Na sexta-feira passada, fui agradavelmente surpreendida pela notícia de que Biografia do Língua, de Mário Lúcio Sousa, vencera o Prémio PEN de Narrativa (que será entregue já no próximo dia 29). Falei-vos deste livro certamente há um ano, quando o publiquei, mas aproveito agora a «embalagem» do galardão para vos dizer que a votação do júri foi por unanimidade, o que não deixa dúvidas sobre a qualidade do romance (uma coisa é o editor dizer bem dos seus livros, outra é isso ser confirmado por um júri idóneo). Mário Lúcio Sousa já tinha publicado antes na Dom Quixote O Novíssimo Testamento (também premiado), e Biografia do Língua (que vencera o Prémio Miguel Torga na sua versão inédita) é a história de um condenado à morte a quem os carrascos oferecem a possibilidade de realizar um último desejo e que então pede para contar uma história. O problema é que não só a história parece não ter fim como acaba por atrair tantos ouvintes de tantas partes que dá lugar ao nascimento de uma nova sociedade ligada pelas histórias. Parabéns, Mário Lúcio Sousa, por mais um prémio!
A partir de amanhã e até ao dia 30 de Novembro (data da morte de Fernando Pessoa e do aniversário da Casa que tem o seu nome) celebram-se uma vez mais os Dias do Desassossego com numerosas actividades que vão desde a promoção da leitura aos debates, concertos, passeios literários e declamação de poemas. A iniciativa, que nasce de uma parceria da Casa Fernando Pessoa com a Fundação José Saramago, vai ter eventos pessoanos e saramaguianos para todas as idades – e um dos mais giros será seguramente o Contatininhas, de Luís Carmelo e Nuno Morão, para crianças a partir dos 4 anos, sobre trava-línguas e fábulas ao som de uma concertina. Mas a Fundação José Saramago receberá a peça A Ilha Desconhecida, do nosso Nobel da literatura, alguns músicos vão mostrar com instrumentos como interpretam o que lêem, especialistas vão partilhar experiências sobre a melhor forma de dar a ler, Pessoa e Saramago vão andar por aí a mostrar-se de todas as maneiras e feitios pelas ruas de Lisboa. Se estiver interessado, deixo aqui o programa completo. A entrada é gratuita.
Quem mora e/ou trabalha na capital anda por estes dias com os nervos em franja. Não só a cidade está toda em obras – obras que acontecem em todo o lado ao mesmo tempo e que neutralizaram muitas zonas de estacionamento –, como o trânsito está tão insuportável que mesmo os de índole mais paciente não podem deixar de perder a calma, vociferar, chegar a casa zangados ao fim de um dia de trabalho. E quem não mora em Lisboa sabe-o pelos jornais, pois não param as críticas à Câmara por esta bizarra operação de estética global. Temos de fazer alguma coisa… No Canadá, a literatura decidiu virar-se contra o trânsito (a literatura até para isto serve, calculem) e vários artistas inundaram as ruas com 10 000 livros, numa espécie de manifestação chamada Literature vs Traffic criada por um grupo que se autodenomina Luzinterruptus e que pretende levar a cultura a lugares que são marcados pela poluição e a velocidade. Encheram literalmente o alcatrão de livros iluminados (doados pelo Exército de Salvação) e deixaram-nos lá para quem quisesse ir buscá-los e lê-los. A «instalação» só durou dez horas (a rua era necessária à circulação de carros na manhã seguinte), mas a imagem diz que valeu a pena.
Dizem que não é possível escrever sem ter lido e que as duas actividades são indissociáveis. Concordo, evidentemente. Calcula-se também que os escritores sejam as pessoas que mais lêem – e é verdade, basta ouvir Lobo Antunes a citar de cor tantos poetas e romancistas de cada vez que fala do que é escrever. E, porém, um dia, numa sessão dedicada à literatura em que participavam três ou quatro escritores, o moderador perguntou-lhes o que estavam a ler nesse momento e uma das intervenientes hesitou tanto que o público percebeu imediatamente que não estava a ler coisa nenhuma e, como dizem os brasileiros, «pintou um mau clima»; emendar a mão e oferecer dois ou três títulos estranhos – e franceses! – não ajudou ninguém a mudar de opinião... Muitos escritores dizem que, quando estão mergulhados num romance novo, simplesmente não lêem: estão tão colados às suas personagens que não conseguem estar com as dos outros – e não há mal nenhum nisso, até porque confessá-lo abertamente evitaria alguns incómodos como o que referi. Ouvi alguém dizer que Cardoso Pires, por exemplo, só lia revistas e literatura barata quando estava a escrever um romance – e se calhar os seus romances beneficiaram dessa atitude. Mas... deixar de ler? Temer as influências? Viver apenas com o próprio texto? Haverá coisa mais inspiradora para quem escreve do que a escrita alheia? Eu teria uma enorme dificuldade em agarrar-me ao meu texto e deixar o dos outros de fora, ou em não ler durante meses se estivesse a escrever um romance. Mas também sou preguiçosa para a escrita e prefiro a leitura. Nunca poderia ser uma escritora a sério, em suma. Bom fim-de-semana.
Não, não vou falar de nenhum restaurante dessa cidade que será eternamente famosa pela sua Universidade. Quando escrevo «à mesa» no título deste post estou, antes de mais, a pensar que logo à tarde estarei sentada a uma mesa para, em suma, lançar mais um livro, que por acaso até fica bem à mesa porque fala de comida. É essa maravilha que já aqui referi no mês passado – Cinco Séculos à Mesa, de Guida Cândido –, um belíssimo receituário que recupera iguarias que podem ter 500 anos mas são perfeitamente confeccionáveis nas nossas modernas cozinhas (fique a saber que o arroz-doce é uma delas, mas há delícias para todos os gostos e as fotografias fazem crescer água na boca). O livro, no entanto, é muito mais do que isso, ou não fosse a sua autora uma especialista em História da Alimentação, e traz uma saborosa introdução sobre hábitos alimentares, tradições, métodos de confecção e ementas ao longo de cinco séculos, para que o leitor saiba, por exemplo, que nem sempre foi possível comer batata ou quais os peixes iam à mesa da Infanta D. Maria. Se se interessa por estas matérias – e, sobretudo, se está ansioso por provar alguns destes sublimes manjares –, esperamos por si hoje às 18h30, na FNAC de Coimbra, onde quem souber ouvir a Professora Maria José Azevedo Santos, que apresenta a obra, terá direito, pois claro, a uns petiscos. Apareça!
Falei-vos há tempos do centenário de Vergílio Ferreira. Mas comemora-se este ano o centenário do nascimento de um outro escritor, Mário Dionísio, que também foi artista plástico e professor na Faculdade de Letras (se não me engano, dava aulas de Técnicas da Expressão do Português quando tirei o curso, e os alunos tinham-lhe muito respeitinho). Foi, aliás, nesta Faculdade – e igualmente na Casa da Achada (onde funciona o Centro Mário Dionísio) e ainda no Museu do Neo-Realismo – que recentemente se realizou um congresso dedicado a este autor, um dos mais importantes e polémicos teóricos do movimento neo-realista. A sua Poesia Completa foi recentemente publicada pela Imprensa Nacional num só volume com cerca de 500 páginas e uma introdução do encenador Jorge da Silva Melo; e o seu espólio, devidamente tratado e catalogado, pode ser encontrado e consultado na Casa da Achada, ali à Mouraria, que hoje é um lugar de culto dirigido por Eduarda Dionísio, sua filha e também escritora. Num tempo em que «quem não aparece esquece», a efeméride é um bom pretexto para visitar ou revisitar a obra de Dionísio.
As pessoas que gostam de livros têm sempre coisas em comum... Um destes fins-de-semana, aproveitando o feriado e a ponte, fomos a Madrid, o Manel e eu. E, estando lá, não pudemos deixar de visitar livrarias como outros visitam museus ou lojas (e nós também, mas no dia seguinte). Tínhamos conhecido uns anos antes uma livraria fantástica em Barcelona, daquelas que já não encontramos em Lisboa, chamada La Central, e alguém dissera ao Manel que havia agora também uma La Central na capital espanhola, pelo que estávamos com água na boca para a conhecer. Fomos e, claro, comprámos livros. A loja de Barcelona que tínhamos visitado é mais bonita, mas esta tem igualmente aquelas coisas que já não se encontram nas FNAC e similares, e cheira a papel e chão encerado em vez de cheirar a ladrilhos e telemóveis. No dia seguinte, encontrámo-nos com dois amigos que descobrimos estarem também em Madrid nesse fim-de-semana, o Nuno e a Manuela Júdice. E, quando lhes perguntámos que planos tinham para aquela manhã, a resposta foi rápida: La Central, claro. Fomos outra vez. As pessoas que gostam de livros têm sempre coisas em comum.
Há muitos anos, em conversa com um psiquiatra sobre as razões que levam tantos jovens ao suicídio, ele explicou-me que, em muitos casos, longe de se tratar de amores mal resolvidos – ideia um tanto romântica essa de morrer de ou por amor –, eram situações em que os implicados tinham uma má relação com o próprio corpo, alguma coisa nele que não conseguiam aceitar (e a verdade é que conheço pelo menos dois casos em que isso era verdade). Disse-me ainda que, quando uma mulher muito magra se acha gorda e não pára de falar nisso, é preciso estar atento, porque pode ser um sintoma de que está desencontrada do seu corpo, e nunca se sabe aonde isso pode levar. Li recentemente um pequeno livro de poesia de uma jovem autora espanhola, Elisa Levi, que é, a este título, magistral. Chama-se Perdida en un bol de cereales e reflecte sobre o desencontro entre a cabeça e o corpo (os seus, presumo) de uma forma em que ambos dialogam (ou o corpo escuta e a cabeça fala) e, por isso, o tu nunca deixa completamente de ser o eu. É uma recolha de poemas breve, mas intensa, em que alguém mostra que consegue fazer as pazes com o corpo desavindo e segue em frente. Sei que não será fácil encontrar essa colectânea nas nossas livrarias, mas a rede global apanha tudo e acredito que ajude todos aqueles que em algum momento andaram por aí desencontrados do corpo e da identidade, especialmente os mais jovens. Recomendo vivamente.
Se quer saber alguma coisa sobre um escritor português de quem gosta, morto ou vivo, tem dois bons instrumentos à sua disposição. A Base de Dados de Autores Portugueses, da responsabilidade da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, que inclui cerca de 5000 autores (há tantos? Não sabia) e foi construída com base no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses que foi publicado entre 1983 e 2001 e, a partir daí, passou a estar apenas online mas é permanentemente actualizado; e a novíssima plataforma escritores.online, que se centra nos autores contemporâneos, fornecendo informação biobibliográfica, fotografias, links para os respectivos sites e blogues, excertos de obras, entrevistas, notícias e até vídeos enviados pelos próprios escritores, pois muitas vezes a saída de um novo livro gera eventos interessantes e pequenos videoclips elucidativos. Por isso, quando andar à procura de um título de que já se esqueceu, ou quiser averiguar em que cidade ou ano nasceu determinado autor, tudo o que publicou e quando se realiza o lançamento do seu próximo livro, tem aqui tudo aquilo de que precisa. Quer ir espreitar? Os links são estes:
Calculo que, entre os Extraordinários leitores deste blogue haja numerosos escritores, gente que gosta de contar histórias e de exercitar a pluma e que, como todos os que começam, tenha dificuldade em ver a sua primeira obra publicada. Mas existe por aí um prémio anual interessante para abrir portas; destina-se a quem tenha uma novela, um pequeno romance, pronto até Março do ano que vem. Trata-se do Prémio Nacional de Literatura Lions 2016/2017, o seu valor é de 2500 euros e, através dele, a Associação Internacional de Clubes Lions pretende estimular e divulgar a produção literária junto do público em geral. Os interessados devem entregar cinco exemplares impressos das suas obras na Rua Basílio Teles, nº. 17 – 3º. C, 1070-020 Lisboa, ou na Rua Brito Capelo, 223 A, 4º. Piso, escritório 18, 4450-073 Matosinhos, ou enviá-las por correio registado para uma dessas moradas. A data limite da entrega é o dia 15 de Março de 2017. Têm, como vêem, ainda muito tempo. O regulamento do concurso pode ser consultado no link abaixo. Isto é o que se chama um post preguiçoso, bem sei.