Contar segredos
Poucas pessoas conseguem entrar na Coreia do Norte, mas tenho um velho amigo teimoso que, desde pequeno, colecciona países e conseguiu passar uma semana nesse que é um dos mais fechados lugares do mundo e trazer notícias surpreendentes (embora outras mais previsíveis) de Pyongyang. Andava sempre com duas pessoas a acompanhá-lo: um guia, para o ajudar com a língua e o levar aos sítios certos (ou o inibir de ir aos que não deviam ser visitados), e um controlador, para garantir que o guia não dizia mais do que aquilo a que estava autorizado nem arranjava maneira de se colar ao viajante para tentar a fuga nessa ou noutra altura. Falou-me, entre outras coisas, de uma espécie de museu de dimensão escandalosa, salas atrás de salas, onde estavam guardadas e expostas positivamente todas as coisas que tinham sido oferecidas ao Dear Leader por outras nações do mundo – e aonde o povo ia em romaria ao fim-de-semana, como nós, portugueses, rumamos aos centros comerciais – e entre as quais encontrou, calculem, um galo de Barcelos. Agora, o escritor José Luís Peixoto publica o primeiro livro de viagens sobre a sua permanência na Coreia do Norte ao longo de duas semanas, durante as quais teve o privilégio de assistir às comemorações do centenário de Kim il-Sung (o que, segundo ele, tornou mais fácil o convívio, talvez pelo clima de festa). Pelo que li numa entrevista, terá mesmo muito que contar, pois, ao contrário desse amigo que referi, Peixoto conseguiu afastar-se da capital, ir a cidades que não recebiam um estrangeiro desde os anos 50 do século passado (onde as pessoas se assustaram com a sua presença, chegando até a fugir) e conversar com um povo pouco habituado a forasteiros, com o qual comeu, bebeu e, pasme-se, dançou. Dentro do Segredo, assim se chama a obra, traz-nos «um país de ficção», mas a viagem de José Luís Peixoto aconteceu mesmo.