfraqueça, o ódio transforma-se numa mágoa que contrai um bocadinho o estômago ou amarga um bocadinho a boca. Ao contrário do ódio, a mágoa é muito desinteressante. Há tanto a dizer sobre as mágoas como há a dizer sobre os sapatos que apertam demasiado. Nem umas nem outros matam e nem umas nem outros dão vontade de matar.»

08
Jul11

O livro ou o prémio

Maria do Rosário Pedreira

O senhor do quiosque onde há muitos anos compro diariamente o jornal e um maço de cigarros – e que, além destes dois mesmíssimos artigos, vende também ao Manel a Lire, a Ler, Os Meus Livros, o Magazine Littéraire, o JL, El País de sábado e tudo o que tenha que ver com livros – diz que já há algum tempo que não vende revistas. Não, não é por causa da crise. O que quer dizer é que já não são exactamente as revistas que as pessoas lhe compram, mas as malas, sandálias, lenços, faqueiros e outra tralha que as revistas oferecem ou comercializam a preço de saldo para conseguirem vender-se; e que as pessoas já não escolhem entre a Lux, a Caras e a VIP, mas entre, por exemplo, umas havaianas, uma bolsa de ráfia e um saco de praia. Recentemente, uma editora de livros, que por acaso até é do grupo para o qual trabalho, também pôs à venda cinco títulos diferentes acoplados a echarpes de cores distintas – e temo que as pessoas deixem de olhar para os autores desses livros e, afinal, escolham sobretudo pelo tom da echarpe que lhes dá mais jeito. Quando, numa sessão no Chapitô, se discutiam recentemente as vantagens e desvantagens do livro electrónico, o editor Carlos da Veiga Ferreira aproveitou logo essa campanha para dizer: «E nos e-books como é que incluem as echarpes?»

 

07
Jul11

Reportagem literária

Maria do Rosário Pedreira

Há muitos anos, li um livrinho publicado pela ASA na saudosa colecção Pequenos Prazeres intitulado Relato de Um Náufrago e assinado por Gabriel García Márquez. Era uma espécie de reportagem literária sobre um homem que andara sei lá quantos dias à deriva no mar em cima de umas tábuas de madeira, depois de a embarcação onde viajava ter naufragado, e o Nobel da Literatura publicara-a inicialmente em fragmentos num semanário. Embora não se trate de ficção propriamente dita, nem tenha a mesma genialidade de algumas das obras do mestre colombiano, lembro-me de que o texto me impressionou, me recordou por razões óbvias O Velho e o Mar, de Hemingway, e até escrevi qualquer coisa sobre ele numa revista que então editava a Livraria Barata. A Dom Quixote, que está a publicar a obra de García Márquez, reeditou agora o texto com nova capa e novo formato. Vale a pena.

 

06
Jul11

Verdade ou consequência?

Maria do Rosário Pedreira

Logo mais, às 18h30, faremos a apresentação de Tiago Veiga – Uma Biografia, a mais recente obra de Mário Cláudio, na Livraria Barata, em Lisboa (falará Manuel Villaverde Cabral). Em todas as críticas e entrevistas que apareceram até agora à volta deste livro, sempre se tem tentado apurar se o poeta Tiago Veiga realmente existiu – como o autor nos quer fazer crer através de provas várias, tais como fotografias (uma delas com o próprio biógrafo) ou livros publicados alguns anos antes de a biografia dada à estampa. Mário Cláudio remete os desconfiados para as conservatórias do registo civil dos lugares onde nasceu e morreu este bisneto de Camilo. É, porém, provável que se tenha dado ao trabalho de ver se existia algum Tiago Veiga nesses registos nascido, como o seu herói, em 1900. Enfim, jogo de génio ou não, este é um livro genial. Se quiserem, apareçam.

 

05
Jul11

De leitura obrigatória

Maria do Rosário Pedreira

Bem sei que tudo o que cheira a obrigação traz em si uma promessa de aborrecimento e quase juraria que a maioria dos livros que tivemos de ler na escola não fizeram muitos leitores futuros dos seus autores. E o pior é pensar que isso aconteceu porque, em muitos casos, não tínhamos maturidade suficiente para os compreendermos. Ocorre-me, por exemplo, que Gil Vicente nos divertia com os seus palavrões (no meu tempo frequentemente suprimidos), os parvos e as alcoviteiras, mas dificilmente abarcávamos as implicações teológicas e o anticlericalismo dos seus textos; e que Fernão Lopes foi sempre ganhando peso e maravilha à medida que eu crescia e o relia, transformando-se numa coisa completamente diferente no final. Outros, porém, ficaram mesmo por reler, como o Herculano que, na adolescência, me pareceu tão insuportável (“E a abóbada não caiu!”) que nunca mais me chamou para a releitura. Em todo o caso, fiquei, sei lá porquê, chocada ao saber que Camilo desapareceu do currículo escolar. Bem sei que o novo ministro pode reintegrá-lo, mas num tempo em que as pessoas parecem apreciar enredos trágicos e paixões funestas, não seria de aproveitar a onda e, de caminho, ensinar centenas de vocábulos portugueses a uma população que recorre a um léxico cada vez menor?

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