Começos
Cá estamos de volta ao blogue e ao trabalho – e espero que as vossas férias tenham sido boas e que todos cheguem cheios de força para comentar o que, a partir de agora, vos for servindo nestas minhas Horas Extraordinárias. E, como hoje é começo do mês, cumprindo o ritual de cada um dizer o que anda a ler, lembrei-me de aconselhar um romance de começos absolutamente genial que, lido uma vez, jamais se esquece. Trata-se, pois claro, de Se numa Noite de Inverno Um Viajante, do grande Italo Calvino, uma obra que nunca há-de estar ultrapassada, de tão moderna que continua a ser tantos anos após ter sido escrita. Um leitor compra um livro numa livraria (o romance que acabo de citar) e, assim que lê o princípio, fica com água na boca (como todos nós, se o lermos). Mas, por razões que aqui não se contarão, descobre que o segundo capítulo é, afinal, de um outro livro – um romance não menos fascinante, por certo, mas não aquele que esperava. Vai, obviamente, reclamar do sucedido (e querer ler os dois livros de fio a pavio, já agora) e conhece, na livraria, uma leitora a quem a mesma «tragédia» sucedeu, o que acaba por gerar uma paixoneta e muitas afinidades. Porém, à medida que ambos tentam recuperar a sequência do que leram, por mil enganos e conspirações inimagináveis, terão sempre na mão mais um começo de um novo romance, cada qual mais aliciante, que em vão desejarão continuar a ler. Com uma mão notável para escrever em estilos muito diferentes, do Japão à América Latina, passando pela Europa Central, este livro de Calvino é um caso sério da literatura de todos os tempos e lugares.