Não, não pensem que sei mais do que devia e que vou aqui apresentar uma lista de títulos que serão publicados no ano que vem por muitas editoras. Na verdade, trata-se apenas do título de uma sessão à volta de livros que ocorrerá esta tarde no Museu da Farmácia em Lisboa e para a qual a entrada é livre. Numa mesa em que estarei acompanhada pelo Manel (Porto Editora), por Diogo Madre Deus (Cavalo de Ferro), Francisco Vale (Relógio d'Água), Bárbara Bulhosa (Tinta-da-Chuna) e mais algumas pessoas, contaremos com a moderação do jornalista Luís Caetano para falar de muitos assuntos, tais como a vida dos editores e dos críticos literários, a apresentação de algumas novidades ao público presente (presumo que também estejam farmacêuticos que gostem de ler) e um cheirinho do que vai ser o ano de 2018. Antes ainda de o debate se abrir ao público, teremos tempo para escolher um livro de outro editor, ali presente ou não. É logo às 18h00 num lugar mágico e contamos com a sua presença!
Depois de várias nomeações com o seu romance anterior, Cristina Silva foi este ano galardoada com o Prémio Fernando Namora da Estoril Sol pelo seu romance mais recente, A Noite não É Eterna, cuja acção decorre nos anos de chumbo da Roménia, sob o jugo do ditador Nicolae Ceausescu, com a população enfraquecida pela fome e dominada pelo terror. Seguindo as orientações do Presidente para a criação de um exército no qual os soldados são treinados desde crianças, Paul, um ambicioso funcionário do partido, decide levar de casa o filho de três anos e entregá-lo aos cuidados do Estado. Quando a mãe se apercebe do desaparecimento do pequeno Drago, a culpa e o desgosto já não a abandonarão, bem como o firme desejo de acabar com a vida do marido. Correndo riscos tremendos, Nadia não desistirá, porém, de procurar o menino, ainda que para isso tenha de forjar uma nova identidade. Mas será que o seu sofrimento pode ser aplacado enquanto Paul for vivo? Enquanto o ditador for vivo? Leia para saber.
Aqui há tempos, num encontro literário que se realiza no Fundão, conheci duas pessoas extraordinárias que vivem em Alcobaça e têm uma pequena editora – a Escafandro. Trata-se da Rita Nabais e do Nuno Matos Valente, ambos professores, ele autor também de alguns livros, nomeadamente o que aqui me traz hoje: Bestiário Tradicional Português. Conta o Nuno numa entrevista ao Observador que, há uns tempos, se apercebeu de que as criaturas das antigas histórias portuguesas – bruxas, monstros, almas penadas, papões, gigantes, etc. – começaram a perder claramente terreno para o massificado Halloween, por exemplo, que pouco ou nada tem que ver com as nossas tradições. Surgiu-lhe então a ideia de recolher as histórias tradicionais que incluem estas figuras (enquanto há quem se lembre de as ouvir de pais e avós). Fez uma pesquisa ao longo de quatro anos, mergulhando na obra de Leite de Vasconcelos, Alexandre Herculano, Teófilo Braga e muitos outros autores – e também ouvindo relatos em muitas partes deste nosso Portugal, chegando, de resto, à conclusão de que muitas histórias se repetem, mesmo que os nomes das criaturas não sejam sempre os mesmos. E o resultado é então um livro que vai já em segunda edição e agrada tanto a crianças como a adultos. Publicado pela Escafandro e ilustrado por Natacha Costa Pereira.
Releio livros e revejo filmes de que gostei muito quando li e vi pela primeira vez, mas que agora me parecem tremendamente datados, e garanto-vos que não é por não haver neles telemóveis ou computadores. É uma coisa que se sente – e até já me aconteceu com autores importantes, como Vergílio Ferreira, ou filmes muito «badalados», como American Gigolo. Mas há autores que, por mais que se vão tornando de nicho, nunca passam de moda – e é o caso de Eça de Queirós (que até se permite ser «continuado» por outras mãos no século XXI) ou Camilo Castelo Branco, que, usando embora linguagem que hoje os jovens acharão decerto rebuscada, permanece profundamente actual, como nesta passagem, em que descreve com primor um «novo-rico»:
«No Chiado abjurou um chapéu de molas de merino, e comprou outro de castor, à inglesa. Cumpria-lhe vestir as primeiras luvas da sua vida. No vesti-las arrostou com dificuldades, que venceu, rompendo a primeira luva de meio a meio. Disse-lhe a luveira que não introduzisse os cinco dedos ao mesmo tempo, e ajudou-o na árdua empresa.
Dois mancebos galhofeiros, que estavam na loja, riram indelicadamente da inexperiência do sujeito desconhecido. Um deles, confiado na inépcia tolerante do provinciano ou suposto brasileiro, disse, a meia voz, ao outro:
– Quatro pés nunca vestiram luvas.
Calisto encarou nele com sorriso minacíssimo, e disse à luveira:
– As luvas são boa coisa para a gente não dar bofetadas com as mãos.»
Pertence a A Queda de Um Anjo. Que maravilha, não é?
Quando era pequena, tinha uma grande dificuldade em perceber por que motivo os banqueiros eram ricos se o dinheiro que estava depositado nos bancos não lhes pertencia. (Não sabia que eles o investiam nos seus negócios e que, em suma, o faziam render.) Um pouco mais tarde, o problema foi com as empresas em bolsa e o comprar e vender acções; e, mais tarde ainda, com a especulação financeira e a desvalorização da moeda. Embora tenha lido vários livros que me ilustraram sobre alguns assuntos, a economia para mim continua a ser basicamente misteriosa e impenetrável – e parece-me que talvez fosse bom a escola dar desde cedo algumas noções de economia aos alunos, até porque ela está presente no quotidiano de todos. Descubro então, quase por acaso, que o senhor Varoufakis (lembram-se dele?) escreveu há uns anos (e apenas em nove dias, caramba!, segundo conta no prefácio) um livro intitulado Falando de Economia com a Minha Filha, agora publicado também em inglês. Diz o ex-ministro grego nesta sua brevíssima história do capitalismo que economia é política e que, como tal, deve ser discutida em termos que todos entendam, incluindo a filha que era, na data da publicação da obra original, apenas uma adolescente. Acho que se calhar vou comprar a tradução inglesa do livro de Varoufakis e tentar realmente adquirir um conhecimento do qual estou francamente carente para compreender algumas notícias deste nosso mundo.
Sinclair Lewis foi o primeiro escritor norte-americano a receber o Prémio Nobel da Literatura, em 1930. Mas o reconhecimento pelos seus romances satíricos, críticos dos políticos corruptos e do materialismo fútil da classe média americana não abarcava ainda o livro de que falarei hoje, publicado em 1935, que se tornou uma obra profética após a eleição de Donald Trump. Escrito durante a Grande Depressão e publicado quando o fascismo começava a emergir na Europa de forma alarmante, Isso não Pode Acontecer Aqui conta a história de Buzz Windrip, um demagogo xenófobo e racista e que, apesar de praticamente iletrado, consegue derrotar Franklin Delano Roosevelt nas eleições presidenciais com a promessa de um regresso da América à prosperidade e ao orgulho, acabando por instaurar um regime ditatorial apoiado por forças militares altamente repressivas que nunca até ali os eleitores julgaram possível. No centro da acção, está Doremus Jessop, um jornalista do Connecticut que testemunha com horror a fragilidade da democracia e se torna um dos grandes resistentes à tirania, passando à clandestinidade. Oitenta anos depois da publicação original, este livro é assustadoramente atual.
Nem tudo o que acontece de interessante nos dias que correm se realiza nas grandes cidades – e Alcobaça, além de ser um lugar belíssimo que só por isso já merece visita, recebe pela quarta vez o festival Books & Movies – Festival Literário e de Cinema, que decorre entre 4 e 14 de Novembro e junta variadíssimas personalidades do meio cultural português para falarem de livros, filmes e muito mais «num clima de diálogo, de tolerância e de abertura» em espaços públicos da cidade. Este festival, organizado pela Câmara Municipal de Alcobaça, apresenta propostas para o público escolar e para o público em geral; e, no dia do fecho, às 18h00, na Granja de Cister, convida o escritor Paulo Moreiras (autor, simultaneamente, de romances literários e livros de gastronomia e etnografia) para falar da relação entre a literatura e a culinária, coisa que ele conhece como ninguém, não só por ter escrito sobre o assunto em livros como Pão & Vinho – Mil e Uma Histórias de Comer e Beber (e chorar por mais, claro) ou O Elogio da Ginja como ainda por ser alguém que escreve, cozinha e come muito bem. Se não puder ir a esta sessão, moderada por José Fanha, há muito mais. O programa completo segue no link abaixo.
Toda a gente sabe que um dos mais prestigiantes prémios literários portugueses é o que anualmente atribui a Associação Portuguesa de Escritores (APE) nas categorias de romance ou novela, poesia e ensaio. Na ficção, é muito raro um autor conseguir vencê-lo com um livro de estreia – e Ana Margarida de Carvalho ganhou-o com o seu primeiro romance, intitulado Que Importa a Fúria do Mar (o título parte de uma canção de Zeca Afonso). É também pouco comum este prémio ser atribuído mais de uma vez à mesma pessoa – em quase trinta anos, só houve seis autores que bisaram: Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes e Mário Cláudio; Agustina Bessa-Luís, Maria Gabriela Llansol e, agora, Ana Margarida de Carvalho! Mas o que penso aconteceu pela primeira vez foi um autor receber o Grande Prémio de Romance e Novela da APE-DGLAB pelos seus dois primeiros livros; e foi isso que aconteceu a Ana Margarida de Carvalho que, com Não Se Pode Morar nos Olhos de Um Gato, foi também finalista do Prémio P.E.N. de Narrativa (ganho por Ernesto Rodrigues) e do Prémio Oceanos (antigo PT), no Brasil, que vai ser decidido no dia 7 de Dezembro. Mais logo, pelas 18h00, no renovado Palácio Galveias, em Lisboa, Ana Margarida recebe o seu segundo prémio da APE na presença de alguns dos jurados e do Ministro da Cultura, o poeta Luís Filipe Castro Mendes. Apareçam.
Uma das coisas de que mais gosto em Eduardo Lourenço é que ele é muito gente por detrás do grande intelectual e pensador que também é. Estar com ele é um prazer também por causa disso, por estar ao nosso lado como um de nós, com uma humanidade muito especial. Há escritores que são muito distantes – ou muito artistas, muito «elevados» em relação ao resto das pessoas (e isso irrita). Mas há outros que gostam tanto de escrever como de comer, conversar ou ir ao futebol (penso que Carlos de Oliveira, por exemplo, era um doido pela bola e uma destas pessoas muitíssimo «normais», apesar da fama e da importância). A este título, Jorge Amado é também um bom exemplo de «gente», e a história que li recentemente no mural do Facebook de Josélia Aguiar, a curadora da FLIP (o festival literário de Paraty), comprova-o. Quando o escritor brasileiro tomou posse como membro da Academia de Letras da Bahia vestiu o smoking da ordem para proferir o seu discurso; ao terminar, uma repórter aproximou-se dele para perguntar como se sentia. A resposta, segundo o Jornal do Brasil, foi a seguinte: «Muitíssimo suado, minha filha.»
Recebi um e-mail sobre leilões – e tê-lo-ia apagado imediatamente se não tivesse reparado, numa rápida vista de olhos, que a coisa iria ocorrer na Cooperativa Árvore, no Porto, um lugar de culto a que não sou indiferente. Deitei então um olhar mais demorado ao texto para ficar a saber que estava em causa o património de um senhor que conheci há muitos anos e é admirado por muitíssimas pessoas: o livreiro portuense Fernando Fernandes, segundo Agustina «o maior dos livreiros portugueses», fundador da Livraria Leitura, passagem obrigatória de tudo o que era intelectual e leitor sério na Invicta ao longo de várias décadas. Pois bem, os tempos mudaram e Fernando Fernandes é agora obrigado, por razões de saúde e necessidade, a «desfazer-se» de 4000 peças!, incluindo 120 obras de arte (de pintores como Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Zulmiro de Carvalho, Fernando Lanhas ou Júlio Resende) e 650 livros seleccionados, como Poesias Completas (1951-1981), de Alexandre O´Neil, com dedicatória assinada; Quadros Portuenses, uma edição de luxo de Agustina Bessa-Luís – com 10 aguarelas de António Cruz; ou até As Quatro Estações, de Jorge Sena, Eugénio de Andrade, Faria Almeida e Vergílio Ferreira, ilustrado a cores em folhas à parte. Não consigo imaginar o que será para Fernando Fernandes separar-se de uma colecção como a sua, embora ele confesse que ainda fica com muitos livros para ler. Parece-me, de qualquer modo, um terrível sinal dos tempos. (Os leilões decorrem até amanhã.)