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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

24
Dez13

Férias de Natal

Maria do Rosário Pedreira

Hoje, dia 24 de Dezembro, publico aqui no blogue o último post de 2013. Vou tirar uns diazinhos de férias, como se ainda fosse estudante, para pôr a vida e a papelada em dia, e voltarei no primeiro dia útil de 2014. Quero desejar a todos os leitores destas Horas Extraordinárias o melhor Natal que lhes seja possível viver num período especialmente difícil para Portugal e os Portugueses (soou-me a discurso político, mas é sincero, juro). Não exagerem nos doces, que o dentista é caro, nem recebam demasiados presentes (dar é outra coisa), que os tempos não estão para exageros. Leiam, se puderem, que é o que também tentarei fazer. E, sobretudo, regressem no ano que vem, que esta sala comum não é nada sem os vossos acertados comentários. Eu deixo-vos com um presentinho, um anúncio curioso que um amigo me contou ter encontrado um dia num jornal francês: «Realizador de cinema procura anão para pequeno papel em curta-metragem.» Não é literatura, bem sei, mas já estou em mood de férias e temos de nos rir de qualquer coisa. Boas festas a todos. Vemo-nos por aqui no ano que vem.

23
Dez13

A velha guarda

Maria do Rosário Pedreira

Quando Cavaco Silva ganhou as eleições e tomou posse como Presidente da República, logo se percebeu que a sua relação com a cultura era absolutamente nula (quer dizer, já se desconfiava, mas deu para confirmar). O professor de números é bastante parco em conhecimentos literários e artísticos; e, mesmo para os que nunca gostaram de Soares e Sampaio, é inegável o fosso que existe entre o que estes dois senhores sabiam de literatura, música e pintura e o que Cavaco Silva (não) domina. Não é, claro, o único político ignorante (antes fosse) – e a nova geração de políticos formatados nas juventudes partidárias é toda mais ou menos desinteressante e com pouco ou nenhum mundo (além de Cuba, Cancún e Punta Cana, suponho). No dia 2 deste mês, fui a uma sessão comemorativa dos 25 anos da publicação de Gente Feliz com Lágrimas, o multipremiado romance de João de Melo – que é, de resto, a sua obra mais emblemática e acaba de ter uma edição especial. Para falar dela, além do autor, estava o jornalista Fernando Alves (brilhante condutor da conversa) e Jaime Gama – sim, esse mesmo, que foi, além de deputado e ministro, presidente da Assembleia da República aqui há uns anos (e é açoriano como o autor). Devo dizer que fiquei absolutamente boquiaberta com a sua prestação. Já sabia que se tratava de alguém inteligente, o que não sabia era que tinha tanta bagagem cultural (perdemos o hábito de acreditar em políticos cultos, lá está) e, melhor ainda, que tivesse capacidade para fazer uma leitura crítica do romance digna de um professor universitário de literatura (relacionando o romance com obras de muitos outros autores ou situando-a num contexto de ruptura com movimentos e escolas anteriores) e, ao mesmo tempo, que expusesse o seu ponto de vista com clareza suficiente para que todos os presentes o acompanhassem sem quaisquer espinhos (não levava papel, note-se). Já no fim da sessão, percebi que todos estavam igualmente maravilhados com ele e que tudo o que se comentava a esse respeito era que a geração de Jaime Gama (não importa de que partido) era, de facto, de outra cepa e que, a partir dela, tem sido sempre a descer... Ora, se o exemplo vem de cima, como diz o povo, estamos mesmo com um irremediável azar.

20
Dez13

O senhor Manguel

Maria do Rosário Pedreira

O senhor Manguel, de nome próprio Alberto, passou parte significativa da sua juventude a ler para Jorge Luis Borges e apaixonou-se, naturalmente, pela literatura (embora já tivesse um fraquinho por ela antes). É um literato muito respeitado em todo o mundo, tendo vivido, além de na Argentina, onde nasceu, em Israel, no Canadá e em França, onde está actualmente. Foi professor, tradutor, crítico (no New York Times e no Times Literary Supplement, por exemplo) e antologiador, além de romancista, mas é pelos seus estudos literários que é mais famoso e aplaudido. Entre outras obras, escreveu Uma História da Leitura e também o Dicionário de Lugares Imaginários, de que já falei neste blogue e foi recentemente publicado em português pela Tinta-da-China. Ora, por causa da saída desse livro em Portugal, o senhor Manguel foi recentemente entrevistado pela Lusa e deu, nessa entrevista, a sua opinião sobre a literatura portuguesa, afirmando que «tradicionalmente, Portugal tem autores que fazem parte da grande literatura universal, como Fernando Pessoa, Eça de Queirós, António Lobo Antunes ou Gonçalo Tavares» (foi, de resto, por causa da menção a Tavares que chamei ao post «O senhor Manguel», quiçá exprimindo o desejo de que o jovem escritor dedique a Manguel um dos seus volumes do Bairro no futuro). Quando um estudioso desta craveira se refere elogiosamente a escritores da pátria, não podemos senão ficar satisfeitos. Digamos que foi um bonito presente de Natal.

19
Dez13

Comprar livros

Maria do Rosário Pedreira

Ainda que os jornais anunciem que os Portugueses, com a crise, diminuíram o seu investimento em produtos culturais, e estudos europeus revelem que há muitos portugueses que nem um livro lêem num ano inteiro, as grandes cadeias de livrarias abrem novas lojas perto do Natal. No Centro Comercial das Amoreiras, onde já existia uma Bulhosa e uma Bertrand, há agora uma nova FNAC, de que foram recentemente padrinhos a fadista Ana Moura e o escritor Valter Hugo Mãe. Nos Restauradores, junto à estação central dos Correios (ai, meu Deus, que será dos Correios daqui por uns tempos?), a Book-it., do Continente, abriu igualmente uma loja e já começou a receber diariamente autores para sessões de autógrafos. E, no Shopping Cidade do Porto, a Bulhosa Books and Living, que era uma das mais interessantes livrarias da Invicta, deu lugar a uma Bertrand que ainda não conheço mas tenciono visitar em breve. Enfim, sendo boas notícias (na verdade, é bem simpático haver mais livrarias aonde ir ver e comprar), também tenho pena de que não seja nada de novo, uma vez que noutros países europeus o que ainda vai safando a literatura são os livreiros independentes, que se apaixonam por determinados livros e autores e fazem tudo por eles. Recentemente, por exemplo, a editora francesa de O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro, partilhou connosco uma carta escrita por um livreiro de Toulouse a propósito do romance que era a um tempo uma recensão como já não se faz e uma declaração de amor ao livro. Em Portugal, já quase não conheço ninguém que o pudesse fazer...

18
Dez13

Não estamos sós

Maria do Rosário Pedreira

No início do próximo ano vou publicar excepcionalmente na Teorema dois livros traduzidos, entre os quais o de um autor da Coreia do Sul que dizem ser o melhor da sua geração (nasceu em 1968). Chama-se Kim Young-ha (os nomes dos coreanos escrevem-se com o apelido no princípio) e darei oportunamente conta da sua novela original e algo kafkiana chamada Tenho o Direito de Me Destruir. Mas foi por causa dela que li algumas coisas sobre o mercado coreano na Internet e me apercebi de que, enfim, não estamos sós nas nossas amarguras. A crise no meio editorial é tão grande por aqueles lados que 94% dos editores não lançaram um único livro em 2012. As pessoas, sem um tostão no bolso, deixaram de ler jornais, de ir ao cinema e de comprar livros (onde é que eu já vi isto?) – excepto quando o preço é suficientemente competitivo e, quanto a isto, parece que uma cadeia de livrarias em segunda mão, a Aladino (com dezasseis lojas, incluindo uma em Los Angeles e uma forte presença online) faz um inesperado sucesso em tempos difíceis e «rouba» todas as hipóteses de negócio às editoras, fazendo um desconto médio de 50% aos seus clientes. A Coreia do Sul não tem lei do preço fixo, pelo que é ainda mais difícil combater a política de preços da Aladino, que os editores coreanos consideram míope e precipitada e em nada contribuir para que os leitores do país contactem com novas obras e autores contemporâneos. Parece que, apesar de tudo o que tem acontecido em Portugal no mercado dos livros, ainda há quem esteja pior do que nós.

17
Dez13

Hermanos

Maria do Rosário Pedreira

Já aqui falei de alguns livros de Adolfo García Ortega (autor de, entre outros, O Comprador de Aniversários, um pequeno grande romance sobre uma vida em Auschwitz), mas talvez nunca tenha dito que ele é igualmente um grande editor que trabalha na Planeta, em Espanha. Uma noite, há uma década, durante a Feira do Livro de Frankfurt, encontrámo-nos para jantar na mais bonita praça da cidade e, sabendo da incapacidade proverbial dos espanhóis para nos perceberem, toda a noite me dirigi a ele no meu fraco castelhano, o que foi apesar de tudo eficaz, não tendo havido qualquer obstáculo à comunicação. Eu não esperava era que, à despedida, ele me brindasse com a surpreendente tirada: «Sabes, estou mesmo contente... Não fazia ideia de que percebia tão bem português.» Piadas à parte, foi no blogue deste amigo, Otra Galaxia/Club Cultura, que encontrei a seguinte afirmação de Borges: «Os espanhóis bem se podem gabar de falar lindamente espanhol, o problema é que não são capazes de escrever um bom livro.» (E eu aqui acrescentaria «Nem de falar outra língua», mas não é o momento para vinganças.) O destinatário da frase era um outro Adolfo, Bioy Casares, mais um grande escritor argentino, e a conversa ocorreu nos idos de 1962. Talvez hoje nos seja difícil concordar com ela (há muitos escritores espanhóis de grande qualidade, como Marsé ou Marías, por exemplo), mas o autor do blogue acaba por dizer que, «salvo raras excepções, efectivamente a literatura espanhola enlanguesce como o país, que há duzentos anos está metido numa campânula que ainda cheira a padres e príncipes». Será? Bem, posso não ter percebido bem... O meu espanhol, já se sabe, é muito fraco.

16
Dez13

Vértice

Maria do Rosário Pedreira

A revista Vértice, fundada em Coimbra no ano de 1942, tornou-se um instrumento de luta política e resistência à ditadura e, simultaneamente, uma espécie de porta-voz do movimento neo-realista. O seu papel como laboratório de ideias progressistas foi tão importante ao longo dos anos que mereceu um livro a propósito (A Revista Vértice e o Neo-Realismo Português, de Viviane Ramond, muito elogiado por Eduardo Lourenço). Mas tudo tem o seu tempo e a Vértice adormeceu há muito... Porém, excepcionalmente, voltou há uns dias com um número inteiramente dedicado ao Ciclo Nacional de Conferências «José Saramago: o escritor e o cidadão», com o apoio da Câmara Municipal da Moita e da Câmara Municipal do Barreiro. Este Ciclo de Conferências fez, de resto, parte de um projecto intitulado Oficina Saramago, que envolveu escolas, associações, colectividades e entidades privadas em várias acções que decorreram entre Novembro de 2011 e Novembro de 2012, e para o qual foram convidadas personalidades nacionais e estrangeiras conhecedoras da obra do nosso Nobel da Literatura. Uma boa razão para termos a Vértice de volta, mesmo que por pouco tempo.

13
Dez13

Infâncias sombrias

Maria do Rosário Pedreira

Conheço mal a literatura nórdica, até porque só de há uns anos para cá as editoras portuguesas começaram a apostar nela (havia, claro, alguns clássicos, mas creio que só depois do sucesso da série Millennium se decidiu olhar com mais atenção para os escritores suecos, por exemplo). Já aqui falei de um autor que apreciei bastante (Per Petterson) e agora acabo de ler outro livro duro e bonito que tem muitos pontos de contacto com a última obra de Valter Hugo Mãe, Desumanização. Trata-se de A Casa com Alpendre de Vidro Cego, da escritora norueguesa Herbjørg Wassamo, que fala da vida de Tora, uma criança, numa ilha onde se vive essencialmente da pesca (e mal). Tora carrega o estigma de ser filha de um soldado alemão que se apaixonou pela mãe, Ingrid, durante a ocupação (e foi morto, sabe-se lá por quem, antes de poder regressar à pátria); mas, como se isso não bastasse, a sua infância é sacudida permanentemente pela perseguição do padrasto alcoólico, uma vez que Ingrid trabalha no turno da noite da fábrica de conservas e não pode acompanhar a filha. E, contudo, esta menina encontra formas de resistir absolutamente notáveis, entre as quais está a leitura de livros e as «conversas» com um rapazinho surdo-mudo chamado Frits. Numa Noruega ferida pela guerra e muito pobre, sempre cheia de frio e vento, esta infância é uma lição de sobrevivência – e a escrita de Wassamo verdadeiramente bela e mágica. Diz-se na contracapa que este é apenas o primeiro livro de uma trilogia. Venham os outros dois, pois estão a fazer falta.

12
Dez13

Mais vale tarde

Maria do Rosário Pedreira

Aqui há um ano escrevi um livro sobre Amália para os mais pequenos, os que nasceram depois da sua morte e não sabem nada da vida de uma das maiores artistas portuguesas, nem o que realmente fez para transformar o fado no que é hoje. Foi também no ano passado que reuni a minha poesia num só volume e prometi ir a Coimbra falar dela em vários sítios, mas não consegui cumprir por – como sempre – excesso de trabalho. Hoje, porém, tirei-me das minhas tamanquinhas e vou estar em Coimbra, que recentemente viu a sua universidade eleita Património Mundial pela UNESCO, para falar destes dois livros. Primeiro, com crianças, numa escola, ao princípio da tarde; e pelas 18.30h na Mercearia de Arte, com o Pedro Beja Alves, que ali faz um trabalho notável de promoção cultural e convida regularmente escritores e artistas para uma conversa informal à roda da respectiva obra. Se estiverem por lá, apareçam.

11
Dez13

Escravos modernos

Maria do Rosário Pedreira

Não se fazem fortunas por acaso (nem por se ser sério e honesto, calculo), e é natural que as gigantescas empresas mais lucrativas do mundo escondam processos de enriquecimento menos bonitos do que gostaríamos. Um jornalista aceitou infiltrar-se num dos cinco armazéns da Amazon no País de Gales e tornou-se funcionário da companhia, montando uma câmara escondida da BBC que acompanhava o seu trabalho a par e passo. Ora, Adam Litter – assim é o nome do jornalista – era obrigado a trabalhar cerca de dez horas e meia e, pasme-se!, a andar cerca de dezassete quilómetros por dia, pois de 33 em 33 segundos deveria recolher um novo pedido e, quando o final do tempo se estava a aproximar, o scanner que trazia na mão começava a apitar tal qual as máquinas que medem a frequência cardíaca e anunciam a morte dos pacientes com um sinal agudo e permanente. Se não cumprisse a média, ficava sob observação e recebia uma advertência de que poderia perder o emprego e ser substituído. Os seus pés, como podem calcular, estavam num estado lastimoso e, quando a Amazon disse cumprir todas as regras laborais, foram suficientes para mostrar que não era bem assim... Enfim, já sabíamos que havia muita coisa a mudar para pior no mundo empresarial moderno, mas temos sempre a esperança de que as empresas que trabalham com produtos culturais se portem melhor do que as outras, não sei porquê.

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