Vila Franca de Xira inaugurou uma moderníssima biblioteca municipal. E ainda há pessoas que passam uma vida inteira sem ter posto os pés numa biblioteca. No princípio deste século, trabalhei para uma empresa que tinha, na sua sede, um grupo de jornalistas recentemente licenciados, contratados para escreverem entradas de dicionários e enciclopédias sobre tudo e mais alguma coisa, mas que pesquisavam exclusivamente na Internet, não fazendo a mais pequena ideia do que era entrar numa biblioteca e requisitar um livro. Um dia, um dos responsáveis pela empresa pediu a um desses jovens que escrevesse um verbete de quinze linhas sobre João de Deus (o assunto era literatura); e então ela foi ao Google ou à Wikipédia e fê-lo em menos de nada (copy/paste, provavelmente); só que, quando se foi a ver, a figura do verbete era o S. João (o apóstolo preferido de Deus, estão a ver?)… Bem, como homenagem às bibliotecas públicas, junto hoje uma colecção de fotografias que revelam exemplos bem curiosos. Divirta-se a ver e, claro, vá à biblioteca.
Há já alguns anos que se realiza em Penafiel um encontro anual de homenagem a um escritor português consagrado. Estive lá em 2009, quando Saramago era a estrela e o prémio literário com o seu nome foi aí entregue a João Tordo pelo romance As Três Vidas, mas já por lá passaram Lobo Antunes ou Mário de Carvalho e desde o início deste mês que a escritora agraciada pela Escritaria de 2014 é Lídia Jorge. O programa inclui arte de rua (as montras enfeitadas com livros são belíssimas), peças de teatro, cinema, várias conferências e exposições, toda a espécie de acontecimentos através dos quais o público será levado «a descobrir, num qualquer local improvável, numa esquina, rua ou viela, algo que o remeta para o universo da escritora» (roubo as palavras aos organizadores do certame). Um dos pontos altos desta Escritaria será amanhã à noite, no Museu Municipal de Penafiel, quando o Padre Anselmo Borges apresentar o novo livro de Lídia Jorge, O Organista, uma novela que é dada à estampa já depois de ter saído o romance Os Memoráveis em Abril deste ano. Mas o que melhor ilustra a importância da autora eleita são as quase 20 individualidades ligadas à cultura que, neste contexto, se irão deslocar a Penafiel para participar no programa e dar o seu testemunho. Entre elas, descobrimos nomes como Eunice Muñoz, José Fanha ou Cucha Carvalheiro. Se estiver por perto, vá ver como é.
Em pleno centenário da Primeira Guerra Mundial, eis um romance português que recupera para a ficção uma história verdadeira, a dos bisavós da autora – ele português, ela francesa – que se conhecem e apaixonam durante um dos mais mortíferos conflitos de sempre, sobretudo para os Portugueses. Em Amor entre Guerras, de Sofia Ferros, Miguel é um jovem médico do Porto que parte para combater em França, como tantos dos seus amigos, e Alexandrine é uma rapariga invulgar, rebelde, admiradora da revolução russa e defensora dos direitos das mulheres. A paixão acontece num hospital improvisado, no qual um doente que sofre de febres palúdicas exige a presença do médico português, especialista em doenças tropicais, e onde Alexandrine passa as tardes com os doentes, consolando-os das feridas da guerra e ajudando um velho médico com falta de pessoal. Desse encontro nasce um casamento ardente, mas sempre ameaçado pela intervenção na política e pelo desejo de independência de Alexandrine, pouco comuns numa mulher da sua época e não muito bem vistos pelo marido criado no Norte com uma família tradicional. São por isso vários os momentos que ameaçam a ruptura desta relação, até que Miguel resolve aceitar um lugar em Moçambique, crendo que na distante Lourenço Marques Alexandrine deixará de lhe criar problemas. Mas não será exactamente assim. O lançamento da obra acontece hoje às 18h30 nas Caves Manuelinas do Museu Militar. Se quiser, apareça por lá.
Ler um calhamaço num virote é sempre bom sinal – e as páginas deste Os Interessantes, da norte-americana Meg Wolitzer, realmente voam. O romance é de grande lucidez e a autora tem um invejável sentido de observação (invejável é, de resto, a palavra certa, pois a inveja é aqui coisa tão central como o talento, umas vezes sobrevalorizado, outras desperdiçado). Esta é a história de um grupo de adolescentes que se conhecem num campo de férias em 1974: dois irmãos bonitos e ricos, um gordo genial, uma aspirante a bailarina, um rapazinho tristonho filho de uma cantora folk – todos a viverem em Manhattan – e uma outsider que rapidamente se torna insider, a Julie órfã de pai e suburbana que acaba o Verão como Jules, um nome menos vulgar e mais de acordo com a actriz de comédia que descobriu poder ser. O Vietname não foi assim há muito tempo, o caso Watergate levou à demissão de Nixon enquanto os jovens gozavam as suas férias criativas, mas ao longo da vida destes seis interessantes, cuja evolução acompanharemos com muito interesse, como manda o título, assistiremos igualmente a trinta anos de história americana, culminando com a crise dos mercados que o país ainda está a sofrer. O destino das personagens será bastante surpreendente (tendo em conta, sobretudo, o sucesso que imaginaram para si próprias nesse ano longínquo no campo de férias), com muita decepção e resignação à mistura, mas também com amizades que por vezes ameaçam até os casamentos (ou ajudam a salvá-los em momentos de grande fragilidade). Um romance realmente interessante, raro – sem nada a mais apesar das suas quase seiscentas páginas – que merece ser lido e cumpre tudo o que promete.