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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

29
Fev16

Recomenda-se

Maria do Rosário Pedreira

O diário espanhol El País tem uma ferramenta de sonho: Librotea, um recomendador de livros. Na verdade, é uma livreira digital – e é mulher porque as estatísticas dizem que as mulheres lêem mais e que as escritoras têm cada vez mais peso nas listas dos livros mais vendidos. Mas isso pouco importa para quem gosta de ler e, quando vai a casa de alguém, não consegue deixar de cheirar estantes alheias. Librotea permite conhecer as estantes de escritores, críticos, ensaístas e bloggers, gente da música, do cinema e das artes plásticas. Todos os leitores podem abrir um perfil na Librotea (librotea.com) de forma gratuita e criar as suas próprias estantes, seguir outros utlizadores, partilhar o que andam a ler nas redes sociais e até comprar os livros recomendados (através de ligações a livrarias virtuais) ou fazer crítica literária. A grande diferença entre este «recomendador» e outros do tipo (a Amazon também recomenda) é que, em vez de um complexo algoritmo, aqui os conselhos podem vir de especialistas ou outros utilizadores da rede com quem vamos sentindo afinidades; e, além disso, as categorias das estantes são muito mais amplas do que numa livraria online, pois podemos encontrar as listas de títulos que marcaram ou ensinaram a ler determinada pessoa que admiramos (Vargas Llosa está lá, por exemplo) ou uma estante de livros que atingiram o sucesso depois de adaptados ao cinema, juntando duas obras tão distintas como As Horas e O Padrinho. Para terminar, a Librotea permite ligações a entrevistas e artigos escritos no El País sobre as obras que pesquisamos. Uma espécie de boca-a-boca das novas tecnologias. Também quero disto em Portugal.

 

P.S. Se amanhã o blogue tiver um look diferente, não estranhem. São mudanças a favor de uma maior legibilidade em todos os tipos de dispositivos.

26
Fev16

Felicidade a norte

Maria do Rosário Pedreira

No ano passado, Índice Médio de Felicidade, de David Machado, foi um dos vencedores do Prémio da União Europeia para a Literatura. O romance, publicado em 2013, fala de uma família que enfrenta a terrível crise que assolou certos países da Europa (neste caso, Portugal), mas debruça-se sobretudo na esperança de um homem a quem acontece tudo, mas que nunca desiste de tentar ser feliz, até porque tem filhos e o futuro destes depende também da sua força. Estava na altura de comemorarmos o feliz galardão e decidimos fazê-lo a norte desta vez, já que, na altura em que o livro foi publicado, as apresentações decorreram todas na capital. Teremos, de resto, convidados de luxo que nos vão ajudar a aumentar o nosso índice médio de felicidade: a jornalista Teresa Sampaio e o escritor Valter Hugo Mãe – além, claro, do autor. A conversa promete e espero que possam fazer-nos companhia na Invicta amanhã à noite. O convite aí fica, para se orientarem.

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25
Fev16

Como escrever

Maria do Rosário Pedreira

O meu irmão, que foi em tempos professor numa universidade americana (a Brown, em Providence) falou-me de bibliotecas abertas toda a noite e de estudantes extremamente aplicados, que nem ao fim-de-semana saíam, de tal forma era exigente o currículo e caras as propinas (não havia ninguém que pusesse sequer a hipótese de chumbar porque os pais se endividavam muitas vezes para os filhos frequentarem aquela e outras universidades). Há pouco tempo, pus os olhos num artigo sobre os livros que os estudantes das universidades de topo dos EUA – o MIT, Yale, Princeton, Harvard, Columbia, etc. – tinham de ler; e muitas das obras não constituíram grande surpresa: a República, de Platão, O Contrato Social, de Rousseau, a Odisseia, a Democracia na América, de Tocqueville, O Príncipe, de Maquiavel, além de Hobbes, Aristóteles, Thomas Kuhn, Samuel Huntington ou mesmo o mais recente Nobel da Economia Joseph Stieglitz. Mas em quase todas as listas aparecia um autor que, para dizer a verdade, não me dizia mesmo nada, um senhor chamado William Strunk, conhecem? Fui ver então por que diabo era aconselhado de leste a oeste, chegando à conclusão de que o seu livro The Elements of Style é na verdade uma pequena bíblia de estilo, considerada desde 1923 pela revista Time uma das cem obras mais influentes em língua inglesa; escrito originalmente em 1920 (mas actualizado posteriormente por E. B. White), compreende regras fundamentais para a composição de um texto, incluindo um rol de palavras e expressões que as pessoas costumam usar de forma errada e outro de palavras que a maioria escreve com erros. Embora já não esteja em idade de redigir trabalhos universitários, hei-de espreitá-lo para ver se ele pode ajudar alguns escritores mais jovens a fazer melhor.

24
Fev16

Correntes d'Escritas

Maria do Rosário Pedreira

É hoje, é hoje! Sim, é hoje que começam aqueles dias mágicos que todos os anos nos permitem respirar das indisposições com o País e o mundo, ou seja, as Correntes d’Escritas. São mais de 75 escritores convidados de 11 países falantes de português e espanhol – com muitos repetentes, claro (desde logo, Luís Sepúlveda, Manuel Rui e Inês Pedrosa que, tanto quanto me consigo lembrar, estiveram na primeira edição do encontro, sendo por isso pioneiros), mas também alguns estreantes, como o jornalista João Miguel Tavares, o escritor de viagens Tiago Salazar, a poetisa Matilde Campilho e o romancista espanhol Andrés Barba, de quem referi há bastante tempo aqui no blogue um livrinho notável intitulado As Mãos Pequenas. A sessão inaugural estará desta feita a cargo de José Tolentino Mendonça e seguir-se-ão até sábado doze mesas com os vários participantes, a última das quais já em Lisboa, no Instituto Cervantes. Mas, além dos escritores, temos filmes, exposições, projecção de fotografias dos anteriores encontros pela mão do genial Daniel Mordzinski, visitas a escolas e até momentos de grande humor, pois os membros do Governo Sombra são todos convidados destas Correntes. E, evidentemente, saberemos por volta do meio-dia de hoje quem é o vencedor do Prémio Literário promovido com o apoio do Casino da Póvoa. Razões mais do que suficientes para eu estar bastante entretida durante uns dias…

23
Fev16

Boccanegra

Maria do Rosário Pedreira

Santiago Boccanegra, neto de marinheiros, sobreviveu à poliomielite lendo Moby Dick e vingou-se dos duros que o perseguiam na escola fazendo-se boxeur. Trabalha agora como segurança de um hotel de Lisboa, onde Laura Rutledge, única sobrevivente de um desastre aéreo, se perde como prostituta de luxo. Depois da tragédia que lhe é infligida nas Montanhas Malditas, o misterioso albanês Aamon Daro cultiva papoilas na Birmânia e, com o lucro do ópio, colecciona obras de arte, que gosta de encenar ao vivo. Jin, uma tímida adolescente norte-coreana, apaixona-se graças a uma canção dos Beatles e é obrigada a fugir para o Ocidente. Num caderno enterrado com a musa do poeta Dante Gabriel Rossetti aparece um soneto posterior ao óbito – e talvez seja de Pessoa. Um rapazinho com um tumor cerebral compõe música nos lençóis do hospital sem nunca a ter aprendido. Saint-Exupéry, desaparecido no deserto líbio após a queda do seu avião, encontra, além da raposa que o ignora, uma criança de uma tribo que se julgava extinta. Estas e muitas outras personagens reais e ficcionais formam uma enigmática teia em que os fios soltos acabam por unir-se num final surpreendente, a que não faltarão aves, música, morte e redenção. Finalista do Prémio LeYa em 2014, Os Dez Livros de Santiago Boccanegra é um romance fascinante e profundamente inovador que se lê como quem assiste a um filme, incluindo a banda sonora. Não o percam.

 

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22
Fev16

Amigos dos livros

Maria do Rosário Pedreira

Li num jornal de Barcelona uma notícia muito bonita, até porque em Portugal já não é fácil encontrar livrarias em que os clientes consigam estabelecer com os livreiros relações de grande proximidade (há-as, evidentemente, mas sobretudo longe dos grandes centros). Xavier Vidal, o proprietário da livraria Nollegiu, aberta há pouco mais de dois anos em Barcelona, conseguiu num domingo de manhã uma verdadeira proeza, quase uma utopia: a de juntar mais de uma centena de clientes que, por amor aos livros, o ajudaram a fazer a mudança para outro local. Não em carros, nem sequer transportando caixotes; mas colocando-se ao longo do caminho que une as duas lojas, a antiga e a nova, numa autêntica cadeia humana, cada um passando ao companheiro do lado o conteúdo inteirinho da livraria! Xavier Vidal reconhece que tem clientes excepcionais, uma vez que até crianças acorreram a ajudar, sem medo do peso de alguns volumes; mas estes clientes consideram que Xavier merece isto e muito mais, porque soube fazer da sua pequena loja um espaço onde os leitores se sentem em casa. De tal forma o estabelecimento soube atrair os vizinhos desde que se instalou que, em pouco mais de dois anos, se tornou demasiado pequeno para tantos interessados e foi preciso avançar cem metros na rua para que ocupasse uma loja maior e pudesse servir melhor a clientela. Um dos transportadores disse à jornalista do El Periódico que não basta aos leitores queixarem-se de que as livrarias estão todas a fechar, é preciso pôr mãos à obra de todas as maneiras e feitios para evitar que isso aconteça. Bem, a imagem diz tudo.

parte-cadena-humana-que-traslado-los-libros-nolleg

 

19
Fev16

Brasil-Alemanha

Maria do Rosário Pedreira

Não, não se trata de um jogo de futebol mas, se o fosse, seria certamente um combate renhido; é coisa mais suave, cordata e amigável, embora seja um negócio, como quase tudo nestes nossos tempos. A senhora Merkel tem interesse em que a literatura alemã seja mais difundida em língua portuguesa – e está no seu direito, claro, até porque pode pagar para isso. E desta feita paga viagens a sete editores brasileiros independentes, alguns dos quais já publicaram traduções de obras alemãs, clássicas e contemporâneas, para visitarem no seu país uma caterva de editores, que lhes vão apresentar a sua produção de autores nacionais. Além disso, os brasileiros contactarão uma agência literária e também o Museu da Tipografia, já que o papel, pelos vistos, ainda há-de fazer muitos livrinhos no futuro, alemães e não só. Os editores do Brasil parecem entusiasmados com o périplo que lhes é oferecido entre 20 e 27 deste mês de Fevereiro, dizendo que é sempre bom conhecer confrades com programas editoriais semelhantes; e que, claro, vão aproveitar, assim como quem não quer a coisa, para apresentar também os autores brasileiros que publicam, esperando que a troca funcione. O pior será se a Alemanha se esquecer de que aqui neste cantinho da Europa também falamos português e vender os direitos mundiais para a língua portuguesa dos escritores alemães aos editores visitantes, privando-nos de uma tradução portuguesa feita chez nous. Mas, uma vez que a senhora Merkel não parece gostar muito de António Costa, é melhor não lhe dar ideias...

18
Fev16

Ler com os dedos

Maria do Rosário Pedreira

A Madalena, meu braço-direito na editora, nunca se cansa de aprender – é mesmo uma das suas maiores qualidades – e, depois de mestrados, pós-graduações, cursos livres e sei lá que mais, está neste momento no primeiro ano do seu doutoramento. A temática, confesso-vos, é pouco convencional – Materialidades da Literatura – e tive alguma dificuldade em entendê-la inteiramente; o que vale é que, de vez em quando, encontro coisas escritas por aí que ajudam a diminuir essa estranheza: uma delas foi a notícia de uma série de livros publicados para crianças cegas ou com problemas graves de visão (numa editora francesa chamada Les doigts qui rêvent) que estão longe de se parecer com páginas em braille – e aqui, sim, podemos falar à vontadinha de materialidade; se os meninos não vêem mas tocam e sentem, cheiram e ouvem, a ideia é contar-lhes as histórias com obras mais tácteis, com volume, formas, tecidos e papéis variados, com guizos e outros adornos barulhentos, que de alguma maneira se tornem eloquentes, ajudando-os a criar imagens a partir do toque, do perfume, do ruído; outros trazem inclusivamente um CD com a gravação da história e reproduzem as texturas da natureza para aproximar as crianças dos meios em que vivem as personagens. No mesmo artigo, descubro outra maravilha para crianças invisuais, O Livro Negro das Cores, com uma história que permite a crianças que não vêem descobrir as cores através de descrições que mostram que estas também se podem tocar, cheirar e sentir. O texto é impresso simultaneamente em braille e em caracteres convencionais (mas as crianças que vêem podem lê-lo de olhos fechados!) e as ilustrações são em relevo mas – coisa curiosa – apenas a preto e branco. Vejam o link que vos deixo. Boas materialidades para a literatura!

 

 

17
Fev16

Mudam-se os tempos

Maria do Rosário Pedreira

A notícia de que José Rodrigues dos Santos era considerado pela maioria dos portugueses (a amostra de pessoas que responderam ao inquérito foi de 28 000) o melhor escritor nacional deixou obviamente muitos amantes da Literatura escandalizados (talvez se tivessem já esquecido de que há uns anos, num inquérito promovido pela televisão, Salazar fora considerado a figura portuguesa mais importante de sempre). Uns dias depois, li um pequeno artigo sobre recordes, que incluía os livros de ficção mais vendidos desde a publicação, e concluí que, de facto, os tempos mudaram e, com eles, também as vontades (desculpem roubar a expressão a Camões, mas não estou ainda preparada para citar Rodrigues dos Santos). Parece que até há pouco tempo a obra ficcional que tinha chegado a um maior número de leitores era A Tale of Two Cities, de Charles Dickens, que vendera mais de 200 milhões de exemplares em todo o mundo (suponho que a escola de língua inglesa a tivesse integrado nos programas de ensino); e parecia estar de pedra e cal até que a saga de Harry Potter lhe tomou o lugar, vendendo mais de 450 milhões no conjunto dos sete volumes. O problema não está, mesmo assim, em comparar Dickens e J. K. Rawling, mas em saber que o livro do primeiro será também provavelmente destronado muito em breve pelas Cinquenta Sombras de Grey, que já passou a barreira dos 100 milhões e saiu há menos de meia dúzia de anos. Outra razão para quem gosta de livros ficar escandalizado.

16
Fev16

Rio novo

Maria do Rosário Pedreira

Está à venda há uns dias um romance que foi finalista da última edição do Prémio LeYa e, apesar de moderno, não deixa de se inscrever numa linhagem literária que inclui autores como Camilo, Agustina ou Mário Cláudio, o que é, aliás, muito curioso, dada a idade da autora. Nuno Júdice diz da prosa deste Rio do Esquecimento, de Isabel Rio Novo, que cada página é «um prodígio de invenção e inovação» e eu faço vénia ao poeta e membro do júri. Sobre o enredo, avançaria, muito resumidamente: No Inverno de 1864, Miguel Augusto regressa do Brasil, onde enriqueceu, e instala-se no Porto com a intenção de perfilhar Teresa Baldaia, torná-la sua herdeira e arranjar-lhe um marido. No mesmo ano, Nicolau Sommersen pensa em fazer um bom casamento, não só para recuperar o património familiar que o tempo foi esfarelando, mas sobretudo para fugir à paixão que sente por Maria Adelaide Clarange, senhora casada e mãe de três filhos. Parece simples? Pois não será. Subvertendo as estratégias da narrativa histórica, com saltos cronológicos que deixam o leitor em suspenso mesmo até ao final, Rio do Esquecimento descreve com saboroso detalhe a sociedade portuense de Oitocentos e fala da morte de uma maneira muito especial. A ler sem moderação.

 

P.S. Para quem esteja pelo Porto, o lançamento deste romance, com apresentação de Mário Cláudio, realiza-se no próximo dia 23, as 18h30, na FNAC de Santa Catarina.

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