No post de hoje não há quase nada que seja meu; tal como fazemos tantas vezes nas redes sociais, limito-me a partilhar uma jóia que encontrei, por sua vez, partilhada por Rui Vieira Nery na sua página do Facebook e trazida do mural da escritora Luísa Costa Gomes (é a ela que todos temos de agradecer, no fundo). Desconheço se LCG andará a investigar para um romance, se encontrou as frases por acaso, mas são tão cómicas e desconcertantes que não resisto a dividi-las com os Extraordinários, até porque os considero uma espécie de «paroquianos» deste blogue – e é de avisos aos paroquianos que se trata, verdadeiros e… escritos de forma precipitada, diria eu. Ora leiam lá e divirtam-se:
Para todos os que têm filhos e não sabem, temos na paróquia uma área especial para crianças.
O torneio de basquete das paróquias vai continuar com o jogo da próxima quarta-feira. Venham nos aplaudir, vamos tentar derrotar o Cristo Rei!
Na sexta-feira às sete, os meninos do Oratório farão uma representação da obra Hamlet, de Shakespeare, no salão da igreja. Toda a comunidade está convidada para tomar parte nesta tragédia.
Prezadas senhoras, não esqueçam a próxima venda para beneficência. É uma boa ocasião para se livrarem das coisas inúteis que há na sua casa. Tragam seus maridos!
Assunto da catequese de hoje: Jesus caminha sobre as águas. Assunto da catequese de amanhã: Em busca de Jesus.
O coro dos maiores de sessenta anos vai ser suspenso durante o verão, com o agradecimento de toda a paróquia.
O mês de novembro finalizará com uma missa cantada por todos os defuntos da paróquia.
O preço do curso sobre Oração e Jejum não inclui as refeições.
Por favor, coloquem suas esmolas no envelope, junto com os defuntos que desejem que sejam lembrados.
Delicioso, não? Quando começou a moda dos piercings, um amigo contou-me que leu o seguinte aviso numa farmácia: «Só se furam menores com o consentimento dos pais.» E esta, hein?
Já aqui falei de Uma Parte Errada de Mim, um impressionante testemunho assinado por Paulo M. Morais, pensado e iniciado durante a quimioterapia que teve de fazer depois da descoberta de um linfoma, num ano em que já tinha havido demasiadas partes erradas. É uma leitura absolutamente electrizante, que não conseguimos largar; mas, ao contrário do que se possa pensar, não tem nada de negativo, nem sequer nas partes mais angustiantes, ajudando, aliás, a perceber o valor de sentimentos tão importantes como a amizade, a generosidade e a solidariedade (desculpem as rimas). Ao longo do tratamento do linfoma, a leitura foi de extrema importância para Paulo M. Morais, que recebeu vários livros de oferta, muitos de amigos que o liam no Facebook, alguns dos quais escritores como ele. Um desses escritores foi o americano radicado há anos em Portugal Richard Zimler que, além desse gesto bonito, provou ser uma pessoa realmente especial ao aceitar apresentar hoje Uma Parte Errada de Mim, sabendo nós que para um estrangeiro, mesmo a viver em Portugal, o português é uma língua muito complicada. Tenho, porém, a certeza de que ele se sairá magnificamente e que ficaremos todos a ganhar. Se quiser fazer-nos companhia e ouvir mais este testemunho, está convidado. Senão, leia o livro.
Uma das coisas que mais aprecio nas crianças é a sua lógica – e colecciono histórias de meninos que surpreendem os adultos com as suas tiradas, como aquela de um rapazinho que viu um dia um enorme bloco de pedra no estúdio de Miguel Ângelo e que, uns tempos mais tarde, quando por lá passou, viu a parte de cima de um cavalo surgindo dela e perguntou ao mestre: «Mas como é que sabias que havia um cavalo dentro dessa pedra?» Desculpem se já vos tinha contado isto, mas de qualquer maneira não contei certamente outras duas histórias, igualmente deliciosas, que partilharam comigo recentemente. Uma professora da escola primária perguntou a um rapazinho de seis anos a idade do pai; e este respondeu que o pai tinha seis anos. Ora, a professora fez-lhe notar que só podia estar enganado, que isso seria completamente impossível, mas a criança não se deixou abater e explicou imediatamente o seu ponto de vista: antes de ele ter nascido, o pai ainda não era pai, portanto, se ele tinha seis anos… A mesma professora queixou-se de que dois alunos gémeos tinham copiado a redacção um pelo outro, pois eram iguaizinhas. O tema era «O Meu Cão»… E um dos gémeos esclareceu: «Pois se o cão é o mesmo…» Deve ter sido o que copiou, digo eu.
Há ainda muitos livros impressos nas nossas estantes que são de um tempo anterior aos computadores e à paginação electrónica. Foram publicados no tempo dos caracteres de chumbo ou dos fotolitos e, por isso, não há ficheiros digitais nos quais estejam guardados. De vez em quando, alguém se lembra de que seria bom pô-los outra vez a circular no mercado e, quando isso acontece, dá muito jeito que alguém que tenha o livro em casa o empreste para ser digitalizado. Para dizer a verdade, fujo de o fazer; porque normalmente é preciso desfazer o livro, separá-lo da capa e digitalizar uma página de cada vez. Quando mo devolvem, é raro estar nas melhores condições… Mas parece que esse problema vai ser em breve resolvido: uma equipa de investigadores do MIT está a desenvolver uma tecnologia avançada que permitirá digitalizar livros inteiros – pasme-se! – sem ter de os abrir. Esquisito, não? Também me pareceu, mas leio que é possível com o recurso a radiação tetrahertz, que é absorvida pelo papel e pela tinta de uma forma especial. Não pesco nada da matéria (por isso vos deixo um vídeo, em inglês, que podem ver e ouvir), mas, se isto for para a frente, tenho a certeza de que muitíssimas bibliotecas do mundo ficarão gratas a estes investigadores.
O meu primeiro editor (sem contar com uma ninharia que assinei com pseudónimo e que, na altura, me permitiu comprar um frigorífico novo) foi Fernando Guedes, o senhor que mandava na Verbo e que, infelizmente, morreu há menos de um mês. Era um homem sábio, culto e divertido que, não tendo nunca abdicado das suas posições, tinha uma inteligência e uma abertura admiradas até pelos seus adversários. Foi na Verbo que publiquei os meus livros juvenis, o primeiro dos quais, escrito a meias com Maria Teresa Maia Gonzalez, ganhou o Prémio Verbo/Semanário. Quando fomos assinar o contrato, eu achei as condições bastante mazinhas (tendo em conta que era um contrato para uma colecção e que o primeiro livro dessa colecção recebera um prémio) e disse, quiçá um pouco desabridamente, que, para receber aquilo, talvez fosse melhor vender croquetes… Fernando Guedes – que, mesmo não me conhecendo bem, deve ter intuído logo ali a minha falta de jeito para a cozinha – perguntou imediatamente se eu por acaso sabia fazer croquetes… Na reunião seguinte, levámos-lhe então uma caixa de croquetes magníficos (feitos, claro, pela empregada da minha mãe) para ele provar. E ele provou mesmo, dizendo que a nossa atitude demonstrava que tínhamos sentido de humor e que isso só podia ser bom para a colecção que nos encomendava. Resultado, acabou por concordar com a nossa proposta de contrato. Esse foi só o primeiro contacto com um verdadeiro senhor, com quem iria publicar duas colecções de livros ao longo de muitos anos. Fernando Guedes foi poeta, ensaísta, editor e muito mais. Vai fazer falta, tenho a certeza, a quantos tiveram a sorte de o conhecer.
Uma aldeia portuguesa situada a mais de mil metros de altitude tem apenas cerca de 150 habitantes, dos quais 15 ou 20 são crianças e adolescentes. Mas não é por isso que não merece uma pequena biblioteca (foi, pelo menos, o que o dramaturgo Abel Neves, com casa no local, achou) e há quem esteja a lutar por ela com unhas e dentes. Em Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre, a Junta de Freguesia quer pôr a sua gente a ler e até já tem algumas prateleiras cheias de livros que vieram de muitos lados, Brasil incluído, provando que os leitores são sempre generosos. A iniciativa Um Livro para Pitões foi lançada por Rui Barbosa, um bracarense apaixonado pelo Parque Natural da Peneda-Gerês, e tem uma página no Facebook (ver no fim da mensagem) que apela à doação. O objectivo é que se consigam 1000 livros até ao Natal para formar uma biblioteca que faz falta num lugar que é um pólo cultural muito interessante, no qual se realizam já as Jornadas das Letras Galego-Portuguesas, o Fiadeiro dos Contos e ainda a celebração do Entrudo, que leva milhares de forasteiros a Pitões. Os livros podem ser enviados pelo correio ou entregues em mão (o pretexto é, de resto, óptimo para visitar esta terra linda). De que está à espera com tanto livro lá em casa em que já não voltará a pegar?
Aqui há umas semanas, o director do Festival Literário de Ovar, Carlos Granja, dizia que os festivais deste tipo nunca eram demais; e, apesar de às vezes sentir que alguns autores não fazem senão andar de um lado para o outro a falar dos seus livros, em vez de escrever, a verdade é que todas as cidades merecem assistir a debates e conversas sobre literatura. Hoje é, de resto, a vez de começar o Folio – em Óbidos –, que tem neste ano a sua segunda edição com centenas de eventos em todas as áreas culturais e muitos convidados de peso. Falo, por exemplo de Salman Rushdie, o escritor perseguido e jurado de morte depois da publicação de Os Versículos Satânicos, ou de V.S. Naipaul, Prémio Nobel da Literatura. Mas haverá muito mais, claro, além destas vedetas: exposições (uma delas de Júlio Pomar); música (Camané vai cantar Tom Jobim, estou curiosa!); filmes (A Ópera do Malandro); conferências (Eduardo Lourenço vai falar sobre Vergílio Ferreira). É mesmo para todos os gostos, diria eu. E, para facilitar a vida a quem não tem carro e quer ficar em Óbidos até tarde, pois alguns dos eventos são à noite, o Folio fez um acordo com a CP e haverá um comboio de ida diário às 10h30, que parte da Estação do Rossio e regressa de Óbidos às 00h30. A viagem custa 10 euros, mas dá direito a leituras de poesia pelo caminho. O festival vai até dia 2 de Outubro e o programa completo pode ser consultado aqui:http://foliofestival.com/
Existe uma panóplia de autores consagrados (Hemingway é um dos exemplos mais gritantes) que generosamente partilharam os seus conselhos e experiências com os que então começavam ou queriam começar a escrever. Recentemente, apanhei já não sei bem onde – creio que no site de uma escola que ministra cursos de Escrita Criativa – uma série de conselhos bastante úteis do escritor mexicano Carlos Fuentes que, entre muitos outros galardões, recebeu o Prémio Cervantes e o Prémio Príncipe das Astúrias pela sua obra. Pois além de afirmar que é preciso ter lido, e lido muito, antes de qualquer um se abalançar a escrever o seu próprio livro, Fuentes refere coisas curiosas, como a de que «não há inovação que não se sustenha na tradição» e que só assim um autor de antanho se converte em autor actual e o autor actual em autor de amanhã; e diz ainda que ninguém se deve deixar seduzir pela ideia do êxito e da imortalidade, até porque a maioria dos best sellers morre em pouco tempo e os seus autores logo caem no esquecimento. Refere que há que prestar muita atenção à categoria do tempo, pois é ele que transforma a história em poesia ou ficção, e que um escritor nunca se deve limitar a reflectir a realidade objectiva, devendo acrescentar-lhe sempre algo de forma a enriquecê-la e transformá-la em realidade literária. Outra das suas máximas – mas essa sabe toda a gente que escreve – é que, uma vez publicado, o livro deixa de pertencer ao autor. Boas dicas para futuros e presentes escritores.
Estamos há trinta anos e um mês sem Alexandre O’Neill, grande publicitário e poeta notável, além de autor de grandes fados (Gaivota é o mais conhecido). Mas ninguém o esquece – e o Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa vai dedicar-lhe um congresso inteirinho nos próximos dias 22 e 23 de Setembro na Sala de Exposições do Edifício da Biblioteca. Para falar do grande mestre da ironia estarão nestes dois dias muitos especialistas portugueses e estrangeiros, de Clara Rocha (sim, a filha de Torga) a Fernando J. B. Martinho, de Burghard Baltrusch a Fernando Cabral Martins (conhecido sobretudo pela sua obra sobre Pessoa), de Miguel Tamen a Pedro Mexia. Muitos serão os temas tratados – o medo, a sátira, a espiritualidade (que será tratada por José Tolentino de Mendonça, sacerdote e poeta) ou a Lisboa do escritor. A entrada é livre (grátis!), mas os interessados terão de se inscrever neste link:
Há histórias reais que davam mesmo bons romances – e, se forem histórias de romancistas, melhor. No ano passado, depois de anunciados os finalistas do Prémio LeYa, soube-se que dois deles eram namorados… Entre tantos originais a concurso, foi uma bela coincidência... Um desses escritores, o Paulo M. Morais, quis porém rever a sua novela e apresentar-me, em vez dela, um livro de não-ficção que tinha praticamente concluído. Era este Uma Parte Errada de Mim, de que hoje vos falo; e, quando iniciei a leitura, dei por mim, muitas horas depois, com mais de 150 páginas lidas sem ter feito uma pausa. Trata-de de um testemunho absolutamente notável (e nada lamechas nem sensacionalista, como às vezes acontece) sobre uma experiência terrível: no mesmo ano em que ficara sem emprego, se separara e tivera de voltar para casa de uma avó com quem vivera na infância, o Paulo descobriu de um dia para o outro que tinha um linfoma (a médica de família achava que era tudo uma depressão). Mas esta sua «parte errada», a cujo tratamento assistimos também neste livro, foi aquele desvio que o conduziu ao lugar certo e o ajudou não só a fazer um corajoso balanço de vida (o passado torna-se fulcral quando ignoramos se temos futuro) mas igualmente a corrigir muita coisa que lhe permitiu ir suportando os maus fantasmas e ir encontrando forças (e também alguém muito especial) para resistir. Uma Parte Errada de Mim, na tradição de livros como o de Rebecca Solnit de que aqui falei já (Esta Distante Proximidade), não é, pois, MAIS um livro sobre o cancro, mas uma reflexão magistral sobre a condição humana, que se lê com a fluência de um romance com final feliz. A não perder.