Começa amanhã o Fórum do Futuro, um festival internacional dedicado ao pensamento, que se realiza anualmente com a organização do Pelouro da Cultura do Município do Porto e reúne convidados de variadíssimas proveniências e disciplinas para reflectirem sobre os problemas da sociedade contemporânea. Com eventos espalhados pela Casa da Música, o Museu de Serralves e o Teatro Rivoli, entre outros, este ano o tema será «Políticas e Humanidades» e as sessões prometem ser profundas e interessantes (além de gratuitas, bastando apenas levantar os bilhetes com antecedência). Teremos, por exemplo, a oportunidade de ouvir o cardeal Ravasi sobre Deus, o escritor Tahar Ben Jelloun sobre o estado do mundo e a ameaça terrorista, o cineasta Joshua Oppenheimer, autor de um documentário sobre os sobreviventes do genocídio indonésio dos anos 1960, sobre o dever de não esquecer. Falar-se-á ainda de clima, de guerra, de arquitectura, de refugiados, do papel dos negros na História e de muito mais. Richard Zimler vai entrevistar a escritora Ali Smith e todos os moderadores são gente de respeito. Aproveite, não é todos os dias que há um programa tão suculento! Programação completa aqui:
Como vamos todos de fim-de-semana (grande, no meu caso), deixo-vos um livro para se deliciarem durante os próximos dias (em que há mais tempo para cozinhar), intitulado Cinco Séculos à mesa e assinado por uma especialista em História da Alimentação, Guida Cândido. A identidade da cozinha portuguesa, os pratos nacionais e regionais, são relativamente recentes em termos históricos. Mas, embora as práticas gastronómicas, os gostos culinários e as técnicas de confecção dos alimentos tenham evoluído ao longo dos tempos, muito do que comemos hoje é herança de um passado remoto, pelo que é possível, em pleno século XXI, preparar uma receita com quinhentos anos e saboreá-la em nossa casa. Este é o propósito da obra que vos trago; apresentando-nos o caminho traçado pela História da Alimentação, propõe que peguemos em cinco obras clássicas de culinária entre os séculos XV e XX e recriemos nas nossas modernas cozinhas uma bateria de cinquenta receitas deliciosas, incluindo entradas, pratos de peixe e carne, sobremesas, refrescos, e muito mais. O livro é prefaciado pelo chefe Hélio Loureiro. Tenham um saborosíssimo fim-de-semana!
Em Istambul, confluência de mundos, uma estranha escada desperta a atenção de Tiago Salazar, conhecido sobretudo como escritor de viagens; e ele decide ir atrás da sua história, que se confunde com a extraordinária saga dos seus construtores, presenteando-nos com o seu primeiro romance. Conhecidos como os «Rothschild do Oriente», os judeus Camondo erraram pela Europa até se instalarem em Istambul, onde viriam a tornar-se banqueiros do sultão e grandes filantropos. Abraham-Solomon, o patriarca, era o judeu mais rico do Império Otomano e combateu a maldição do judaísmo na Turquia fundando escolas que respeitavam todos os credos e legando ao filho e aos netos a importância da caridade e do mecenato. Já em Paris, o seu bisneto Isaac, amigo dos pintores impressionistas, doaria ao Museu do Louvre mais de cinquenta quadros de Monet, Manet e Degas; e o seu primo Moïse abriria um museu que ainda hoje pode ser admirado e visitado na capital francesa. E, porém, apesar do seu poder e da sua influência, poucos conhecem a história desta família magnânima... O mistério explica-se: sobre a dinastia Camondo abateu-se uma fatalidade – a sua fortuna e o seu sangue eclipsaram-se nos campos de Aushwitz. Em A Escada de Istambul, Tiago Salazar resgata do esquecimento várias gerações desta memorável família e compõe, a partir de factos e documentos reais, uma ficção na qual ele próprio deambula como personagem. (A foto abaixo é do grande Cartier Bresson.)
Já me tinham convidado de outras vezes, é certo, mas as datas propostas nunca me davam jeito no meio de tantos trabalhos e de viagens que tenho de fazer para lançamentos e apresentações dos livros que publico. Ao fim de sei lá quantas tentativas, consegui, mesmo assim, arranjar uma abertazita. Trata-se de participar numa sessão na Casa da Escrita, em Coimbra, onde se realizam regularmente sessões sobre o primeiro livro – o princípio de uma carreira literária, portanto – de um dado escritor. E desta vez calhou-me a mim: ouvir, primeiro, Teresa Carvalho falar de A Casa e o Cheiro dos Livros, o meu primeiro livro de poesia, publicado quando já tinha 36 anos; e, depois, decerto dizer eu alguma coisa, ou ler, ou discordar, ou contar como foi. É logo mais, às 18h00, na Rua João Jacinto, n.º 8, em Coimbra. Se estiver por perto, apareça. Dizem que o lugar é bem bonito.
Falei aqui ontem dos atributos das raparigas – e hoje o post, embora enviesadamente, também tem que ver com elas. Há cerca de um mês, li a notícia boa de que dois autores portugueses tinham sido seleccionados para o Prémio Femina em França (a primeira selecção incluía 14 romances traduzidos). Este é um prémio instituído há mais de cem anos, mas só contempla romance estrangeiro desde 1985, tendo sido ganho, por exemplo, em 1990, por Vergílio Ferreira com o romance Manhã Submersa. Os dois candidatos portugueses deste ano, Valério Romão e Gonçalo M. Tavares (que, por acaso, já foi finalista em 2010), concorrem, respectivamente, com as obras Autismo e Matteo Perdeu o Emprego. Na passada sexta-feira, chegou a segunda boa notícia: os dois passaram à final, ou seja, dos 14 romances seleccionados agora ficaram só 5, e 2 deles são de portugueses! Os concorrentes são romances de Rabih Alameddine, Petina Gappah e Edna O’Brien, e o prémio será anunciado hoje, pelo que peço que torçam todos pelos nossos para ver se funciona. E, afinal, que tem isto a ver com as senhoras? Ah, bom, é que – tal como o nome indica – no júri do Prémio Femina só há mulheres. Espero que elas gostem dos nossos rapazes.
Um dia, num belíssimo filme de James Ivory, ouvi Vanessa Redgrave (já não recordo o nome da sua personagem) dizer que, se as mulheres mandassem no mundo, haveria muito menos guerras porque elas não quereriam que os seus filhos combatessem e fossem mortos. Serão as mulheres diferentes dos homens a esse ponto? Não fui mãe, mas tenho sete sobrinhos, cinco dos quais são raparigas. Observando-os aos sete ao longo do tempo, sou obrigada a concluir que elas foram sempre mais desembaraçadas, mais desenrascadas, mais auto-suficientes, menos dependentes. Souberam inventar formas de fazer dinheiro para poderem viajar, distribuindo panfletos e sentando convidados VIP em estádios de futebol durante o Euro ou estacionando carros em eventos internacionais como o Open de Ténis do Estoril. Eram (e as mais pequenas serão ainda possivelmente) mais senhoras de si, mais autónomas, mais fura-vidas. Li que actualmente há mais mulheres do que homens a entrarem nas nossas universidades; e, quando dão notícias sobre equipas de pesquisa médica e científica por esse mundo fora que descobrem curas e fazem outras conquistas notáveis, não raro estão nelas várias mulheres. Também as estatísticas confirmam que Elas lêem muito mais do que Eles. Um dia destes, li até a estranha notícia de que no Reino Unido os pais gastam menos 25% em livros para os filhos do que para as filhas, porque os rapazes preferem outros brinquedos. Ora, se os rapazes deixarem de ler, cuidem-se: as raparigas vão mesmo tomar conta do mundo…
Este é um blog que fala sobretudo de livros e de edição, mas, para variar, vou hoje falar-vos de um filme, até porque sei que, ao fazê-lo, não estou a sair da minha zona de conforto. Na verdade, o filme trata de livros… e de edição, claro, e em várias passagens – salvaguardadas as distâncias, bem entendido – recordou-me o meu trabalho quotidiano e algumas das vicissitudes deste belo, mas às vezes tão duro, ofício. Trata-se de Um Editor de Génios, realizado por Michael Grandaje, que conta a história da relação entre Max Perkins (o grande editor da Scribner que deu à estampa autores tão grandes como Hemingway e Scott Fitzgerald) e o escritor Thomas Wolfe (não confundir com o autor de A Fogueira das Vaidades) desde o final dos anos 1920 até à morte deste, em 1938. As duas personagens (papéis desempenhados por grandes actores como Colin Firth e Jude Law) são quase antagónicas, mas criam-se entre ambas laços apertados e até uma certa dependência, uma vez que o escritor é demasiado prolixo e é preciso reduzir milhares de páginas adjectivadas e metaforizadas que escreveu a um volume mais conciso e legível, o que sem o editor não é tarefa fácil. Mas estes laços e estes cortes são apenas uma parte das cisões e das ligações desta história que interessará seguramente a todos os que gostam de livros. A ver, evidentemente.
Eu bem sei que já aqui falei de Adoração, de Cristina Drios (e não há muito tempo), mas há razões para que volte à carga. O livro sobre esse pintor maravilhoso que ficou conhecido por Caravaggio (na verdade o seu nome próprio era Miguel Ângelo, mas Miguel Ângelo já havia um) e um dos seus quadros (Natividade com S. Francisco e S. Lourenço, conhecido por Adoração) vai ser apresentado logo à tarde, pelas 18h30, na Livraria Buchholz por Luís Carmelo. Estão todos obviamente convidados para este lançamento, mas, não podendo ir, não falhem a leitura deste irresistível romance que cruza duas épocas e nos traz algumas personagens que ficam connosco até muito tempo depois de acabado o livro, como o agente Salvatore Amato (tentem traduzir este nome; surpreendente, não?), Antonia Rei, uma rapariga perdida, ou o duque de Nottetempo, figura que seria digna de um Fellini, mas também de um Visconti (perceberão se lerem Adoração). Então, aparecem? Ainda por cima há música!
Quando Elena Ferrante começou a escrever livros, pôs ao seu editor como condição para os publicar não ter de aparecer em lado nenhum, alegando que era a obra que importava, e não a pessoa que a escrevia. Deu, é bem certo, algumas entrevistas por e-mail ao longo dos anos, mas ninguém sabia quem era Elena Ferrante, embora houvesse dados que configuravam uma mãe, uma napolitana, uma professora com formação em Clássicas. O sucesso que obteve com a tetralogia A Amiga Genial (ainda não li o último, está em fila de espera) estragou, porém, os seus planos; atraído ele próprio pelo sucesso que representaria a descoberta da real identidade da famosa Ferrante, um jornalista decidiu ir atrás dos rastos da escritora e publicou um artigo em que revela que se trata de uma tradutora chamada Anita Raja, filha de uma alemã que foi para Itália a fugir do Holocausto, casada – isso, sim – com um escritor napolitano que algumas pessoas já tinham pensado ser o autor por detrás do pseudónimo. Para tanto, chegou ao ponto de investigar os dinheiros que saíam da editora para pagar trabalhos a Anita Raja (era demasiado dinheiro para uma simples tradutora) e inventariar bens e casas cada vez maiores e mais bem situadas pertencentes ao casal (um escritor e uma tradutora não costumam ter casas assim tão boas). Embora todos nos perguntássemos quem era a Ferrante, chego à conclusão de que o maior gozo era mesmo não o saber. Porque senti a revelação como um acto de um desmancha-prazeres, além, claro, de uma clara devassa da vida privada (mas sobre isso já muitos falaram). Há, porém, quem defenda que é obrigação do jornalista investigar – e que não devemos criticar, portanto, o autor da descoberta, que fez apenas o que lhe compete. Seja como for, eu preferia não ter sabido a verdade. Não há nada como um bom mistério.
Leio num jornal que os novos governantes do Brasil vão fazer reformas profundas no ensino médio. Infelizmente, pela voz do jornalista, parece-me que o país se vai virar para um ensino mais técnico e menos abrangente, privilegiando áreas ditas técnicas e científicas e suprimindo a obrigatoriedade do estudo da filosofia e das artes. Os alunos terão uma carga horária muitíssimo superior – passará das actuais 800 horas anuais para as 1400 (nem vão ter tempo para brincar os pobres) – justificada pelo facto de que, só estando na escola a tempo inteiro, com horário de profissional, o aluno terá possibilidade de aprofundar (e se especializar) em uma de cinco áreas: «linguagens [línguas?], matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.» Pois, mas então porque é que, mesmo com tanto tempo passado dentro da escola, desaparecem dos programas a filosofia, a sociologia, as artes e a educação física, que passam a ser apenas disciplinas opcionais? Cá para mim, a mudança traz água no bico – e ensinar a pensar deixou de ser uma coisa boa, tal como dar largas à criatividade dos estudantes. Por todo o lado o mesmo, enfim. Tristes reformas.