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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

03
Jul14

A filha do juiz

Maria do Rosário Pedreira

Deu-me para a literatura americana e, depois de Carson McCullers e Salinger, devorei um romance de Eudora Welty. Chama-se A Filha do Optimista e foi dos tais comprados a preço de saldo na Feira do Livro. Diz o New York Times Book Review que é o melhor da autora, mas quanto a isso não faço juízos, até porque o meu conhecimento da obra de Eudora Welty é ainda diminuto e sei que os contos são uma das suas coroas de glória. Mas adiante: enquanto lia, parecia que estava a ver um filme daqueles a preto e branco, passado nos arredores de New Orleans, com aquelas senhoras gordas sentadas num terraço na má-língua, criticando a flausina Fay, muito mais nova do que elas, que era uma pobre dactilógrafa e sacou habilmente o juiz McKelva, o viúvo que nunca se refez completamente da morte de Becky, primeira mulher e mãe da filha – personagem ausente mas, decididamente, a mais forte. O juiz está com um problema de saúde, pelo que Laurel McKelva vem de Chicago de propósito para o acompanhar: o pai é tudo o que tem na vida depois de ter perdido o marido na guerra. E o choque entre Laurel e Fay (entre a contenção e o histerismo) será o motor para a consciência do que aconteceu, as memórias do passado, a percepção dos erros do juiz com Becky e a solidariedade das vizinhas mais velhas e mais novas, sempre implacáveis nos seus comentários. Contando tristes episódios com uma ironia e tanto, Eudora Welty sabe criar ambientes e personagens com extremo realismo e ser por vezes, através da língua afiada das mulheres, de uma maldade que lembra um pouco a nossa Agustina. Uma frase no meio do romance de que gostei, a respeito dos vivos que perdem quem amam (o caso de Laurel, que perdeu os pais e o marido): «A culpa por sobrevivermos àqueles que amamos é justo que a carreguemos; sobreviver-lhes é uma desconsideração que lhes fazemos.» A ler, em suma.

02
Jul14

A favorita

Maria do Rosário Pedreira

Existe uma livraria muito especial em Sines chamada A-das-Artes (se quiserem, podem acompanhar o que por lá se passa com facilidade, pois Joaquim Gonçalves, o seu proprietário, tem conta no Facebook e, além disso, alimenta um blogue oficial, no qual põe fotografias dos livros que vão chegando, mês a mês, e vai contando novidades e escrevendo críticas ao que vai lendo). Recentemente, a Ipsos Apeme, empresa líder em estudos de mercado, novas tendências e comportamento dos consumidores, resolveu lançar, com a ajuda da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, um desafio aos leitores para que votassem online na livraria portuguesa que, quanto a eles, tivesse o melhor atendimento. Pois bem, A-das-Artes foi a favorita! Bom sinal, claro, até porque é talvez a única resistente do litoral alentejano e uma das poucas a sul com um bom fundo (expressão que nada tem que ver com o que parece) à disposição na própria livraria, claro, mas também em várias bibliotecas e escolas onde Joaquim Gonçalves organiza actividades. Conheço muitos autores que já lá foram e se divertem sempre muito com o proprietário e os circunstantes, coisa que não me espanta nada. Parabéns, pois, para ele e a sua forma de atender quem gosta de livros.

 

P.S. Depois de publicado este post, avisam-me que a iniciativa é, efectivamente, da APEL. Perdoem-me a informação errada, por favor.

01
Jul14

O que ando a ler

Maria do Rosário Pedreira

Gosto de conversar com os meus autores sobre os livros de que gostam e que andam a ler (coisas muito diferentes entre eles, evidentemente) e, em parte, estes bate-papos também me servem para descobrir que estou em falta com muitas coisas. Na última Feira do Livro de Lisboa, ouvi, por exemplo, David Machado falar com um tremendo entusiasmo de um romance que ainda vende 250 000 exemplares todos os anos nos EUA e deve ser um dos livros mais lidos pelos jovens (não crianças, entenda-se) norte-americanos. Trata-se de À Espera no Centeio, de J. D. Salinger, que fui ler imediatamente – e um pouco culpada pelo atraso. É um excepcional relato feito pelo protagonista, Holden Caulfield, um adolescente de boas famílias que acaba de ser afastado do terceiro colégio caríssimo em que foi matriculado, por falta de interesse e más notas (na verdade, só passou a Inglês, pois adora livros e tem imenso jeito para escrever, tal como, de resto, o irmão mais velho, que trabalha como argumentista em Hollywood). Sem saber como aparecer em casa depois de receber aquela notícia, iremos acompanhá-lo entre esse sábado e a quarta-feira seguinte (o dia em que é suposto reunir-se à família, em vésperas do Natal) e assistir em directo ao seu périplo por Nova Iorque, a uma solidão que nos magoa, uma desadaptação que gostaríamos de o ajudar a resolver, um sem-número de encontros que não contam nada, mas lhe ocupam o vazio, muitos copos e idas a bares, muitas recordações de engates, de marmelada e do carinho por esse irmão que morreu com uma leucemia e cuja morte é também a razão da «perdição» do jovem narrador. A linguagem – muito apropriada à idade de Holden e, aposto, de dificílima tradução (a tradução, a propósito, é de José Lima) – deve ter feito furor na época e ainda hoje serve certamente para que muitos leitores de dezasseis anos se identifiquem com o narrador. Mas, tenha-se a idade que se tiver, é difícil não gostar deste rapaz que não sabe o que há-de fazer com a sua inteligência e a sua integridade e que é de uma sensibilidade irresistível. Não se atrasem, pois, como eu, para a leitura deste livro.

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