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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Set13

Ó tempo, volta para trás

Maria do Rosário Pedreira

Clara Ferreira Alves (CFA) não é, seguramente, uma personalidade consensual. O seu tom assertivo, ao que sei, irrita muita gente – e vê-la no Eixo do Mal contribui decerto para que algumas pessoas não a estimem muito Não estou lá muito convencida de apreciar a sua presença na televisão, mas leio sempre os seus textos com muito interesse na Revista do Expresso aos sábados e, mesmo que não concorde em permanência com as suas ideias, acho-a uma mulher inequivocamente culta e inteligente que, ainda por cima, escreve francamente bem (o que já é raro nos jornalistas). Recentemente, CFA dedicou uma crónica à morte da cultura literária (no dia 7 de Setembro, para quem não leu) e, dessa feita, bem queria ter discordado dela – mas poucas vezes na vida li coisa tão certa, tão clara e que me alarmasse tanto. A sua afirmação de que a revolução tecnológica destruiu o mundo como o conhecíamos pode parecer exagerada, mas o artigo é límpido como água, e a primeira consequência deste progresso tecnológico é o fim da consagração da literatura e do pensamento como arte, como criação. Agora, troca-se a biblioteca pelo shopping, e os media, a televisão mais do que todos, festejam todos os dias a ignorância e ainda batem palminhas. O tempo não volta para trás, isso é uma certeza inabalável. Mas então que faço eu agora, não me dizem, à procura do talento literário que cada vez menos gente deseja ou compreende? Por favor, leiam o artigo e digam-me se não tenho razão para ter medo do que aí vem.

27
Set13

Envelhecer

Maria do Rosário Pedreira

Sinto-me um bocado bota-de-elástico ao não querer perceber que a arte pode ser uma coisa que – sinceramente – eu preferia que não fosse. Uma vez, um senhor que estimo bastante e que tem cultura e bom gosto, disse-me que hoje já não havia arte, apenas instalações; e, conquanto eu tenha então achado que estava diante de um bota-de-elástico (até porque há instalações formidáveis), talvez hoje o tenha finalmente compreendido. É que, num jornal de referência, vejo dedicarem uma página inteira cheia de encómios a uma exposição de escultura. Mas, na fotografia que encima o texto, observo apenas paredes brancas, nas quais estão pendurados auscultadores, e uma cadeira banal à frente. A proposta é que o visitante se sente, coloque as «bandeletes» e fique à escuta. Bem, eu não sei o que dizem lá do outro lado – e até admito que possa ser «arte» (imaginemos que nos atiram com bela literatura); o que entendo menos bem é que isto seja uma exposição de «escultura», ainda por cima classificada com cinco estrelas, pois eu não vejo lá nenhuma peça escultural da autoria do escultor (acho que as cadeiras podiam ser do Ikea). Mas, pronto, devo ser eu que estou a envelhecer, e não tardará muito a que fique azeda e a começar as frases todas por «No meu tempo». Avisem-me, por favor, se isso começar a acontecer…

 

P.S. Se alguém tiver ido ver a exposição e me puder dizer o que sopram os fones, avance, porque posso estar a ser injusta, mas não estou com muita vontade de lá ir.

26
Set13

O botequim de Natália Correia

Maria do Rosário Pedreira

Já sou suficientemente antiga para ter frequentado um bar ali à Graça chamado Botequim, cuja mestra-de-cerimónias, por assim dizer, era Natália Correia com a sua longa boquilha. Fui lá ainda universitária com o meu pai, que gostava bastante da boémia, e mais tarde, já a trabalhar na edição, para assistir a um lançamento de um livro de Javier Marías (Todas as Almas, que, aliás, recomendo a quem não tiver lido). Acho que não voltei lá, mas sei que por ali passou muita gente interessante, mesmo que nem sempre tão interessante como a patronne, que era uma mulher directa, impagável e espirituosa como houve poucas em Portugal. Ora, o jornalista e escritor Fernando Dacosta publicou recentemente O Botequim da Liberdade, que fará decerto as delícias de quem frequentou o local e poderá, com a ajuda da obra, recordar e rever muita coisa que esqueceu; e, por outro lado, é um excelente fresco desse bar mítico e da sua grande dama, que ajudará os que não tiveram oportunidade de o conhecer a fazer uma pequena ideia da sua importância nesses tempos de tertúlias e encontros de intelectuais (com muito álcool e tabaco à mistura). Irresistível, portanto.

25
Set13

Língua dominante

Maria do Rosário Pedreira

O inglês domina sobre qualquer outra língua, é um facto, e por vezes encontro pessoas portuguesas que já só sabem dizer determinadas coisas em inglês. Nas empresas, quando se consulta um organograma, os cargos vêm todos com as siglas inglesas – e creio que as novas tecnologias, por causa dos gigantes Microsoft e afins, viciaram gerações inteiras na utilização da língua inglesa por tudo e por nada. Alguns vocábulos portugueses praticamente desapareceram do emprego corrente – lembro-me, por exemplo, de «quantia», que hoje passou a ser «soma» (por causa de «sum», naturalmente) e de «exemplar» (de um livro ou disco), que foi substituído por «cópia» (de «copy», claro), lendo-se frequentemente na imprensa que um livro vendeu milhões de cópias. Em todo o caso, para defender a minha dama, eu insisto em escrever e dizer muita coisa que sinto fugir dos dicionários – e estranhei por isso que, nas capas de dois romances nórdicos (um norueguês, outro islandês) recentemente publicados, os nomes dos prémios recebidos – que eram dos respectivos países – estivessem em inglês. Claro que não nasci ontem e sei que cá na terra não se encontra facilmente quem fale essas línguas e, portanto, calcule que a tradução foi feita a partir da versão inglesa. Mas porque não simplesmente «Prémio Literário da Crítica Norueguesa» em vez de «Norwegian Critics Literary Prize» ou «Prémio Literário da Islândia» em lugar de «Icelandic Literary Prize»?

24
Set13

Verdade ou consequência

Maria do Rosário Pedreira

Violante tinha, desde criança, um talento raro para a representação e, com a ajuda de um grande actor com quem acabou por se casar, tornou-se uma das mais aplaudidas actrizes portuguesas do princípio do século XX. Contudo, os que a vêem brilhar e afirmar o seu génio no palco dos maiores teatros nacionais desconhecem o terrível segredo que minou a sua vida e levou para longe o marido numa noite que podia ter acabado em tragédia. A Segunda Morte de Anna Karénina é um romance sobre o amor sem limites, a traição e os custos da vingança – e também uma obra arrojada sobre as tensões homossexuais reprimidas, sobre as vidas desperdiçadas de tantos portugueses na Primeira Guerra Mundial e sobre as diferenças – se é que existem – entre o teatro e a vida real, porque numa conversa entre dois actores de excepção, nunca se sabe o que é verdade, o que é consequência. Este é o mais recente romance de Ana Cristina Silva.

 

23
Set13

Leituras obrigatórias

Maria do Rosário Pedreira

O Manel, por causa da ideia do Expresso de que já aqui falei, anda a reler Os Maias; e esse facto gerou uma conversa sobre as leituras escolares obrigatórias e a imaturidade com que todos lemos determinados livros e autores, como Gil Vicente, Fernão Mendes Pinto, Camões (o d’Os Lusíadas) ou o próprio Eça que, relido na idade adulta, contém um suplemento de prazer. Nessa conversa, que decorreu durante uma sessão de autógrafos sem grande afluência (a praia a ganhar ao livro, claro), a escritora Inês Pedrosa referiu que tinha dado a Lírica de Camões a ler recentemente à filha (que a adorou) porque a achara desavinda com a épica camoniana estudada na escola (se calhar, a fazer divisão de orações); e acrescentou que, sendo hoje uma grande admiradora da obra de Agustina, não gostara assim tanto de A Sibila quando a lera pela primeira vez em adolescente. Isso acendeu porém uma recordação que não resistiu a partilhar connosco e eu faço o mesmo com essa história deliciosa: Agustina Bessa-Luís ficou a certa altura sem empregada e, andando à procura de uma pessoa que pudesse trabalhar para si, uma conhecida recomendou-lhe uma rapariga de confiança que, além de estar a precisar de emprego, não era propriamente uma ignorante. Puseram-se então ambas em contacto e foi combinado um dia para conversarem e verem até que ponto podiam ser úteis uma à outra. Porém, quando a rapariga se apresentou em casa da escritora e soube finalmente o seu nome (ou reconheceu o seu rosto de alguma contracapa, já não sei), foi peremptória ao afirmar que não havia nada a fazer, pois de modo algum trabalharia para aquela senhora. A razão era simples: a autora de A Sibila era a verdadeira responsável por a rapariga nunca ter conseguido acabar o liceu… 

20
Set13

Writers friendly

Maria do Rosário Pedreira

Apaixonei-me na universidade por um poeta irlandês que recebera o Nobel nos anos 20 (W. B. Yeats) e, quando fui à Irlanda, cheguei a visitar em Sligo a sua sepultura num jardinzinho à roda de uma igreja, cujas árvores então praticamente despidas tinham, recordo, ninhos de corvos que pareciam desenhos a tracejado. O lugar era uma pintura – e, na Irlanda, acontece frequentemente tratar-se com bom gosto e carinho tudo o que diz respeito aos escritores. Foi sobre isto também que escreveu recentemente Miguel Esteves Cardoso (MEC) ao referir numa crónica a morte do poeta Seamus Heaney (outro grande), que tive a sorte de ouvir ao vivo na Feira do Livro de Frankfurt dedicada à Irlanda, em 1996, pois foi quem fez o brilhante discurso de abertura. Ao contrário dos ignorantes que nos governam no nosso rectângulo e desprezam na generalidade os artistas, os intelectuais e as suas opiniões, os dirigentes irlandeses, contava MEC, fizeram o elogio do poeta desaparecido no final de Agosto recitando versos dele de cor e chamando-lhe apenas Seamus, com a familiaridade que ele merecia. Foi em Dublin que visitei a primeira livraria aberta até à meia-noite, há muitos anos (nessa altura, nem havia centros comerciais em Lisboa) e que ouvi um trabalhador rural a quem pedimos informações na estrada falar de Yeats como aqui, se calhar, falariam de Toni Carreira ou, quando muito, de Amália. Um país que já teve quatro prémios Nobel da Literatura cuida, melhor do que ninguém, dos seus escritores.

19
Set13

Moda e literatura

Maria do Rosário Pedreira

Leio na página oficial da S, L, M, XL - Fashion and Design Week, a acontecer em Santo Tirso até amanhã, uma frase deliciosa de Oscar Wilde, que diz que «a moda é tão horrivelmente feia que a temos de mudar duas vezes por ano». Parece, porém, que este certame vai cruzar a moda com várias áreas menos «horrivelmente feias» da arte e da vida, entre elas, a gastronomia e a literatura. Um dos meus autores, Paulo Moreiras – que, além de bom escritor, é também um bom garfo e um estudioso-curioso da gastronomia (tendo escrito deliciosos opúsculos sobre o tremoço e a morcela, por exemplo) – vai intervir amanhã às 18h30 numa sessão sob o título «Na Ponta da Língua» e debruçar-se-á sobre o erótico na doçaria conventual, sessão que também contará com a presença da poetisa Rosa Alice Branco, que é a curadora da Literatura neste festival. Hoje ainda estará também numa mesa, a falar de modas e mitos da literatura, com Vasco Graça Moura, Maria Bochicchio e Paulo Cunha e Silva. Se estiver perto de Santo Tirso, vá-lhes fazer companhia e não se arrependerá, o mais provável é sair de lá de água na boca (para ler e comer). Mais informações no link abaixo.

 

http://www.esad.pt/pt/eventos/s-m-l-xl-literatura

18
Set13

O nosso agente em Lisboa

Maria do Rosário Pedreira

Há uns dias, assim, de repente, veio a má notícia: Ilídio Matos, o primeiro agente literário português (e o único em Portugal ao longo de décadas), representando os direitos de editoras alemãs, suíças, norte-americanas e outras, tinha morrido. Dois dias antes, duas editoras da LeYa tinham almoçado com ele e dito que estava entusiasmado com uma operação às cataratas que ia fazer, pois andava a ver muito mal. Mas que, de resto, parecia francamente bem e cheio de projectos. Nesse dia planeei combinar mais um almocinho com ele e com a minha amiga Ana Pereirinha, editora na Planeta, pois há muito que lho prometêramos; mas já não irei a tempo – e arrependo-me obviamente de deixar que o stress se sobreponha tanta vez às coisas realmente importantes da vida. O Ilídio era um grande amigo – e, com aquele seu ar de pai, chamava-me carinhosamente «joiinha» ou «doutorita», pois conhecia-me desde 1987, o ano em que me iniciei no mundo dos livros. Ele tinha um fantástico sentido de humor e, estando no mundo editorial há tantos anos (tinha oitenta e sete), histórias interessantes para contar que nunca mais acabavam e faziam as delícias de quem o ouvia. Quase todos os editores sentirão a falta dele, tenho a certeza, e merecia que todos os jornais lhe dedicassem umas valentes páginas porque faz claramente parte da História da Edição em Portugal e foi um dos seus mais originais protagonistas. Ficámos sem o nosso agente em Lisboa – e estamos tristes.

17
Set13

Contar histórias

Maria do Rosário Pedreira

Quando os autores portugueses têm livros traduzidos noutras línguas, as editoras estrangeiras enviam-lhes exemplares que eles guardam religiosamente e lhes servem, entre outras coisas, para oferecer a confrades em encontros literários internacionais, melhor se dando a conhecer. Mas não é fácil encontrar esses livros à venda em livrarias portuguesas – e os turistas não têm muitas hipóteses de comprar traduções de autores portugueses quando nos visitam. Ou, melhor, não tinham – porque dois amigos com boas ideias resolveram criar um negócio que dá pelo nome de Tell a Story e reúne todas as condições para correr bem, uma vez que Lisboa recebe turistas todo o ano. Trata-se de vender numa carrinha azul, alegre como uma carrinha de gelados, decorada com estantes e expositores, a obra de autores de cá em variadíssimas línguas – francês, inglês, alemão, neerlandês… A carrinha, que anda atrás dos turistas numa ideia de «desassossego» a homenagear Pessoa – possivelmente o autor mais procurado –, estaciona em locais frequentados por estrangeiros e oferece uma panóplia de títulos e histórias numa acção de promoção da nossa literatura. Até agora, os franceses são quem mais compra, mas todos vão ver as histórias que há para contar. Uma bonita e útil iniciativa.

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