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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

29
Jun12

A queda dos mitos

Maria do Rosário Pedreira

Antes de trabalhar neste ramo, pensava que todas as editoras ocupavam grandes espaços nos quais, para além dos escritórios, funcionava uma gráfica que imprimia os livros. Conhecia o edifício da Europa-América, na estrada para Sintra, e aquele monstro ali plantado era a minha única referência, desconhecendo a localização das outras editoras cujos livros comprava. Depois descobri que essas funcionavam quase todas em andares alugados em Lisboa ou no Porto, com mais ou menos divisões assoalhadas, mas geralmente tendo fora da sede o armazém e encomendando a gráficas que não lhes pertenciam o trabalho de impressão. Hoje, com os gigantes LeYa e Porto Editora, as coisas aproximam-se bastante mais desse meu delírio juvenil, pois para juntar muitas editoras são realmente necessárias instalações amplas – e, mesmo assim, quase toda a gente trabalha em open space, reduzindo-se significativamente os metros quadrados que antes compunham gabinetes, fossem estes individuais ou partilhados. Mas também o mito de que o editor era alguém que tinha lido tudo e não poderia ser surpreendido com um autor que tivesse passado debaixo dos olhos do discípulo caiu por terra assim que comecei a trabalhar. Claro que o meu então chefe me levava um bruto avanço em anos e leituras, mas, mesmo assim, talvez por termos tido formações académicas diferentes, desconhecia muitos autores que eu lera furiosamente – e não falo de jovens promissores ou escritores de línguas estranhas e países periféricos. É, por isso, uma grande satisfação para mim falar com os novos autores que publico sobre o que andam a ler, pois não só podemos trocar impressões sobre alegrias e desilusões comuns, mas também me acontece não tão raramente como isso ser convocada para determinado livro que nunca li ou até – o que é mais engraçado – descobrir que andamos a ler o mesmo livro (que eles estarão a ler com a idade certa e eu com anos de atraso). De um caso assim falarei, de resto, um dia destes.

28
Jun12

Livros a mais?

Maria do Rosário Pedreira

Os livros são um problema para quem gosta muito deles e não lhes resiste. Numa crónica publicada no dia 17 de Junho no jornal Público, Miguel Esteves Cardoso contava que estava a mudar de casa e falava do trabalho que representava transportar os livros de um sítio para outro e arrumá-los, um por um, na casa nova. Pareceu-me que, ao olhar as pilhas no chão, pensava que, afinal, talvez tivessem razão aqueles que se renderam aos livros electrónicos e não se importam com o cheirinho do papel, os sublinhados ou o cantinho dobrado para marcar a página onde ficámos. Porém, ao mesmo tempo, percebia-se que não deixará nunca de comprar livros, apesar de ter muitos que certamente ainda não leu. No dia em que se comemorou o aniversário de Eduardo Prado Coelho, li na Casa Fernando Pessoa, numa sessão de homenagem, um texto seu que falava exactamente da sua ideia de biblioteca; e dizia o professor, entre outras coisas, que só se sentia realmente sossegado quando tinha tantos livros por ler quantos os que tinha lido – o que, no seu caso, queria dizer mesmo muitos. Em minha casa, embora haja muitos livros que ainda não lemos, não resistimos a comprar uma parte significativa dos que saem. Guardamos, ainda, livros que sabemos que nunca vamos reler. Serão livros a mais?

27
Jun12

Romances da vida

Maria do Rosário Pedreira

Aqui há tempos, num festival de escritores, o apresentador de um programa cultural da TV andava a angariar escritores e editores para dizerem, em mais ou menos meio minuto, qualquer coisa de jeito sobre um dos livros da sua vida. Ali à pressa, ocorreu-me em primeiro lugar O Amante, de Marguerite Duras, romance que li à saída da universidade, com o francês muito fresco e um fraquinho pela literatura francesa. Não era o primeiro livro de Duras que lia (estreara-me, efectivamente, com Moderato Cantabile, de que foi feito um filme com Jeanne Moreau, mas não vi), que me fora emprestado por um professor, depois de lhe ter dito que estava a gostar muito de O Silêncio, de Teolinda Gersão. Mas O Amante era uma leitura tão diferente, tão sedutora, tão refinada e com uma maldade tão irresistível que acho que mudou de certa forma a minha maneira de gostar de livros. Depois de um período de carência, o romance de Duras está de novo disponível no mercado português, agora editado pela ASA, na sua colecção Vintage. E, embora conheça alguns leitores que não se conseguiram afeiçoar à escrita da grande senhora francesa, tenho de aconselhar esta maravilha a todos os que ainda não a leram, porque, se gostarem, vão gostar muito, estou certa, e querer navegar em toda a magnífica obra (tantos livros tão bons) que espero venha a ser retomada pela chancela que referi. Até eu, que não costumo ter tempo para reler livros, estou a considerar a possibilidade de o fazer. Uma belíssima história de amor entre um par incompatível, este romance valeu a Duras o Prémio Goncourt, o mais importante galardão literário de França.

 

 

26
Jun12

Pessoa apaixonado

Maria do Rosário Pedreira

Há pouco tempo, publiquei aqui no blogue um post sobre o presumível fim de toda a correspondência publicável (a maioria dos e-mails não o serão, tenho quase a certeza); e parecia de propósito, nesse mesmo dia chegava às minhas mãos o volume que reúne a correspondência trocada entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, editada por Manuela Parreira da Silva e publicada recentemente pela Assírio & Alvim, que tem vindo a dar à estampa toda a obra do grande Pessoa. Chama-se Cartas de Amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz e, portanto, tem a respectiva leitura qualquer coisa de acto coscuvilheiro, pois não se trata apenas de literatura, mas de um universo pessoal e literariamente despreocupado (quiçá até um pouco ridículo, já que, segundo o Campos heterónimo, todas as cartas de amor acabam por sê-lo) que nos deixa ver ou, pelo menos, pressentir como era o génio quando gostava de alguém a sério. Acho uma felicidade que as cartas que o «Fernandinho» escreveu a Ofélia tenham sobrevivido e chegado até nós, já que as da própria Ofélia (o «Bebé») estariam, naturalmente, nas várias arcas do poeta de que já ouvimos falar. E, mesmo que esta não seja a primeira edição da correspondência, a verdade é que as cartas de uma e do outro só haviam sido publicadas separadamente, o que estraga completamente a perspectiva do namoro, aqui assegurada pela publicação cronológica das epístolas. Deliciemo-nos, pois, com um Pessoa apaixonado e uma rapariga que confessa, logo a abrir, que só não saiu do escritório onde ambos trabalham (podendo ganhar noutro bastante mais) por causa desse homem que fez de Portugal um país maior.

25
Jun12

Do velho se faz novo

Maria do Rosário Pedreira

Quando comecei este blogue, referi que ele serviria sobretudo para falar do que fosse lendo (as horas extraordinárias são essas); e, se alguma vez me referi ao que eu própria escrevi, acho que foi apenas para contar algum episódio à roda disso, e não para falar dos livros. Contudo, passei o fim-de-semana a ver as provas da minha Poesia Reunida e, como tal, não só me tornei leitora da minha própria obra (juro que já não me lembrava de ter escrito certos textos), como isso me impediu de escrever posts para o blogue, porque o tempo, infelizmente, não dá para tudo. Por isso, hoje os leitores do Horas Extraordinárias terão direito a um post simultaneamente egocêntrico e preguiçoso – mas, acima de tudo, feliz. É que os meus livros de poesia estavam fora de mercado há muito tempo, e ainda acho um milagre que a Quetzal os tenha querido publicar todos juntos! A edição sairá em Setembro (que é o mês em que nasci) e incluirá, além dos três títulos anteriores, um livro inédito chamado A Ideia do Fim. A abrilhantar tudo, um prefácio de Pedro Mexia. E em Setembro volto à carga, ouviram?

22
Jun12

Fim à vista

Maria do Rosário Pedreira

Ao longo dos tempos, têm sido publicados muitos livros que incluem a correspondência trocada por famosos ou ilustres, sejam eles políticos ou escritores. Essas cartas permitem normalmente perceber a posteriori tomadas de posição ou decisões que passaram a fazer parte da História (as de Churchill, por exemplo) ou são «tão-só» belíssimas peças literárias que têm ainda o condão de satisfazer a nossa curiosidade sobre a vida pessoal ou as ideias dos seus autores. E, contudo, com o desenvolvimento das novas tecnologias, as pessoas deixaram positivamente de se corresponder, aproveitando as numerosas vantagens do correio electrónico, entre elas a rapidez com que chega ao destino. Mas isso mudou profundamente o uso da linguagem, tornando as nossas actuais mensagens, na generalidade, bastante pobres em estilo e vocabulário e fazendo desaparecer as velhas cartas e postais que trocávamos com a família, os amigos e os namorados. Não creio, enfim, que se possam vir a publicar os e-mails e SMS dos grandes homens e mulheres do mundo em substituição da antiga correspondência. Talvez os romancistas se dediquem então à epistolografia nas suas obras, mas as cartas ficcionadas não terão o mesmo interesse histórico e dificilmente satisfarão a nossa curiosidade relativamente ao carácter e às posições dos «remetentes»... Bem sei que a velocidade a que vivemos hoje nos obriga a um certo pragmatismo, mas tenho pena de que nada fique para a posteridade que valha realmente a pena reler.

21
Jun12

Havia e há

Maria do Rosário Pedreira

Gosto de acompanhar os jovens – não me interpretem mal, estou a falar apenas de escritores e dos seus livros e, além disso, sou casada e gosto. Além disso, o jovem em quem estou a pensar agora é uma mulher, o que tornaria tudo ainda mais improvável, dando-se o caso de eu me sentir atraída, até ver, apenas pelo sexo oposto. Mas adiante: falo de uma jovem autora, nascida em 1982, que se estreou com um livro chamado Diálogos para o Fim do Mundo, vencedor do prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, da Câmara Municipal de Loures, em 2009 e publicado no ano seguinte pela Caminho; que agora reincide com um conjunto de pequenas ficções com o título Havia – a palavra com que começam absolutamente todas as histórias –, cuja capa é bastante original, pois reproduz parte de uma ficção do interior sobre – isso mesmo – a capa de um livro. Joana Bértholo, cuja biografia se inclui no volume como mais uma das muitas histórias, é uma cultora do absurdo e tem inteligência e talento suficientes para compor um leque apreciável de narrativas divertidas e modernas que se lêem de um fôlego e vêm acompanhadas das ilustrações de Daniel Melim, que também assina o posfácio (iniciado por «Havia», como não podia deixar de ser). Embora seja sempre difícil, num livro experimental deste tipo, que todos os textos tenham o mesmo nível, devo confessar que o equilíbrio é muito satisfatório e que a opção de fazer seguir cada uma das ficções de uma espécie de versão condensada e adulterada das mesmas – quantas vezes ainda mais mordaz – enriquece extraordinariamente a leitura. Havia… e há.

20
Jun12

Uma casa para Saramago

Maria do Rosário Pedreira

No passado dia 13 de Junho – dia de Santo António e também de aniversário de Fernando (António) Pessoa – abriu ao público na Casa dos Bicos (onde funciona actualmente a Fundação José Saramago) uma exposição sobre a vida e a obra do único Nobel da Literatura português até ao momento. A exposição já tinha sido mostrada em Espanha, onde o escritor viveu durante muitos anos, podendo ser visitada agora em Lisboa todos os dias úteis entre as 10h00 e as 18h00 e aos sábados entre as 10h00 e as 14h00, sendo a entrada grátis durante todo o mês de Junho (a crise não serve de desculpa desta vez). Inclui muitos livros (quando vemos as edições estrangeiras das obras de Saramago ficamos realmente admirados com as línguas todas em que foi traduzido), muitos manuscritos, muitas fotografias, muitas agendas e outros objectos pessoais, enfim, muitas coisas através das quais se pode contar a vida de um escritor – desde as suas origens no Ribatejo aos dias de militância política e cívica – que, tendo começado mais tarde do que é habitual, nos deu uma obra grande em todos os sentidos. A exposição chama-se «José Saramago: A Semente e os Frutos», é comissariada pelo espanhol Fernando Gómez Aguilera e ocupa todo o primeiro andar da Casa dos Bicos. Dizem que está sempre cheia de visitantes, o que é bom sinal.

19
Jun12

Ler canções

Maria do Rosário Pedreira

Gosto de separar poemas de letras, porque as letras, para se acomodarem ao espartilho da música e serem cabalmente entendidas no tempo que o intérprete leva a brindar-nos com a canção (depois, já não vale), acabam por enfermar de uma simplicidade (ou de um simplismo) que nada tem que ver com a poesia (tantas vezes cheia de nós e laços para desatar). Contudo, existem autores de letras que são escritores fenomenais, sabendo não só meter as palavras na música, mas também dar ao conjunto uma profundidade e uma grandeza que só os maiores poetas às vezes atingem. Considero Chico Buarque um deles – mas há mais – e o tema deste post surgiu num domingo extremamente bem passado, que começou com um sushi de qualidade numa esplanada lisboeta à hora de almoço e terminou num jantar regado a canções do génio brasileiro, que ando a coleccionar em CD vendidos com o jornal Público a preço amigo, porque não tinha tudo e os discos em vinil ficaram, provavelmente, em casa da minha mãe – se é que eram meus, e não de um dos meus irmãos. E, depois de ouvir quase tudo, nem é assim tão estranho que Chico Buarque se tenha posto a escrever romances (acho que já aqui falei sobre Leite Derramado; senão, tenho gosto em fazê-lo) porque já era escritor antes disso. Basta ouvir Meus Caros Amigos com toda a atenção para perceber que as letras são uma literatura pegada, sendo a música um poema igual ou melhor. Olhos nos Olhos é uma das minhas preferidas deste cantautor. Aos domingos, depois de tanto livro, também sabe bem ler canções.

18
Jun12

Viver, viver

Maria do Rosário Pedreira

Todos conhecemos pessoas que apetece abanar, lentas e permanentemente adormecidas; mas também já estivemos certamente com o oposto, gente que não se cala um segundo, que nos está sempre a interromper e a puxar pela roupa, que não pára de ter ideias e acaba por se tornar cansativa. A personagem do livro de que hoje falarei, Joana, se fosse uma pessoa de carne e osso das nossas relações, estou certa de que nos fascinaria terrivelmente tanto pela sua franqueza como pelo seu mistério, mas daria cabo de nós de alguma maneira, pelo menos como vai dando cabo de si e de todos ao longo da narrativa. Estou a falar da protagonista de Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector – um magistral romance da brasileira que nasceu na Ucrânia, mas sempre considerou o Brasil a sua pátria, escrito quando pouco passava dos vinte anos e de uma maturidade literária que merece o adjectivo deste blogue: extraordinária! A obra de Clarice é de uma vivacidade estonteante, mas esta Joana de coração selvagem é um bicho de sensações que não lhe fica atrás nem nos deixa descansar um só instante durante a leitura. Criança hiperactiva e hiper-pensante, adolescente rebelde, imaginativa e por vezes maquiavélica, adulta fascinante e ao mesmo tempo capaz do pior com os que dela se aproximam, Joana, se não pensar ou sentir um mísero segundo, é a criatura mais infeliz do universo – e o seu amor por Otávio, que poderia ser perfeito (e parecia mesmo perfeito), acaba por ser uma distracção que a afasta dessa pulsão de permanentemente ser ela própria, mesmo quando não sabe bem quem é. Com parágrafos que queríamos saber de cor, com repetições que emprestam um ritmo quase alucinante ao texto, com ideias belíssimas (e bastante vanguardistas se tivermos em conta que Lispector nasceu em 1920), este é um livro sobre a maravilha e o horror que pode ser viver, viver cada minuto da vida sem desperdiçar nada de nada. Altamente recomendável.

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