Uma assinatura é uma marca de autoria, e em pintura, pelos vistos, vale dinheiro... Vi uma vez uma cena lamentável, em que um conhecido pintor português vendeu na inauguração de uma exposição um quadro original a uma pessoa que, na sequência da compra, lhe pediu que assinasse, já agora, também o catálogo. E o pintor recusou-se, alegando que a sua assinatura não era de graça... (Ainda bem que nunca gostei dos quadros desse homem.) É bem certo que há também muita gente que assina por baixo do que não escreveu mas com que concorda (petições há-as em grande número e eu já assinei várias); e eu até já me aborreci com um chefe que me pediu para responder a um questionário de um jornal mas queria ser ele a assinar as respostas, o que não permiti, ainda por cima porque nem sequer pensávamos da mesma maneira sobre aquele assunto. Também verifico com frequência, sobretudo em alguma imprensa regional, mas não só, que os textos que aparecem nas contracapas dos livros que publico (e que conheço muito bem) são reproduzidos na íntegra, sem aspas, nas páginas de crítica de livros assinadas por vários «jornalistas», ou aparecem com alterações mínimas (cortam um adjectivo, arranjam um sinónimo) numa secção chamada «As escolhas de...». Não seria, enfim, altura de se ganhar pelo que se escreve, e não pelo que se cita? Ou, pelo menos, de se indicar a fonte?
Há certos livros que, assim que lhes pomos a vista em cima, desejamos começar a ler. E, porém, às vezes a vida não nos deixa simplesmente tirá-los da estante, começá-los e levá-los por diante sem interrupções. São por isso abençoados os dias de férias, em que sabemos ter bastantes horas livres para dedicar à leitura. E, como quase sempre acontece, foi isso mesmo que fiz na semana em que saí de Lisboa, principalmente com um livro que me estava aqui atravessado e dá pelo nome de O Mundo de Ontem, publicado há uns dez anos (mas reeditado recentemente) pela Assírio & Alvim. Sou um pouco saudosista (que isto, por favor, não se confunda com qualquer apego ao regime de Salazar); e é nessa medida que um livro que conta as recordações de um tempo que se perdeu para sempre na Europa na voragem de duas guerras mundiais me suscita desde logo uma enorme curiosidade, maior ainda porque o seu autor é o grande escritor austríaco Stefan Zweig que, nascido em 1881, no seio de uma família de judeus abastados, viu ruir em pouco tempo o mundo de segurança em que fora educado, sendo obrigado a exilar-se num dos momentos mais trágicos da história europeia. Curiosamente, muito do que conta sobre a sua própria educação em Viena parece-se incrivelmente com a educação portuguesa anterior à revolução que (eu também o senti) ou estimulava para a descoberta de muito mais (ele e os colegas apaixonaram-se por tudo o que era arte e literatura por causa das aulas francamente desmotivantes que lhes eram ministradas), ou adormecia para sempre as mentes dos estudantes, tornando-os pouco reactivos, como convém de resto a quem manda... Mas isto é apenas um exemplo desse mundo de ontem, pelo que sugiro que leiam este magnífico testemunho de uma época desaparecida pela mão de uma pessoa que pensa as coisas com grande lucidez e, ainda por cima, escreve com incomparável riqueza. A tradução é de Gabriela Fragoso.