Já aqui falei num livro fantástico da escritora madrilena Rosa Montero, intitulado A Louca da Casa, misto de ficção e verdade sobre essa doida que é a imaginação. Pois é a respeito de imaginação que hoje trago uma história, quanto a mim, bem bonita. No último LeV (festival de Literatura em Viagem, realizado em Matosinhos), uma das sessões reunia dois físicos – Carlos Fiolhais e Nuno Camarneiro, o segundo ex-aluno do primeiro – que nos brindaram com uma conversa muito interessante sobre a ligação da ciência e dos cientista às artes e à literatura. Ficámos a saber que também eles dão importância à beleza (mesmo nas fórmulas matemáticas) e ficam felizes quando a hipótese certa é bonita (às vezes, há proposições tão belas que têm de estar certas, digo eu); mas o físico mais velho contou uma história deliciosa de Einstein, que hoje partilho com os leitores do blogue. Interrogado sobre se achava mais importante a imaginação ou o conhecimento, o genial cientista respondeu que, sem qualquer dúvida, a imaginação. E, quando o entrevistador quis saber porquê, explicou esta maravilha: «É que o conhecimento leva-nos de A para B, mas a imaginação leva-nos de A para todo o lado.» Quem sabe sabe.
Já adivinharam? Pois, não é preciso pensar muito para saber que, nesta altura do ano, só podia ser a... Feira do Livro de Lisboa! Começa hoje, sim, um pouco mais tarde do que é costume, e durará até 15 de Junho, obrigando os alfacinhas que trabalham nos livros a esquecer o Santo padroeiro, as marchas e as sardinhas por um ano. Mas não faz mal: nós gostamos desta festa que é de adultos e crianças ao mesmo tempo, que nos leva ao Parque para uma passeata simpática (Deus queira que não chova) e que todos os anos traz caras e títulos novos. Sentimo-nos bem acompanhados com os autores, adoramos parar nos pavilhões a folhear as novidades e a mexericar nas bagatelas (no ano passado comprei dois livros de Robert Walser por três euros cada) e, sobretudo, gostamos de ver como são os leitores, que manias têm, o que gostam de ler, o que procuram. Aprende-se muito, garanto, e num instante passaram três semanas e nem demos por isso (excepto quando regressamos à nossa secretária e nos apercebemos de que o trabalho está atrasadíssimo). Este ano, a entrega do Prémio LeYa, para variar, será feita na Feira do Livro; mais para a frente, darei detalhes. Hoje, é mesmo só para celebrar o acontecimento e pedir que nos visitem e, claro, não se esqueçam de ler.
Já aqui falei muitas vezes das Quintas de Leitura, um espectáculo mensal dedicado especialmente à poesia (mas com música, imagem e outras artes também) que acontece com a direcção de João Gesta no Teatro do Campo Alegre, na cidade do Porto. E amanhã comemoram-se treze anos de Quintas com uma sessão intitulada «A Poesia é uma arma carregada de futuro», na qual tenho o maior prazer de participar. Não, desta vez não irei exactamente como poeta, mas para integrar um painel de «combatentes» (com Ana Drago, Adolfo Luxúria Canibal, Mário Zambujal e Paulo Cunha e Silva) que, com a moderação do jornalista Carlos Vaz Marques, conversará sobre estes tempos tão difíceis para a cultura, em que todas as armas são úteis para derrotar a arrogância ignorante dos que nos governam. Na segunda parte, a fadista Raquel Tavares e o guitarrista Edu Miranda far-nos-ão companhia. As leituras de poemas (desta vez sugeridos pelos entrevistados) estarão a cargo de Paulo Campos dos Reis, Pedro Lamares (ah, que voz!) e Teresa Coutinho. A não perder, porque as Quintas são sempre de guardar no coração.
Quando a revista LER fez 25 anos, foi organizada uma grande festa durante uns dias no cinema São Jorge. Nessa altura, quem dirigia a revista interinamente era João Pombeiro – e a celebração saiu-lhe muito bem. Agora, já longe da LER, resolveu reinventar o acontecimento com outro a que chamou Cabide, A Revista ao Vivo (nem online, nem em papel) que vai realizar-se no mesmo São Jorge entre a próxima quinta e o próximo domingo, com um preço de lançamento de 9,99 euros para os três dias. Pedro Rosa Mendes, Gonçalo M. Tavares, Pedro Mexia, Tiago Rodrigues, Carlos Vaz Marques, Maria Filomena Mónica, Carla Hilário Quevedo, João Fazenda e João Miguel Tavares são alguns dos principais colaboradores deste primeiro número da Cabide. Entrevistas, ensaios, conferências, debates sem moderação, ocuparão várias sessões subordinadas a um tema que se pode dizer bastante oportuno: Sabemos tomar conta de nós? Não faltarão também o cinema, as exposições, o teatro e uma manhã infantil, além de uma mostra de rádio e uns quantos extras, que não vou divulgar. A capa desta Revista ao Vivo é de Luís Alegre e estará exposta na fachada do cinema. Interessante, sem dúvida.
Andamos de novo a tentar organizar as estantes lá em casa – o espaço é sempre pouco e cada vez é mais difícil encontrarmos o que queremos. Agora, foram os livros em espanhol que ocuparam, com irrepreensível atraso mas finalmente por ordem alfabética, uma estante do corredor; para isso, porém, foi preciso arranjar espaço no meu escritório para os que lá estavam – e alguns, à medida que eram tirados do sítio, pareciam que saíam de uma cartola, e não da prateleira. Foi o caso de um romance de Júlio Conrado, cuja existência quase esquecera. Em anos sucessivos, Portugal foi país-convidado de Feiras do Livro e Festivais Literários (pelo meio, Saramago ganhou o Nobel) em Frankfurt, na Suíça, no Brasil, em Paris... E, segundo percebi, Júlio Conrado nunca foi convidado para participar em nenhum dos eventos. Vai daí, quem sabe se por indignação, se apenas por piada, escreveu um livro intitulado Desaparecido no Salon du Livre – uma paródia com «verdades, meias-verdades e muita ficção», tal como se anuncia na contracapa. Que dizer? Há outros escritores, que também não foram a lado nenhum, que reagiram de forma menos engraçada. E um que foi a todas, e que se recusou a partilhar o hotel com os confrades. Júlio Conrado tem, pelo menos, sentido de humor.
Já se sabe que a Livraria Lello, na cidade do Porto, é considerada uma das mais belas de Portugal. Mas os livros têm outras casas dignas de respeito e há uns tempos o jornal britânico The Telegraph elegeu a biblioteca do Convento de Mafra como a mais espectacular do mundo; agora é o portal norte-americano Book Riot que diz que ela é a mais incrível biblioteca do globo. Conhece? Devia. Porque é realmente única: tem uns tons únicos, claros – o que é pouco usual nas estantes, quase sempre de madeira escura –, com o mármore da zona de Pêro Pinheiro a fazer conjunto; mas também possui um acervo estupendo, de cerca de 36 000 obras (sobretudo em francês, latim e português), tendo, segundo se diz, D. João V mandado emissários ao estrangeiro para comprar livros raros e valiosos. Alberga, por exemplo, uma edição do Corão de 1543 e uma das primeiras bíblias poliglotas europeias, só para dar dois exemplos. E, além disso, tem morcegos, que comem os insectos e assim têm ajudado a preservar os livros sem recurso a químicos. Fico contente com o reconhecimento porque sou fã incondicional desta biblioteca e já a visitei por várias vezes. Se nunca foi, atreva-se: os morcegos não fazem mal.
Há dois ou três verões li um romance-maravilha – e postei a propósito aqui no blogue – de um jovem escritor argentino; intitulado O Viajante do Século, foi elogiado, entre outros, por Roberto Bolaño (que disse que a literatura deste século pertenceria a Andrés Neuman – assim se chama o seu autor – e a mais alguns, poucos, dos seus irmãos de sangue). Nas últimas Correntes d’Escritas tive o gosto de conhecer pessoalmente Neuman (mais baixo do que esperava e imensamente simpático), passei uma noite à conversa com ele e a mulher no bar do hotel e recebi de presente o seu romance mais recente, em edição brasileira, pois ainda não foi cá publicado. Não o achei tão bom como essa primeira obra que li, mas também seria difícil escrever dois romances geniais. Este Falar Sozinhos é uma obra menos ambiciosa, que cruza três formas diferentes de contar e sentir: a de um rapazinho de dez anos, Lito, e a dos seus progenitores. Mário, o pai, doente terminal, decide levar Lito numa viagem a dois, tentando antecipar um futuro que já não viverá; e a mãe, Elena, enquanto se preocupa com ambos, consulta o médico do marido para saber exactamente o que pode esperar e acaba por expiar a sua culpa de ser saudável numa relação com ele, entremeada por leituras de que retira para a sua vida o que há a aprender sobre doentes e cuidadores. O médico, personagem secundária, é claramente a minha figura preferida do romance e as suas reacções e comentários são notáveis. Um especialista da morte – é oncologista –, parece perceber melhor o que vale a pena na vida do que Mário, por exemplo, que está a perdê-la. Mas todos neste livro falam sozinhos, mesmo quando se dirigem a alguém.
Hoje mesmo estará disponível nas livrarias portuguesas um romance cheio de personagens admiráveis que mostra que, por mais que fujamos do passado, ele continuará a perseguir-nos e poderá bater-nos à porta quando menos esperamos. O Pecado de Porto Negro, de Norberto Morais, tem como cenário uma ilha inventada, a piscar o olho a Cuba, e passa-se no princípio do século XX, não muito depois de ter terminado a escravatura e de os ilhéus se terem livrado do último governador branco. Santiago, o protagonista, é o sedutor nato que adora mulheres, especialmente as feias, e não desistirá de desencaminhar a virgem Ducélia Trajero, a filha que o açougueiro de Porto Negro guarda como um tesouro inviolável e que o funcionário do açougue – uma criaturinha desprezível – julga, sabe-se lá porquê, estar-lhe destinada. Mas em terras de clima quente os pecados, carnais e não só, sucedem-se a um bom ritmo – como, aliás, o do romance – e a vida de todos os aqui referidos e de muitos outros há-de sofrer inesperadas metamorfoses, podendo a penitência cumprir-se, por exemplo, num bordel, onde, além de um leque variado de prostitutas com histórias deliciosas, um mulato efeminado terá um papel determinante nos destinos de uns quantos. Finalista do Prémio LeYa no ano passado, O Pecado de Porto Negro lê-se de um fôlego apesar das suas muitas páginas e guarda surpresas espectaculares até ao fim.
Todas as semanas consulto os Top de vendas nacionais e os de algumas livrarias (a FNAC, a Bertrand, a Bulhosa...) – e é espantoso verificar como o que se vende mais não tem, grosso modo, que ver com o que é literário e, muito provavelmente, com o que ficará na História da Literatura e continuará a ser lido daqui por cinquenta ou cem anos. Por outro lado, constato que os escritores, verdadeiro motor da literatura, têm frequentemente gostos muito diferentes dos leitores-consumidores de livros e que, interrogados sobre o seu Top Ten, enumeram quase sempre títulos que hoje talvez nunca chegassem às listas dos mais vendidos. Peter Zane resolveu tirar teimas e pedir a 125 escritores contemporâneos anglo-saxónicos que fizessem a lista dos seus 10+. Entre os autores chamados a opinar, estavam ficcionistas como Norman Mailer, Jonathan Franzen ou Joyce Carol Oates – e, ainda que as obras do século XX referidas pelo conjunto tenham ultrapassado as 500, o verdadeiro Top Ten do Século XX acabou por incluir duas vezes Joyce e outras duas Nabokov, o que é uma surpresa, sendo que a obra mais vezes indicada – e portanto a número 1 – foi mesmo Lolita. A seguir vinham O Grande Gatsby e a eterna Recherche, Gente de Dublin e Ulisses, O Som e a Fúria de Faulkner e Rumo ao Farol de Virgínia Woolf (curioso também, porque a sua obra «escolhida» é normalmente As Ondas). Nos últimos lugares dos dez, surgem então os contos de Flannery O’Connor e Fogo Pálido, o outro Nabokov. Perguntassem a escritores francófonos e talvez fossem em menor número as obras escritas originalmente em inglês... Porém, no que toca ao século XIX, Tolstoi continua a bater os recordes com Anna Karénina, o livro mais votado pelos 125 interrogados, e só aparece um livro em inglês em quarto lugar, As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain, sendo que o título que vejo aparecer mais frequentemente em listas deste tipo, Crime e Castigo, vem apenas em nono lugar. Fico a pensar como votariam os escritores portugueses se por acaso alguém se desse ao trabalho de lhes pedir os seus Top Ten.