Li no Expresso um artigo muitíssimo interessante de Clara Ferreira Alves (grande fã de Michael Jackson) sobre Leaving Neverland, o documentário em que dois homens ainda jovens falam pela primeira vez publicamente dos abusos sofridos às mãos de Michael Jackson quando eram crianças. Recomendo a sua leitura e, se se derem ao trabalho, perceberão porquê: não se confunde a admiração sentida por um artista com os actos terríveis da sua vida privada. O que não posso recomendar é a entrevista ao The Times em que a amiga do artista Barbra Streisand minimizou os danos sofridos pelos dois homens ao dizer que os actos pedófilos de Jackson não os mataram, que eles até se casaram e tiveram filhos, e que o músico devia ter necessidades sexuais especiais por causa do que lhe aconteceu na infância (parece que ele próprio foi vítima de abusos). Depois pediu desculpa, mas... foi tarde demais. As necessidades especiais de Michael Jackson eram certamente de tratamento psiquiátrico pelos traumas de infância, e a pedofilia não pode funcionar como terapia em caso algum. Barbra também está a precisar de tratar da cabecinha. E de ler o artigo do Expresso.
Se me encontro um pouco cansada (e desconfiada) em relação a muito do que hoje se faz em algumas artes visuais (instalações, instalações, instalações), o meu interesse tem crescido noutras áreas que com essas se tocam, como a arquitectura, o design ou a fotografia. Daí que possa considerar uma excelente surpresa a oferta recentíssima (na verdade chegou anteontem pelo correio) de um livro – como classificá-lo? – de verdades e recordações assinado (e autografado, ainda por cima!) por Enrico Baleri, um designer e arquitecto italiano. Juro! (é um primeiro volume), foi publicado pela editora Exclamação e prefaciado por Maria Bochicchio, uma professora italiana que vive há muitos anos em Portugal, que é também uma das tradutoras, com José Manuel Vasconcelos e Maria da Luz Machado. O livro tem a aparência de um tijolo, mas é tudo menos pesado ou massudo. Efectivamente, em cada duas páginas, tem «apenas» um título, um texto normalmente curto e uma imagem (fotografia ou pintura). E tão depressa passam por lá filmes de Fellini como árvores amadas ou simples fotografias dos netos do autor, por sinal, bem bonitos. Pequenas lembranças e episódios de vida que servem para trazer o passado para o presente, que são individuais mas inequivocamente universais, eis um livro bonito e diferente que vale muito a pena espreitar e ler aos bocadinhos, degustando. Mas que belo presente.
Falamos muitas vezes aqui no blogue (os Extraordinários nos seus comentários, bem entendido) das saudosas bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, montadas em carrinhas que atravessavam o País de lés a lés, parando em locais onde não havia livrarias e distribuindo livros por crianças e adultos. Descobri, porém, umas antecessoras curiosíssimas na América da Grande Depressão: bibliotecárias que, em plenos anos 1930, andavam quantas vezes mais de uma semana fora, a cavalo, para distribuírem livros pelos seus conterrâneos em zonas isoladas dos EUA. Geralmente, os destinatários eram pessoas que não tinham acesso à cultura de outro modo e que assim mesmo tinham de dar uma educação aos filhos. Então, o presidente Franklin Roosevelt criou a Pack Horse Library Initiative para que os Americanos se pudessem informar e estudar e, desse modo, arranjassem mais facilmente emprego numa época em que as coisas andavam mesmo mal. As bibliotecárias atravessavam estradas e caminhos lamacentos só para entregarem os livros. Estes eram frequentemente doados por bibliotecas fixas nas capitais do Estado onde as senhoras os levantavam regularmente. Deixo-vos com algumas das fotografias do artigo do History Daily onde dei com esta bonita notícia.
Quando saiu aquela legislação relativa à protecção de dados, chegavam sei lá quantos e-mails por dia a perguntar se eu queria continuar a receber informação deste e daquele rementente. E não hesitei em manter a recepção da newsletter do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) porque, regra geral, traz coisas muito interessantes e boas sugestões para as manhãs de domingo. A prová-lo, a actividade que amanhã se realiza: uma homenagem ao jornalista e escritor Paulo Varela Gomes, que teve uma carreira literária curta mas promissora e infelizmente interrompida bruscamente antes do que seria desejável, em 2016. Morreu deixando, creio, três livros de ficção, mas, como jornalista, dedicava-se bastante à crítica de arte e julgo ser nesse sentido que o MNAA o recordará amanhã, pelas 18h00. Os intervenientes serão, além de António Filipe Pimentel, director do museu, Alexandra Markl, Miguel Figueira de Faria, Raquel Henriques da Silva e Joaquim Oliveira Caetano.
O pai de Gabriel García Márquez dizia que o filho devia ter dois cérebros, pois duvidava de que alguém que tivesse apenas um fosse capaz de tanta imaginação desde criança… É verdade que o seu querido Gabito (parece que lhe chamavam assim em pequeno) evidencia esse inegável talento para efabular em muitos dos seus romances, desde logo em Cem Anos de Solidão; mas diz-se que também na vida real criou algumas «lendas» sobre o destino de manuscritos e versões dactilografadas de livros seus. Parece, por exemplo, ter contado que metade das páginas de um dado romance se perdera porque, quando chegou aos Correios para as mandar ao editor, não tinha dinheiro suficiente para pagar o selo; e, como nessa altura o valor dependia do peso, mandou ao editor a primeira metade e o resto ficou para o dia seguinte. Ao editor, porém, só chegaria o segundo pacote… Disse também que não sabia o que era feito do dáctilo-escrito corrigido à mão da sua obra mais emblemática e que tinha um grande desgosto por o ter perdido. Mas agora descobriu-se que, afinal, o tinha oferecido ao próprio revisor do livro, o crítico mexicano Emmanuel Carballo, embora o filho do escritor colombiano estivesse convencido de que o pai destruíra todos os esboços e provas dessa obra maior. A descoberta vai, porém, deixar muita gente feliz, sobretudo os estudiosos do autor, que vão poder saber o que estava no livro antes da versão final. Se Gabo mentiu de propósito ou já não conseguia senão inventar, não sabemos.
Ainda no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Poesia, amanhã à tarde haverá leituras no Centro Cultural de Belém, como, de resto, é hábito de há uns anos a esta parte. Alguns poetas portugueses (Nuno Júdice, Pedro Mexia, esta vossa criada...) e gente ligada à música (o fadista Camané, Luís Represas, entre outros) foram «arrebanhados» para ler poesia da América Latina. Lerei dois poemas, um colombiano e outro da Costa Rica. Se tiverem curiosidade em saber quais, apareçam no CCB depois de almoço. Bom fim-de-semana!
Hoje, não sei se sabem, celebra-se o Dia Mundial da Poesia e, à semelhança do que tem sido feito nos últimos anos, a Casa Fernando Pessoa inaugura uma feira do livro dedicada a este género literário no bairro de Campo d’Ourique, mais precisamente no Jardim Teófilo Braga, conhecido por Jardim da Parada. Nesta feira, de quinta a domingo, estarão presentes com stands próprios editoras pequenas que publicam preciosidades que, dadas as regras do mercado, nem sempre conseguem ser colocadas nas livrarias mais frequentadas. Falo, por exemplo, da Abysmo, da Mariposa Azual (não é gralha, é mesmo Azual), da Douda Correria, da Averno, que publicam poesia de autores excelentes. Esta tarde haverá um recital no antigo Cinema Europa, pelas 18h30, pela voz da actriz Beatriz Batarda, acompanhada pela música de Nuno Rafael, e amanhã um outro, da responsabilidade de João d’Ávila. Mas o programa é extenso, envolve também a Casa Llansol e pode ser consultado no link abaixo. Aproveitem!
Alguém, acho que no Facebook, partilhou um texto muito interessante de uma escritora norte-americana chamada Grace Paley (confesso que nunca a li, mas fiquei com vontade). Dizia assim: «As mulheres escrevem de uma maneira diferente da dos homens. As mulheres sentem-se confortáveis falando do que é pessoal, ao contrário dos homens. As mulheres sempre compraram livros escritos por homens, sabendo que não eram livros sobre elas. Mas continuaram a fazê-lo com grande interesse, porque era como ler sobre um país estrangeiro. Os homens nunca devolveram essa gentileza.» A revista que citava a escritora Paley, uma publicação espanhola com edição brasileira (seria o El País?), sugeria então livros escritos por mulheres que os homens deveriam ler. E, juntando alguns desses a outros de que me fui lembrando, forneço aqui mais de uma dúzia de títulos de ficção escrita por mulheres que porão certamente os homens a pensar (mas que todos devemos ler, independentemente do sexo). Eles aí vão:
O Deus das Pequenas Coisas, Arundhati Roy
Rebecca, Daphne du Maurier
A Balada do Café Triste, Carson McCullers
Cisnes Selvagens, Jung Chang
Persépolis, de Marjane Satrapi
Jane Eyre, de Charlotte Brontë
Lila, de Marilynne Robinson
Manual para Mulheres de Limpeza, Lucia Berlin
A História de Uma Serva, de Margaret Atwood
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector
Diários, Anaïs Nin
Orlando, Virginia Woolf
Bonjour Tristesse, Françoise Sagan
A Campânula de Vidro, de Silvia Plath
Um Bom Homem é Difícil de Encontrar, Flannery O’Connor
Hoje é Dia do Pai, e tenho muitas saudades do meu. Ao contrário de mim, que tenho tendência para a melancolia, o meu pai tinha um talento natural para a graça e um sentido de humor incrível. E possuía um manancial de histórias formidáveis para contar, que deveríamos ter gravado ou apontado enquanto era vivo, já que o mais provável é que se percam na nossa geração (os netos eram quase todos bastante pequenos quando ele morreu e alguns nem nascidos eram). Pois houve alguém (a editora Esfera dos Livros) que teve agora uma belíssima ideia e que, mesmo que o objectivo tenha sido apenas facturar à custa de filhos preguiçosos que não sabem o que oferecer ao pai neste dia, acertou na mouche. Criou um livro-caderno (sim, lá dentro as páginas são todas brancas), intitulado Pai, Conte-Me a Sua História, para que os filhos entrevistem os pais sobre a vida deles e registem as suas memórias, passando juntos momentos que de certeza não esquecerão. (As recordações do pai escritas pela mão do filho também podem ajudar os mais novos a melhorar a sua caligrafia, claro, uma vez que hoje a juventude se limita praticamente às teclas quando quer comunicar). Este é um bom presente para pai e filho que, mais tarde, pode vir a ser lido a netos e bisnetos, mantendo vivas as histórias da família.
Li com atenção em vários jornais, diários e semanários, artigos e crónicas lamentando o fecho da Tema. A Tema era uma loja muito antiga na Praça dos Restauradores, em Lisboa, que vendia a melhor selecção de jornais e revistas estrangeiros em Portugal inteiro. Lá, era possível encontrar coisas mais ou menos fáceis de encontrar noutros sítios como o Le Figaro, o The New York Times, o Nouvel Observateur ou o The Guardian, publicações para grupos mais restritos como o Magazine Littéraire, a New Yorker ou a London Review of Books, mas também imprensa muito específica dedicada à moda, ao design, à arquitectura, ao cinema, à fotografia, à ciência..., em suma, a qualquer coisa de que nos lembremos (li no Público que até sobre látex havia lá uma revista, calculem). A Tema fechou portas e, pronto, toda a gente chorou, chamando-lhe até um "escândalo cultural". E percebo que tenham chorado pessoas como Miguel Esteves Cardoso, criadas desde pequeninas com a cultura inglesa, ou embaixadores que se habituaram a ler a imprensa estrangeira, ou artistas que aprenderam com o que se faz lá fora, ou intectuais que acompanham a "cena internacional". Mas, entre os que choraram, haveria assim tantos a ler, ainda hoje, jornais em papel? Não creio. Vejo cada mais mais gente a consultar as notícias online gratuitamente e cada vez mais apelos dos jornais a que os leitores contribuam com alguma coisa. Por isso, qual é a admiração com o fecho da Tema? Não aguentou ela muito tempo? Se ninguém já lê jornais em papel, como ter uma loja de porta aberta para os vender?