Neste momento em que vos escrevo, dou graças a Deus por me ter casado (tarde, mas bem). As tendinites de que há tempos aqui me queixei não se atenuaram, nem com os vossos votos de melhoras – e a verdade é que não consigo tirar um cabide do varão do roupeiro, nem vestir um casaco que não seja largo e maleável, nem coçar as costas, nem sequer apertar o soutien. Não se riam, se não fosse o Manel, desconfio de que a minha vida seria ainda mais limitada – e talvez não tivesse sequer coragem para alimentar este blogue. Até porque, diz o médico (o mesmo que ainda não me conseguiu tratar, depois de consultas, exames e fisioterapia que me raparam a conta bancária), os teclados, os ratos de computador e os tablets – e o exercício da leitura puro e duro em má posição – são provavelmente responsáveis pelo estado a que cheguei (eu não descontaria o stress diário e o meu feitio eléctrico, mas enfim). Assim, como amanhã é Agosto e todos – mesmo sem fundos – vamos entrar em mood de férias, vou fazer um repouso da escrita (da leitura será impossível) e os Extraordinários compreenderão que este blogue só regresse em Setembro, que é também quando começa a rentrée e terei os curiosos todos por aqui. Por isso, desejo um bom descanso a todos os leitores destas Horas Extraordinárias – e aos que acreditem em Deus peço que rezem para que estas minhas dores vão também de férias... e já não voltem. No dia 1 cá estarei, provavelmente cheia de novidades literárias para dividir convosco. Boas férias!
A Livraria Arquivo, em Leiria, tem uma comunidade de leitores muito participativa e assídua (e os escritores, por isso mesmo, gostam de lá ir e ser interpelados pelos leitores). Mas, como esse Clube de Leitura interrompe em Julho e Agosto as suas actividades, alguém (provavelmente de nome Sílvia) sugeriu que, em vez de irem ao Facebook partilhar as leituras de férias (o que está mais do que gasto), deveriam escrever um postal, à boa maneira antiga, posto no correio e tudo, sobre o que andavam a ler. A proposta não só foi aceite pelos demais membros do clube, como deu origem a uma ideia mais ampla, que é a de estender o envio do postal a todos os leitores do País que queiram partilhar as suas leituras estivais, mediante um excerto ou um comentário sobre o livro, com a simpática «Sílvia». A livraria compromete-se a receber o correio e a fazer, no final do Verão, uma exposição de todos os postais, venham eles de onde vierem. Uma belíssima ideia que, se não me engano, é mesmo à medida dos leitores deste blogue. Eu vou escrever! Se também quiserem participar, façam-no para:
Sempre que vou ao Chiado, passo os olhos por meia dúzia de montras que ainda têm gosto a infância (e, se não fosse o incêndio nos anos 1980, muito mais teria com que me deleitar, pois tenho saudades de apalpar as fazendas de xadrez no Eduardo Martins e beber batidos de ananás na Pastelaria Ferrari entre paredes de espelhos). Uma dessas montras era a da Livraria Sá da Costa, que – como aconteceu a tantas outras nos últimos anos (a Livraria Portugal, por exemplo, na Rua do Carmo) – vai fechar (ou já fechou) as suas portas. É realmente uma pena vermos fechar para sempre livrarias bonitas, humanas e com história, de soalho encerado e livreiros informados, e ficarmos reduzidos às cadeias de lojas que, embora com espaços muito mais amplos, também não oferecem, afinal, muito mais do que as novidades. Mas a verdade é que a Sá da Costa já há muito que estava a definhar e, provavelmente porque nem se encontrava em situação de poder comprar livros às editoras, tinha o ar de uma loja de livros usados. Tenho pena de não ter entrado lá mais vezes nos últimos anos à procura de alguma coisa nova ou antiga, até porque os cinco funcionários que a geriram nos últimos tempos vão decerto engrossar as filas de desempregados. Eles que me desculpem por não ter comprado lá livros neste período mais difícil. Agora, vou compenetrar-me e tentar visitar com mais assiduidade outras livrarias independentes e humanas que ainda restam.
Há uns anos, estava eu na Temas e Debates, houve um Congresso de Editores na Fundação Calouste Gulbenkian. Na ocasião, lembro-me de ter ouvido com prazer um espanhol falar da legislação que tinham acabado de aplicar no país vizinho por causa desse tremendo e lesivo hábito de fotocopiar livros. A fotocópia de livros integrais ou de capítulos de livros nas escolas e universidades não previa então o pagamento de qualquer percentagem aos autores dos textos e era um verdadeiro flagelo para escritores e editores (e artistas também, se pensarmos em obras com ilustrações e pinturas), que assim se viam privados de receber os seus direitos. Apesar de alguma coisa ter sido feita no sentido de acabar com a «mama», a verdade é que tem sido difícil cobrar às reprografias a parcela adequada, alegando aquelas frequentemente que os alunos estão em dificuldades financeiras e bem assim os estabelecimentos de ensino (e os autores não?). Mas eis que o Tribunal de Justiça Europeu abriu os olhos, conferindo agora aos Estados-membros a possibilidade de imporem aos fabricantes de fotocopiadoras e impressoras uma taxa pela reprodução não autorizada de trabalhos, destinada a compensar materialmente os detentores dos direitos. Não será obviamente suficiente, até porque do decreto à sua aplicação ainda há-de correr muita tinta, mas é bom que se abra caminho a uma situação mais justa. Claro que, a par desta «pirataria», existe outra muito mais difícil de conter – todas as semanas há queixas de que os PDF de livros acabadinhos de publicar estão à venda na Internet. Ilegalmente, bem entendido. E, quanto a isso, não há legislação que nos valha.
Já aqui falei muitas vezes das Quintas de Leitura – um espectáculo magnífico organizado por João Gesta no Porto, no Teatro do Campo Alegre, que esgota assim que os bilhetes são postos à venda e conta com a colaboração de um poeta, de diseurs, de artistas e músicos. Mas estas, como descobri no ano passado, não são as únicas Quintas de Leitura que existem, pois outras há na Figueira da Foz todos os meses, que ocorrem depois do jantar e têm um autor por convidado na Biblioteca Municipal da cidade à beira-mar. Depois de algumas alterações forçadas mas aconselháveis (a primeira quinta que me marcaram acabou por revelar-se a véspera de um feriado e, portanto, o público iria provavelmente de fim-de-semana; e, na segunda, havia à mesma hora um espectáculo de bailado que era um sério concorrente), hoje estarei nas 5.as de leitura da Figueira da Foz, para falar da minha poesia a quem queira ouvir e responder a perguntas do público. Se estiver por lá, apareça.
Pois bem, algumas mulheres que conheço – escritoras – defendem que os seus livros vendem menos porque os jornalistas e críticos literários só dão atenção aos livros dos seus confrades homens. No caso que hoje me traz aqui, nada podia ser mais falso, uma vez que o livro era de um homem – Robert Galbraith, para ser mais exacta – e, desde que saíra, no Reino Unido, vendera uns míseros 1500 exemplares (que, por lá, é quantidade ínfima, como sabemos). E isso não acontecera por ter passado despercebido: tinha recebido excelentes críticas o policial de capa chamativa com o título The Cuckoo’s Calling publicado pela editora Sphere, que se pensava ser de autor estreante e promissor. Contudo, no domingo 14 de Julho, o Sunday Times, que adora uma boa manchete, pôs a descoberto a verdadeira identidade do autor, revelando que se tratava nada mais, nada menos de uma obra da pena de J. K. Rowling, a celebrada inventora de Harry Potter. Em poucas horas, o romance já era um dos mais vendidos da Amazon… Talvez os ingleses não possam ser acusados de machismo, enfim.
Prometi que voltaria ao assunto da Nova Narrativa para a Europa – e tenho andado a adiá-lo porque, por mais tempo que passe, a verdade é que não consigo processar o acontecimento e chegar a uma conclusão que me convença. Fui para esse debate europeu à espera de ver serem tomadas decisões ou anotados os contributos de peso, mas senti que, por muito interessante que fosse a ideia de construir uma Europa mais humanista e cultural, não se foi além das palavras. Houve intervenções de que gostei (a melhor foi a de um contador de histórias búlgaro convidado a falar – a maioria dos presentes, como eu, limitou-se a ouvir, até porque as intervenções não podiam ultrapassar um minuto porque a sessão começou atrasada), mas ficou bastante claro no discurso de Durão Barroso que a Comissão Europeia pede a ajuda dos intelectuais, artistas e cientistas para escrever esta nova narrativa, mas não parece disposta, por sua vez, a apoiá-los. E, além disso, pareceu-me feio que, enquanto o Primeiro-Ministro da Polónia falava (era o anfitrião), o português estivesse sempre a ver mensagens no telemóvel (bem sei que tem muitas outras responsabilidades, mas caiu-me um pouco mal) e que, por sua vez, Donald Tusk abandonasse a sala assim que Durão Barroso acabou o seu discurso e começaram os debates (também será um homem ocupado, mas se eu convido alguém para minha casa não me passa pela cabeça ir-me embora). Bem, se calhar também eu estou a ser mal-educada, dizendo mal da «festa» para que fui convidada; voltarei, portanto, a esta reunião aqui no blogue quando tiver lido umas papeladas e umas notas que reuni sobre a matéria, até para não ser injusta ou precipitada nos meus juízos. Contudo, a quente, a sensação com que fiquei é que estes encontros sucedem porque a cultura tem de fazer parte da agenda da Comissão, mas se deles nascerá alguma coisa de interessante e benéfico, ai isso, francamente, já não sei.
Publiquei aqui há tempos um post sobre Herberto e o seu livro novo que teve imensos comentários dos extraordinários habitués deste blogue e não só. Nele, contava que havia pessoas a comprarem o Servidões aos cinco e aos seis na Feira do Livro, provavelmente para amigos e familiares, sabendo que, com uma tiragem tão contadinha, o dito se esgotaria em três tempos. Foi mais ou menos o que aconteceu, claro, e a obra desapareceu rapidamente dos escaparates para pena de muitos apreciadores do mestre que não chegaram a tempo de adquirir o seu exemplar. Mas não nos iludamos: esses livros comprados aos magotes aqui e ali não foram apenas para leitores sedentos de meter o nariz no último Herberto. A verdade é que, como também aqui foi dito e previsto, muitos deles estão agora à venda a preços absolutamente estonteantes (120 Euros, por exemplo) em certos alfarrabistas que perderam umas horitas em filas quando Servidões começou a ser vendido, mas deram esse tempo por bem empregado, já que lhes bastará vender um ou dois exemplares aos consumidores mais relapsos para, afinal, facturar uma bela maquia. Acho que deviam contar a Herberto que a sua mania das tiragens curtas dá azo a este tipo de especulação, quanto a mim, nada bonita. Pode ser que ele entenda que é parcialmente responsável pela situação e se deixe de fitas da próxima vez que publique um livro.
Há uns dez anos fui a um festival de poesia numa pequena localidade do Sul de França. Era suposto recitarmos pelas esquinas, em parques onde os ouvintes se deitavam em cadeiras reclinadas ao sol, junto de lagos cristalinos acompanhados por músicos e sentados a mesas toscas colocadas no meio de belas paisagens. Foi bonito – e as participações eram, normalmente, discretas, mas recordo-me de uma poetisa francesa (o nome varreu-se-me) que tinha um vestido branco largo e transparente do qual pendiam rebuçados e croissants que ela desafiava o público a arrancar e comer durante a sua performance. Em Portugal, este tipo de actividade já tem uma competição: chama-se Poetry Slam e convida conhecidos e anónimos a dizerem num palco textos da sua autoria de uma forma artística. O espectáculo aconteceu recentemente num bar lisboeta e contou com a criatividade de muitos anónimos que, em três minutos apenas, tinham de mostrar o que valiam (como autores e intérpretes) perante um júri constituído por pessoas do público e também Pilar del Río, J. P. Simões e o jornalista Nuno Miguel Guedes. Os brasileiros, talvez por serem mais descontraídos, arrancaram boas pontuações e, ao que parece, grandes gargalhadas (dedicando-se, entre outras coisas, a fazer odes à vagina e a poetar sobre a flatulência), mas a vitória coube a um contador de histórias profissional (a experiência ainda conta nestas coisas). A sala esteve cheia e houve todo o tipo de performances. Fiquei com pena de não ter assistido, mas curiosa sobre este Poetry Slam. Para o ano há mais.
Essa palavra aí em cima, a servir de título ao post, tem muitos SS e remete logo para o nosso amado Bernardo Soares e o seu livro (com L maiúsculo, desculpem). Mas pode também ser apenas uma tradução de «Disquiet», que é, entre outras coisas, o nome de um programa literário internacional que todos os anos costuma trazer a Lisboa escritores norte-americanos para conhecerem a capital e a literatura portuguesa. A iniciativa, que se traduz numa espécie de universidade de Verão, concedendo bolsas a quase uma centena de jovens escritores, foi criada há três anos pela editora Dzanc Books e conta com a colaboração em Portugal do Centro Nacional de Cultura, local onde decorrem leituras e debates entre os escritores visitantes e os escritores residentes (neste ano, Gonçalo M. Tavares, João Tordo e Patrícia Reis). Mas este interessante intercâmbio não se fica pelos contactos e, pela primeira vez, inclui a tradução de um romance português nos Estados Unidos, tendo sido escolhido O Verdadeiro Ator, de Jacinto Lucas Pires, livro que elucida os leitores norte-americanos sobre a austeridade por que o nosso país está a passar, coisa que, para eles, segundo li, resulta remota e complexa. A obra será apresentada por um dos bolseiros, Brian Sousa, luso-descendente e vencedor de uma das bolsas. Pode ser que outros mais ou menos jovens escritores portugueses cheguem assim ao lado de lá do Atlântico.