Há dois anos tive uma doença nos ombros com um nome estúpido (capsulite adesiva bilateral – espero que nunca vos aconteça) e passei mais de um ano e meio a fazer fisioterapia três vezes por semana às minhas custas (o seguro não pagava, que fazer?); mas, depois dos penosos primeiros meses, percebi a importância de ter uma boa fisioterapeuta. Talvez os bons terapeutas sejam, aliás, fundamentais em todas as áreas – e os livros quiçá não são excepção. Lembram-se de vos falar aqui da Sandra Nobre, que depois de a vida lhe ter pregado um susto valente foi fotografar gente a ler em todo o mundo? Pois bem, ela está de volta com um serviço original, a biblioterapia, segundo ela «um método facilitador do desenvolvimento pessoal e da resolução de problemas através dos livros, que tem como objectivo primordial a mudança para melhor». Os seus serviços incluem variadas acções destinadas quer a empresas, quer a indivíduos, entre as quais, por exemplo, a leitura ao domicílio (ou nos hospitais), o aconselhamento de bibliografia para se tornar um melhor leitor, a indicação de livros às instituições sobre determinado tema específico que queiram recomendar aos seus funcionários. A lista é vasta e a experiência da terapeuta também, que trabalhou mais de dez anos como livreira e conhece certamente os desejos e limitações do público; mas, para que possam ficar com uma ideia mais concreta, deixo abaixo o link. Se precisarem de ajuda, já sabem.
Apanho uma boa citação no blogue da revista LER e trago-a para aqui: «A crítica? Ela é sobretudo mal fundamentada e mal escrita. É pegar ou largar. Louvores, grandes frases na capa do livro? Irrelevante. Na verdade eu não entendo muitos dos comentários sobre os meus livros. Os meus amigos não costumam lê-los. Devem achá-los deprimentes. Não me importo. Eu acho que a maioria dos escritores são monomaníacos; o remédio é ir em frente. Continuar.» A frase pertence à romancista Anita Brookner, falecida em Março deste ano, e é da última entrevista que deu. Concordando ou não, fez-me lembrar uma resposta de João Ricardo Pedro, o autor de romances como O Teu Rosto Será o Último e Um Postal de Detroit quando há duas semanas fomos a Leiria e uma espectadora lhe perguntou o que sentia quando lia as críticas aos seus livros. O escritor disse que lhe afagavam o ego quando eram boas, claro, mas que quando escrevia não era nos críticos que pensava, mas nos mestres, os Calvinos, os Borges, os Roths e muitos mais. Olhava para cima, como ele disse, a saber que tinha de ser humilde, por um lado, mas, por outro, de fazer dessa gente – e não dos críticos – a sua bitola…
O jornal The Guardian tem sempre artigos interessantes sobre literatura, e o último que li é surpreendente. Não sei se têm ideia, mas é geralmente muito difícil a um autor de outra língua (especialmente a um autor não consagrado) conseguir uma tradução em inglês – e isto acontece porque os escritores anglófonos nos cinco continentes são mesmo muitos e, portanto, o espaço nas editoras do Reino Unido para as traduções acaba por ser realmente diminuto (as traduções de literatura são apenas 3,5% de todos os livros de ficção publicados). Mas as notícias deste artigo vão contra a regra: diz Alison Flood que, afinal, a ficção estrangeira traduzida em inglês parece atrair muitos leitores britânicos, segundo um estudo encomendado recentemente pelo Man Booker International Prize; e que autores como Elena Ferrante, Knausgaard ou Murakami conseguiram de facto um autêntico boom nas vendas de livros de ficção literária no Reino Unido, depois de serem finalistas daquele prémio prestigiante. Claro que a percentagem nas vendas totais de ficção é ainda escassa (a ficção comercial é a que atinge números mais elevados), mas a verdade é que o valor duplicou em dez anos e que, ao contrário do que aconteceu com os romances escritos originalmente em inglês, cujas vendas caíram, os romances traduzidos têm estado em franca ascensão, até porque o público para eles tem crescido muito desde 2001, estimulando os editores ingleses para que publiquem mais ficção traduzida. Veremos se assim os portugueses conseguem penetrar finalmente neste mercado…
Comecei a frequentar a Feira do Livro de Lisboa ainda ela tinha lugar nos passeios centrais da Avenida da Liberdade; e, desde que trabalho na edição, ou seja, desde 1987, não falhei um ano de feira. Primeiro, porque trabalhei dentro da barraquinha a vender livros (era um bom complemento de ordenado na altura, asseguro-vos) e aprendi, aliás, muito sobre os leitores e os seus vícios com essa experiência. Depois, porque passei a ter muitos autores portugueses no catálogo e, por isso, a acompanhá-los nas sessões de autógrafos. Ora, começa amanhã mais uma «Via-Sacra» (eu gosto, mas são três fins de semana e três feriados a trabalhar), que é – ao mesmo tempo – a 86ª Feira do Livro de Lisboa, aberta até dia 13 de Junho. A programação é variada, com actividades dirigidas às crianças, música, debates, lançamentos e muito mais, mas o que interessa mesmo é que, no Parque Eduardo VII, estarão pavilhões de quase todas as editoras portuguesas (mesmo as pequenas estarão representadas num stand colectivo, como é costume) e, como tal, vai ser possível meter o nariz em tudo o que é livro e, como sempre, comprar com desconto. Ideal, diria eu, para os Extraordinários. Vamos lá?
Errata: Ontem, publiquei aqui um post a anunciar uma novidade, mas afinal tinha caruncho, ou seja, baseava-se numa notícia de 2010; pior do que isso, a informação não estava correcta, como me fizeram saber várias pessoas em comentário. O apoio para a digitalização da biblioteca de Pessoa foi conseguido por Inês Pedrosa, quando era directora da Casa Fernando Pessoa, e não por quem mencionei. Peço-lhe, pois, desculpa, e também, claro, aos leitores deste blogue. A minha fonte foi, ao contrário do que me lembrava (mas confirmei ao chegar a casa), um post deste ano de um blogue brasileiro chamado Colunas Tortas; mencionava de facto 2010 (eu estava desatenta, confesso), mas, ao anunciar a digitalização da biblioteca online, dizia: "Esta iniciativa reuniu uma equipa de investigadores, incluindo Jerónimo Pizarro, e o apoio da Fundação Vodafone Portugal que possibilitaram a digitalização integral e publicação online da biblioteca." Em suma, passe o paradoxo, não nos podemos fiar em blogues...
Fernando Pessoa, como todos sabem, tinha (como qualquer leitor regular) uma boa biblioteca – ao que parece, com mais de 1100 volumes que, até há algum tempo, só podiam ser consultados na Casa Fernando Pessoa (onde, de resto, se encontram fisicamente). Porém, uma equipa de investigadores – incluindo o especialista colombiano Jerónimo Pizarro, que tem feito muito pela obra pessoana em Portugal e no estrangeiro – conseguiram o apoio da Fundação Vodafone Portugal para a digitalização integral da biblioteca do poeta e a sua publicação online, com o objectivo de que todos os interessados, estejam onde estiverem, tenham acesso a estes mil e tal livros. Claro que a maior parte deles já estariam disponíveis em livrarias virtuais, mas a novidade é a intervenção de Pessoa nas suas páginas, ou seja, as anotações, os comentários, desenhos, horóscopos e até rascunhos de textos poéticos (impossíveis de encontrar nos volumes à venda). A pesquisa pode ser feita por ano, ordem alfabética ou categoria temática; e a consulta pode realizar-se no ecrã, página a página, ou após o download da obra completa. O acervo pode ser visto aqui:
P.S. Este post inclui informação parcialmente incorrecta. Porém, como sei que há muitos leitores que só vêm a este blogue de manhã, coloquei uma errata no post do dia seguinte. Até amanhã e desculpem!
Continuo a não achar que seja completamente viciante, mas, já agora, interessa-me saber como é que acaba A Amiga Genial… E ainda só li três volumes (são quatro e o último é gordo que se farta). Neste História de Quem Vai e de Quem Fica, as duas amigas – Lenù, a narradora, e Lila, o cérebro – são agora mulheres de quase trinta anos. A primeira, depois da publicação de um livro de grande sucesso, vai viver para Florença, casa-se com um menino-bem intelectual e tem duas filhas; a sua vida torna-se uma pasmaceira que a deixa bastante melancólica (ser dona de casa e mãe não é o seu forte, mas está sem inspiração para um novo livro). A segunda vive num bairro miserável de Nápoles com um amigo de infância (nada de sexo, são como irmãos), trabalha numa fábrica de enchidos e envolve-se em movimentos políticos perigosos (ouvindo falar no assassínio do patrão de Lila, Lenù equaciona a hipótese de ter sido a amiga a sua autora). A vida de ambas parece ter de certa forma congelado, mas de repente dá uma nova reviravolta: Lenù encontra a sua antiga paixão (o rapaz que no segundo volume gostava de Lila), e Lila regressa ao seu bairro para se tornar uma das primeiras informáticas das empresas dos mafiosos irmãos Solara, que ela odiava… Que mais lhes irá acontecer? Veremos no quarto volume, claro.
Gostamos de dizer que em Portugal se deixa tudo para a última da hora; mas, tanto quanto leio numa notícia do Público citando o diário espanhol El País, pelos vistos é um hábito ibérico: o espólio do poeta e dramaturgo Federico García Lorca (1898-1936) teve de ser classificado a mata-cavalos para não sair de Espanha… Era suposto a Fundação que o alberga (quase 20 000 documentos, entre manuscritos, partituras assinadas, cartas, desenhos originais, e ainda mais de uma centena de livros da biblioteca pessoal de Lorca, com dedicatórias dos autores) construir um centro García Lorca em Granada, mas a data prevista para a inauguração teve de ser cancelada por causa de dívidas pesadas à construtora quer da própria fundação quer do poder local… Chegou a estar na mesa a possibilidade de o espólio ser vendido em parcelas a estrangeiros para a Fundação recuperar capital, mas a Secretaria de Estado da Cultura espanhola não teve remédio senão chegar-se à frente e resolver esta situação que considerou «drástica». Lorca foi uma das figuras mais importantes do início do século XX espanhol, amigo, por exemplo, de Dalí, de quem possuía quadros, ou do cineasta Buñuel. Parece que, para já, se remediou o pior.
Não, não estou a falar de propriedades com muitos hectares, mas das Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre, no Porto. Estou a ouvir aí umas reclamações sussurradas do tipo: «Outra vez?!» Pois bem, para começar nunca é demais falar de um espectáculo que é um sonho de bem organizado e bem arquitectado, dando oportunidades a muitos artistas de várias áreas para mostrarem o seu trabalho: companhias de teatro e circo, músicos, pintores, fotógrafos, transformistas, bailarinos e muito mais. Mas não é apenas por isso que repito o tema, é que hoje é a vez de o Manel se estrear com a sua poesia nas Quintas de Leitura (e eu estou mortinha por assistir) no espectáculo «O Canto do Desencanto». A imagem desta feita estará a cargo de Mariana Baldaia (de quem, aliás, temos na sala um desenho lindo); a conversa decorrerá certamente sem rede, já que será conduzida pelo Francisco José Viegas, que o Manel conhece desde a criação da ASA como editora de literatura, portanto há mesmo muito tempo. Dizem os poemas, além do poeta, Diogo Dória e Paula Ventura, grandes vozes. Liliana Garcia, bailarina, voará (bem, mais ou menos) e o grupo vocal feminino Sopa da Pedra fechará a sessão. Só não digo para aparecerem porque já está esgotado. Até amanhã!
As pessoas têm hoje, regra geral, uma maior longevidade do que quando nasci (uma das minhas avós morreu, por exemplo, antes dos 70 anos, o que neste século seria cedíssimo). Verifico regularmente nos jornais as mortes de pessoas conhecidas perto ou depois dos 90 anos. É bom quando os mais velhos conservam a saúde e a lucidez, mas, claro, isso nem sempre acontece, e muitos dos velhinhos voltam a ser uma espécie de crianças de quem é preciso tomar conta. Mas o pior de tudo é quando – lúcidos ou não – ficam adormecidos, sem acção, sem ninguém que os espevite. A Marina Palácio, de quem já aqui falei a propósito de oficinas para crianças – de tudo e mais alguma coisa, ela é verdadeiramente versátil – foi, porém, desafiada por uma biblioteca em Vila Velha de Ródão aonde ia fazer uma sessão para crianças de manhã a adaptá-la à tarde para os idosos. Ao que parece, o tema era «o lobo», mas deu para tudo: conversa, histórias, filmes, leituras de poesia e até desenhos. Apesar das limitações de muitos, Marina ficou encantada pelo prazer que tiveram a pintar e isso fê-la pensar muito nas pessoas desta idade (até aposto que se vai lembrar de muitas oficinas para eles também). Deixo-vos umas fotografias e peço-vos que dêem sempre atenção aos vossos mais velhos. Obrigada, Marina, pela partilha da experiência.
Já não encontro nos jornais tão frequentemente como noutros tempos aquelas pessoas que escrevem bem e nos arrastam da primeira à última linha dos seus textos sem qualquer dificuldade e com todo o prazer. Mas não costumo falhar as crónicas de João Taborda da Gama no Diário de Notícias, sobretudo se os temas me interessarem. Uma das últimas que li dizia respeito, entre outras coisas, a impostos sobre gorjetas – e a verdade é que me senti «gratificada» pela leitura, tendo aprendido muita coisa. Descobri, por exemplo, que a nossa palavra «gorjeta» vem efectivamente de «gorge» (garganta em francês); e faz, aliás, todo o sentido que assim seja, uma vez que «gratificação» em francês se diz justamente «pourboire» (para beber, à letra), ou seja, dava-se um dinheirinho a alguém que nos fizera um serviço para ir molhar a garganta (a «gorgette» será algo como um golinho; e até seria giro dizermos: «Obrigada. Tome lá para um golinho.»). O cronista presume que esta forma de retribuição é um pouco estranha (talvez porque hoje pensemos que, ao dar uma gorjeta, estamos no fundo a dizer «vá tomar uma cervejinha», a alimentar o alcoolismo), mas depois conclui que, muito provavelmente, essa palavra remonta a um tempo em que alguém tinha de fazer por vezes um longo percurso para cumprir o serviço (imaginem: ir entregar uma encomenda a pé) e, por isso, merecia um copinho de água. Um dia destes vou pôr-me a investigar donde vem «tip», a gorjeta inglesa…