O que é mesmo bom quando está muito frio é ficarmos quietos e quentinhos em casa a ler um bom livro. Pois é isso que, aparentemente, fazem nesta época os islandeses (dez por cento dos quais são leitores vorazes, leio algures) porque a tradição na Islândia é justamente a de trocar livros na noite de Natal, o que considero uma excelente ideia: em primeiro lugar, dispensa-nos de pensar num presente diferente para cada pessoa (e há pessoas muito difíceis – ou porque têm tudo, ou porque são esquisitinhas); depois, promove a leitura em todas as gerações; por último, previne o consumismo excessivo típico desta quadra (compra-se muito mais do que seria preciso). Não ofereço tantos livros como gostaria porque, trabalhando no ramo editorial, algumas pessoas desconfiam de que os livros me saem de graça e torcem o nariz. Mesmo assim, à beirinha deste Natal, desejo aos Extraordinários que lhes ofereçam muitos livros e que eles ofereçam livros também, especialmente às crianças. Boas Festas a todos e até para o ano, vou tirar uns diazinhos de férias... Para ler, claro.
Já não sei quem me contou que, numa escola, os alunos deviam deixar os telemóveis numas caixas à entrada da sala, antes do início da aula. E faziam-no – ou, pelo menos, parecia. A verdade é que determinado professor se deu ao trabalho de ir confirmar e descobriu, em vez de telemóveis, vários comandos de TV... O que quer dizer que os telemóveis «verdadeiros» permaneciam com os alunos. Agora, o Ministério da Educação em França resolveu proibir o telemóvel nas escolas até ao fim do Ensino Básico (dos 6 aos 15 anos, grosso modo). Diz que é preciso proteger as crianças pequenas de passarem demasiado tempo diante de ecrãs (o que entende ser uma questão de saúde pública) e resolveu decretar que, no próximo ano lectivo, nem no recreio os alunos terão acesso aos seus aparelhos: deixam-nos à entrada da escola e levantam-nos à saída… Sabemos que os franceses nunca foram muito chegados à tecnologia, mas os pais e os professores não concordam com a medida. Uns acham que, desde que os alunos os não usem na sala de aula, os telemóveis dão jeito para os pais falarem com os filhos e lhes darem recados e instruções; outros, que o telemóvel pode inclusivamente ser útil em algumas acções de formação (sobretudo se tiver Internet) e que vai ser preciso muito cuidado com quem (e como) vai guardar os telemóveis na escola à chegada… Enfim, eu diria que é um caso de prós e contras, mas que é bom alguém ter pelo menos a sensação de que as crianças devem passar mais tempo longe destes utensílios.
Já aqui disse muitas vezes que sou uma dog-person, e não uma cat-person. E por isso fiquei um dia destes bastante contente com a leitura de um artigo do jornal espanhol El País sobre umas pinturas com 8000 a 9000 anos, encontradas no Noroeste da Arábia Saudita, que mostram que, ao contrário do que eu pensava, os homens domesticaram cães muito antes de terem domesticado cabras ou vacas. Ao que parece, sobretudo nos períodos em que a comida era escassa (no Inverno, por exemplo, ou em zonas mais áridas), os homens levavam os cães com eles quando iam caçar – e uma dessas pinturas revela não só um homem com dois cães presos por uma espécie de correia (a antepassada da trela?), mas também um enorme leão diante deles (um leão com 8000 anos!). O uso dos cães incrementava as possibilidades de caçar e, por isso, pode dizer-se que, de certa maneira, também dependeu dos meus amigos cães a sobrevivência do homem; diz-se no artigo que, em certos locais, os homens não teriam conseguido seguir caminho se não estivessem acompanhados pelos seus bobyzinhos. Sabe-se ainda que, na zona onde os desenhos foram encontrados não havia lobos, pelo que os cães das pinturas deveriam ter vindo dos lugares onde tinham sido domesticados com os seus donos. As pinturas são muito bonitas.
Não sei exactamente explicar porquê, mas certos nomes – lidos ou ouvidos – trazem-me sempre à memória o meu pai: por exemplo, as «Redacções da Guidinha», de Sttau Monteiro, publicadas no Diário de Lisboa nos idos de 1970 e mais tarde coligidas em livro; ou a revista Seara Nova, de que ainda hoje recordo as muitas lombadas alinhadas na estante de casa dos meus pais. Hoje as revistas que se publicam em Portugal são menos interessantes (desculpem-me os que escrevem para elas, mas é verdade) ou de outro teor (informação rápida, como os tempos) e a democracia também já não leva a que criem projectos intelectuais de combate político pela liberdade ou, como o primeiro número da Seara Nova se arvorava, «de doutrina e crítica». Mas a Seara Nova, fundada nos anos 1920 por Raul Proença e outros seres bem-pensantes, foi um «local» de reunião das elites culturais portuguesas que se opunham à mão de ferro de Salazar. Mais tarde, tornou-se menos política e mais literária – e foram muitos os colaboradores na meia centena de anos em que foi publicada: desde Raul Brandão e Aquilino Ribeiro a Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro ou José Gomes Ferreira. A boa notícia é que recentemente foi lançado um site da Seara Nova (julgo que com a colaboração do Seminário Livre de História das Ideias da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, que também já fizeram digitalizações de outras revistas) na Fundação Mário Soares e que ele permitirá o acesso à colecção completa desta revista histórica (ver link abaixo). Uma seara para semear e colher.
O nosso Fernando Pessoa vai dando pano para mangas e mais mangas – e agora é a vez de brilhar de novo o Livro do Desassossego. A magnífica Universidade de Coimbra (com o professor Manuel Portela à cabeça do projecto, como «editor») inaugurou recentemente um arquivo digital colaborativo do Livro do Desassossego, que contém imagens dos documentos autógrafos, novas transcrições desses documentos e ainda transcrições das quatro edições da obra (respectivamente, de Jacinto Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha, Richard Zenith (norte-americano) e Jerónimo Pizarro (colombiano). Além da leitura e comparação das transcrições, o Arquivo LdoD permite que os utilizadores colaborem na criação de edições virtuais da obra (que giro!) e a leiam de acordo com diferentes sequências dos fragmentos que foram encontrados (ui, isto vai dar mesmo para brincar ao Desassossego!). Desenvolvido entre 2012 e 2017, o Arquivo LdoD é o resultado de um projecto de investigação do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra (CLP), com a colaboração do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores em Lisboa (INESC-ID Lisboa) e da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). O projecto teve o financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e da União Europeia.
Nós, apaixonados pelos livros, temos uma dívida aos tradutores que nunca conseguiremos pagar. Eles têm sido os grandes responsáveis por terem chegado até nós milhares de textos de dezenas de idiomas que, de outro modo, nunca teríamos podido ler – e eu nem quero pensar o que teria sido ser privada de Homero, ou Rilke, ou Sándor Márai, ou Thomas Mann, ou Hermann Hesse, ou Mishima, ou Szymborska, ou Akhmatova, ou tantos mas tantos autores de línguas que não domino. Por isso, nunca é demais premiar quem faz traduções (boas, claro) e é hoje mesmo que, pelas 17h30, vai ser entregue o Grande Prémio de Tradução Literária SPA/APT 2017 a António Sousa Ribeiro pelo seu trabalho de tradução integral da peça Os Últimos Dias da Humanidade (cerca de 900 páginas!), do escritor vienense Karl Kraus. O premiado, catedrático da Universidade de Coimbra, tem-se dedicado bastante à tradução literária, especialmente de língua alemã. Houve ainda duas menções honrosas – e fiquei muito feliz por uma delas ter sido para a tradução portuguesa de A Vegetariana, assinada por Maria do Carmo Figueira. A Associação Portuguesa de Tradutores (APT), que fundou este prémio, declara que, com ele, procura «destacar a tradução como exercício de autoria em literatura, e dar ao tradutor o lugar que merece no mundo da cultura nacional e internacional». Parabéns aos premiados deste ano (e a todos os que traduzem bem). E obrigada, claro. Sem vocês, as nossas leituras seriam tão incompletas.
Hoje estava sem assunto (costumo escrever os posts com alguma antecedência mas tive uma valente gripe na semana passada e, para que os Extraordinários não ficassem a seco, gastei tudo o que tinha). Assim, resolvi aproveitar uma iniciativa da LeYa e divulgá-la, já que estamos perto do Natal e quanto mais gente puder ajudar melhor. Chama-se Vamos dar cor onde ainda há cinzas e mobiliza livrarias, escolas e famílias na ajuda às populações atingidas pelos incêndios de 2017 com a oferta dos bens que ainda fazem falta: material escolar, alimentos não perecíveis, produtos de higiene e limpeza, pequenos electrodomésticos, ferramentas, sementes, ração para animais e roupa tamanho XL e XXL (só estes tamanhos!). Se estiver interessado em colaborar, entre 6 de Dezembro a 6 de Janeiro, a sede da LeYa em Alfragide, a delegação de Serzedo, todas as livrarias LeYa em território continental e duas livrarias parceiras vão converter-se em autênticos pontos de recolha de bens destinados aos distritos de Aveiro, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu. Nesta quadra festiva, cada um de nós poderá ajudar a fazer a diferença para muitas famílias, doando bens que irão colmatar as necessidades locais identificadas junto das escolas e câmaras municipais desses distritos. Os bens reunidos serão posteriormente entregues pela LeYa nos agrupamentos escolares, câmaras municipais e associações dos distritos indicados. No âmbito desta iniciativa, a LeYa irá ainda doar mais de 5000 livros, para diferentes idades, às famílias afectadas pelos incêndios. Mais informações sobre esta iniciativa disponíveis no link abaixo:
Ui, já há muito que não me desloco com autores a essa livraria de Leiria que eu adoro, a Arquivo - e nem sei bem explicar porquê, mas talvez porque a maioria dos livros que publiquei este ano eram de autores que, na verdade, já alguma vez lá tinham estado, sozinhos ou acompanhados. O que é certo é que temos lá uma sessão marcada para hoje à tarde à roda de Os Loucos da Rua Mazur, o romance de João Pinto Coelho que venceu a mais recente edição do Prémio LeYa, e eu espero reencontrar muitos dos leitores que costumo ver pela Arquivo e com quem me habituei a ir pondo a conversa em dia de tantos em tantos meses. E bem assim a Susana Neves, que organiza estas sessões e sucedeu à Paulinha, que foi a minha anfitriã muitos anos. O livro, desde que saiu, já gerou uma polémica na Polónia, onde os jornais de extrema-direita ficaram muito zangados porque o episódio central de Os Loucos da Rua Mazur é um trágico incidente verdadeiro causado por católicos polacos durante a ocupação nazi. Mas a tentativa de branquear os factos não faz qualquer sentido, até porque anteriores presidentes da Polónia já pediram desculpa pelo sucedido. Além disso, estamos a falar de ficção, o que permitiria (embora não seja o caso) inventar uma história que nem sequer se tivesse passado. No entanto, passou-se e nós vamos também passar por Leiria mais logo para falar dela, esperando que, estando lá perto, nos possa vir fazer companhia.
Já não sei como, fui parar a um site que registava os 37 erros mais cometidos em português – tão comuns que, em relação a alguns, já nem damos por eles. Mas, se parte dos exemplos são coisas que todos nós já vimos, como trocar «há» por «à», dizer «há dez anos atrás» (haveria de ser à frente?), escrever «há-des» por «hás-de», ou confundir «come-se» com «comesse», a verdade é que alguns dos erros mencionados no artigo caíram de tal forma no uso corrente que até os que pensam que sabem bem a sua língua os cometem. Por exemplo: a expressão «Já agora», ao que parece, é incorrecta, uma redundância (percebe-se, «já» e «agora» querem dizer pouco mais ou menos a mesma coisa; e, porém se eu disser só «agora» ou só «já», não é o mesmo que dizer «já agora», lamento). Na mesma linha, encontrei o erro «mal e porcamente» que, afinal, é «mal e parcamente» (mas tendo a pensar que quase ninguém sabe isto). São também clássicos o erro «ovelha ranhosa» por «ovelha ronhosa» (esta, sim, a expressão correcta) e a troca de género na palavra «grama» quando se refere à medida de peso: é «um grama», e não «uma grama», evidentemente. Verificamos com frequência em jornais que as pessoas já não distinguem «sob» de «sobre» (uma tristeza!) e escrevem um terrível «concerteza» como se a expressão tivesse origem em «concerto» (mas não tem, é «com certeza, duas palavras!) Entre muitas outras, surpreendeu-me que «morrer à fome» não estivesse certo (sim, morre-se «de fome», como de frio, de ciúmes, de doença) e que dizer «pelos vistos» fosse asneira («pelo visto» é que está correcto). Sempre a aprender. Esqueceram-se de um outro erro que estou sempre a encontrar: «eminente» por «iminente». Deve ser o trigésimo oitavo.
Neste ano de 2017, morreu muita gente de relevo: desde logo Mário Soares, Simone Veil ou Helmut Kohl, mas também dois dos nossos maiores empresários, Belmiro de Azevedo e Américo Amorim, ou o notável biólogo Mário Ruivo, o músico Zé Pedro, o actor John Hurt, a coreógrafa Trisha Brown, o realizador Jonathan Demme. E a literatura também ficou visivelmente mais pobre, já que perdemos autores de variadíssimas áreas, do ensaio à banda desenhada, da poesia à ficção. Em Janeiro, deixaram-nos, por exemplo, John Berger, Ricardo Piglia e Zigmunt Bauman, todos sobejamente conhecidos. Em Fevereiro, o filósofo Todorov e Dick Bruna, o inventor da Miffy, essa coelhinha inesquecível. Em Março, chegou a vez do Nobel da Literatura Derek Walcott e do autor de As Pontes de Madison County, Robert James Waller. Em Abril partiram Fernando de Campos e Maria Helena da Rocha Pereira. Em Maio morreram Baptista Bastos e o Prémio Camões António Cândido. Junho ficou marcado pela morte do poeta Armando Silva Carvalho, do romancista Juan Goytisolo e do activista Alípio de Freitas. Já em Julho partiam a brasileira Elvira Vigna, o francês Max Gallo e o norte-amricano Sam Shepard. Depois das férias em Agosto (a morte fez as malas e desapareceu por um mês, o que só lhe ficou bem), em Setembro desapareceria o poeta John Ashbery e em Outubro Jorge Listopad. No mês passado, morreu o autor de BD Fernando Relvas… E espero que em Dezembro os autores se resguardem e possam todos celebrar o Natal em paz e com saúde. (E não pus todos os que morreram, garanto.)