Aproveito para desejar a todos um excelente Natal com muitos livrinhos e, claro, um ano de 2019 tranquilo, com saúde e muitas alegrias. Eu vou fazer umas mini-férias, pois tenho parte da família longe de Lisboa, e por isso só regressarei aqui ao blogue no próximo dia 2 de Janeiro. Divirtam-se e não se empanturrem. E leiam, por favor. Até para o ano.
Acredito que quase todos os Extraordinários tenham problemas de espaço em casa no que toca à arrumação dos livros e, mesmo fazendo das tripas coração, se tenham de livrar de alguns de vez em quando, sob o risco de a casa vir abaixo… (Não estou a brincar: tenho um amigo que teve de alugar uma «box» numa arrecadação porque o senhorio lhe explicou que a casa não suportava o peso das estantes e havia perigo real de derrocada). Eu, nos últimos anos, já me libertei de bastantes livros – títulos repetidos (mesmo em edições diferentes ou de línguas diferentes), temas em que sei que não vou pegar, alguns textos que li e/ou publiquei mas não me parece que venha a revisitar. Ora, uma das plataformas que venceram em 2017 o Orçamento Participativo, e começarão agora a sua actividade, chama-se justamente LIVRAR e permite aos interessados livrarem-se dos livros que têm lá em casa e (já) não lhes interessam e trocá-los por outros (de que outros leitores se livraram pelas mesmas razões ou, por exemplo, porque herdaram dos pais e avós bibliotecas a que não sabem o que hão-de fazer). A troca faz-se no site da plataforma e é gratuita, bastando a cada pessoa registar-se para dar e receber, e o mesmo acontece com as bibliotecas que vejam interesse em renovar os seus stocks e que têm, aliás, preferência sobre os leitores individuais nos primeiros quinze dias. Assim, se tem livros para pôr à porta de casa ou no caixote do papel e cartão para reciclagem, reconsidere. Pode fazer alguém feliz e ganhar, ainda por cima, umas leituras em troca.
Às vezes descobrem-se coisas bem interessantes no Facebook – e foi completamente por acaso que dei com um vídeo belíssimo de meados dos anos 1960, no qual a grande escritora francesa Marguerite Duras entrevista o pequeno François, de 7 ou 8 anos, e este lhe dá respostas fascinantes. Era uma época em que a televisão ganhava terreno aos livros e já se preocupavam os intelectuais com o que poderia acontecer à cultura com o protagonismo alcançado em tão pouco tempo pela «caixa mágica». Mas, quando Duras pergunta a François, que é extremamente sério e expressivo, se ele prefere ler uma história ou ouvi-la na televisão,o rapazinho é categórico: lê-la. E porquê? Justamente porque, ao ler, ele é parte activa, faz parte integrante do projecto, e não sujeito passivo, como acontece quando é meramente um espectador e ouve alguém contar-lhe uma história. Este pequeno François deve ter hoje a minha idade – e deve estar, como eu, a perguntar-se por que raio tanta gente hoje prefere exactamente o contrário, ficar parado, quieto, à espera que os outros lhe dêem tudo feito… Um vídeo extremamente actual: basta substituir a televisão pelas novas tecnologias, e é tudo verdade. Deixo-vos o link:
Todos falamos com saudade das velhinhas bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que corriam o País de norte a sul com uma selecção de livros para todas as idades e paravam sobretudo em locais em que o acesso ao livro era difícil e não havia livrarias num raio de quilómetros. Conheço muitos excelentes leitores que se formaram com livros escolhidos nessas bibliotecas – o conhecido romancista José Luís Peixoto, por exemplo, conta sempre como a biblioteca itinerante foi importante para ele durante as suas infância e adolescência passadas em Galveias, no Alentejo. Mas, ao contrário do que poderíamos pensar, a ideia ainda não morreu completamente (passe o paradoxo): depois da tragédia dos incêndios, e em nome do Fundo de Apoio às Populações e à Revitalização das Áreas Afetadas, a Fundação Calouste Gulbenkian entregou ao Município da Sertã uma carrinha completamente adaptada aos serviços de biblioteca que, já no início do próximo ano, começará a visitar cerca de 240 lugares isolados ou cujos habitantes têm mobilidade reduzida, para distribuir livros e revistas, replicando a velhinha ideia que pôs em prática noutros tempos. A carrinha executará também outros serviços, como fazer fotocópias, dar acesso à Internet, preencher formulários, etc. Nunca é demasiado tarde para replicar uma boa ideia. Agradeça-se à Fundação.
Talvez os Extraordinários não saibam, mas o mercado editorial no Brasil está num estado absolutamente calamitoso. As coisas já não andavam de feição há imenso tempo, mas as duas principais cadeias de livrarias (Saraiva e Cultura) entraram em falência técnica; e isso quer dizer que não só muitas das cidades brasileiras ficarão sem uma única livraria (o que é tenebroso), mas também que os editores ficarão com créditos que não sabem se alguma vez vão conseguir receber (e, se conseguirem fazer acordos, de certeza que perderão cerca de 40% das quantias que lhes devem). Assim, também os pequenos editores, que em geral são os mais corajosos e publicam o que se vende menos (poesia, teatro...), entrarão em crise e, muito provavelmente, não se aguentarão. Mas também as editoras maiores, algumas pertencentes a multinacionais, com um respeitável número de funcionários, terão de despedir pessoas em várias áreas e, já se sabe, os assistentes editoriais, por diminuição da produção, são os que primeiro voam... Eu, que já estou nisto há trinta anos, já vi a mesma situação em Portugal, sobretudo com a falência de grandes distribuidoras nos anos 1990. Mas o Brasil é um país enorme, com a agravante de ter agora um governo que lida mal com a cultura e os intelectuais. É por isso que Luís Schwarcz, o editor da Companhia das Letras, escreve uma carta de amor aos livros que vale a pena ler. Deixo-vos o link e espero que, mesmo não sendo brasileiros, façam o que ele sugere, pede, diz. Por todos nós. E pelos livros.
Clarice Lispector, a muito apreciada escritora brasileira nascida na Ucrânia, teria feito anos (98, acho) no passado dia 10, e até o Google celebrou o seu aniversário colocando a sua carinha no motor de busca. A poetisa portuguesa Adília Lopes, à qual não falta verve, dedicou-lhe um poema que alguém partilhou nesse dia no Facebook e que também vos deixo. Bom fim-de-semana.
Todos sabemos que por cá a República foi bastante violenta naqueles anos longínquos em que se sucediam primeiros-ministros à velocidade da luz, se punham bombas, faltava o dinheiro, o caos era absurdo. Mesmo assim, o tempo que se seguiu foi bem menos caótico, mas muitas liberdades foram à vida… E é sobre liberdade que hoje vos falo, pois existe uma Escola Básica e Secundária em Lousada que funciona um pouco à maneira de um Parlamento no qual os jovens podem intervir e propor mudar algumas regras instituídas. O projecto – que valeu à dita escola a designação de Amiga da Criança – chama-se República dos Jovens e, entre outras coisas, esta República conseguiu a alteração do estatuto que regia a conduta dos alunos para algo mais próximo do que estes pretendiam. Todos têm voz, estão representados e têm voto na matéria, influenciando muitas vezes as decisões da direcção (que agradece a ajuda, porque há certas coisas que estão mal na escola mas os directores desconhecem por não andarem a brincar no pátio ou a comer no refeitório). Sentindo que confiam neles, os alunos não se armam em parvos pedindo o impossível, conscientes de que quem tudo quer tudo perde, e aprendem a reflectir, pesar situações, negociar, apelar à justiça. E a disciplina aumentou imensamente. Uma bendita República.
Na sexta-feira passada foi anunciada a vencedora do Prémio Oceanos (antigo PT), a poetisa Marília Garcia, com a obra Câmera Lenta. Li poucas coisas desta autora, e prometo estar atenta aos seus livros daqui por diante. Com ela, estava na final o poeta português Luís Quintais e o moçambicano Luís Carlos Patraquim, que foram distinguidos, respectivamente, com os terceiro e quarto prémios. Em segundo, ficou o único romancista galardoado, Bruno Vieira Amaral, com Hoje Estarás Comigo no Paraíso, romance de que já aqui falei no blogue e recomendo, sendo que o primeiro romance deste autor, As Primeiras Coisas, arrecadou o Prémio Literário José Saramago e o Prémio Fernando Namora e está para sair no Brasil no início de 2019. Agora vão querer de certeza absoluta publicar também o segundo... e a correr. Para o ano há mais.
Em tempo: Ontem tive um problema com o computador e por isso só hoje vi a maioria dos comentários do post anterior. Não me importo que comentem, mas importo-me, e muito, quando esses comentários são agressivos e mesmo insultuosos. Não direi isto mais nenhuma vez.
Aqui há tempos alguém me disse que antigamente as pessoas tomavam conta dos animais e que hoje são eles que tomam conta das pessoas. De algumas, pelo menos, que até dizem que quanto mais conhecem as pessoas mais gostam de animais. Por mais que entenda que os animais merecem o nosso maior respeito, há limites (já dizia a minha avó, tudo quanto é demais é erro). Na semana passada, com a história da flatulência carbónica das vacas, os animais estiveram em todas as primeiras páginas dos jornais durante vários dias, e com razão, porque a produção de carne animal consome um quarto da água do planeta. Por outro lado, já deito PAN pelos cabelos com suas ideias estapafúrdias, como a reivindicação de horário de trabalho para os cavalos que puxam as charrettes dos turistas em Sintra... E, como se isso não bastasse, agora é o seu braço activo, a PETA, que quer alterar os provérbios portugueses, não vão os bichinhos ofender-se com certas tiradas ditas pelos humanos. Haja paciência: a proposta é alterar expressões como «pegar o touro pelos cornos» por «pegar a flor pelos espinhos», como se o touro falasse línguas e tivesse um curso de semântica... Além disso, não podemos levar tudo à letra, e no provérbio o touro é apenas um símbolo de outra coisa, não o animal propriamente dito. Senão, vejamos: como li num comentário do Facebook, PAN também é uma onomatopeia para tiros, não seria então melhor o partido dos animais mudar de nome antes de ser acusado de promover o uso das armas e a violência?
Dirão que há nisto um lado preguiçoso, porque assim faço um post sem ter de pensar muito... Não deixa de ser verdade, mas quantos trabalhos académicos não vivem de citações e referências? Pois a verdade é que hoje acho interessante citar, mesmo que me acusem de estar a puxar a brasa à minha sardinha por ser nada mais nada menos do que a editora do autor que cito, Afonso Reis Cabral. Mas o assunto é actual e importa a todos, tem ainda que ver com a leitura de Os Maias, que entrou, saiu e voltou a entrar no programa de ensino como obra obrigatória, que muitos professores dizem que os alunos deste tempo já não compreendem, que muitos professores não leram quando tinham a idade deles (não nos iludamos), cujo título é muito referido no Dia Mundial do Livro como releitura quando os jornalistas perguntam aos políticos o que andam a ler (e provando que não estão a ler coisa nenhuma a maioria das vezes) e que é simplesmente um dos romances mais incríveis e geniais da língua portuguesa. A revista Visão publicou uma carta aos alunos que não querem ler Os Maias daquele que é, além de um jovem romancista muitíssimo talentoso, um descendente do próprio Eça. Ei-la aqui em baixo. Leiam-na. E até amanhã.