Este é um ano literariamente especial: não só é o centenário do nascimento de dois poetas portugueses espectaculares (Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, que de resto foram amigos e correspondentes), mas também o 50º aniversário de Mário Cláudio como escritor e o 40º aniversário da vida literária de Lobo Antunes (são de 1979 os romances Memória de Elefante e Os Cus de Judas), Alice Vieira e António Mota. E, internacionalmente, vamos ter uma raridade: dois Prémios Nobel da Literatura no mesmo ano! Não há ano como este.
Hoje homenageio o nosso caçador de serviço, António Luiz Pacheco, com este post dedicado a um livro que, segundo leio no Público, e de acordo com as declarações do director-geral das Belas Artes espanholas, é uma obra fundamental para o estudo da arte de... caçar! Pois, intitula-se Livro da Montaria e foi redigido no século XV, em pleno reinado de D. João I de Portugal, estando há muitos anos guardado na Galiza, no Arquivo Provincial de Lugo. Acontece, porém, que um qualquer aficionado da caça (ou seria alguém apenas mal formado?) não resistiu e roubou (caçou) em 1995 uma folha deste volume emblemático da literatura medieval portuguesa, fragmento manuscrito que, ao desaparecer, deixou a obra incompleta. Mas a Polícia de Espanha conseguiu recuperar a dita folha no ano de 2014 (custou, mas foi), e o Ministério da Cultura do país vizinho responsabilizou-se pelo seu restauro e digitalização, tendo-a devolvido agora ao livro e à Galiza, onde pode ser de novo consultada, quiçá pelo nosso caçador Extraordinário. Tudo está bem quando acaba bem.
No dia 2 de Abril, alguém me chamou a atenção para o facto de não ter referido aqui no blogue que se tratava do Dia Mundial do Livro Infantil… E tinha razão: temos de celebrar esse dia, até porque é de pequenino que se torce o pepino e, se queremos ter leitores no futuro, temos de apostar neste segumento. Ora, um pouco mais tarde do que seria desejável, venho então propor a consulta a todos os que se importam com o que dão a ler às crianças de um artigo publicado na Time Out sobre oito livros recentemente publicados que todas as crianças devem ter em casa (e, obviamente, ler) por conjugarem de forma muito apelativa texto e ilustração e, além disso, servirem aos leitores para crescerem e aprenderem. O link vai abaixo, mas queria, desde já, destacar Metade, de Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso, da Planeta Tangerina, por ser uma obra belíssima sobre como as caras-metades se encontram (e o amor é sempre um grande tema!) e, puxando a brasa à minha sardinha, Não te Afastes, de David Machado, que é um livro que também os adultos adoram ler sobre a perda, a culpa, o luto e uma amizade inesperada. Espero que gostem, do artigo e dos livros!
A cultura francesa sempre foi um exemplo para muitos países, e várias gerações de portugueses foram, durante a ditadura, formadas pelo ensaio e a ficção vindos de França, quer de autores francófonos, quer em tradução. Mas também por lá os índices de leitura têm vindo a baixar com o visionamento apelativo das séries em streaming e o recurso constante ao smartphone. Leio, porém, no L’Humanité uma notícia sobre uma medida tomada por uma escola de Paris, com o apoio da associação Silence, on lit!, que parece boa para combater o problema. Depois do toque do fim do recreio da hora de almoço, exactamente às 13h25, estejam em que lugar estiverem dentro da escola, todos têm de pegar num livro e ler durante um quarto de hora (e atenção: até podem já estar sentados na sala de aula!). E não são apenas os alunos que têm esta obrigação, mas todo o pessoal da escola, incluindo auxiliares e professores. A escolha do livro é à vontade do freguês: aconselha-se o aluno a continuar o livro que já começou, mas não há restrições a temas, géneros ou autores, e isso torna o momento especial, porque é leitura obrigatória sem livro obrigatório. Os miúdos contam que antes não liam muito mas que, depois de aquele momento se tornar um ritual, começaram a gostar, sobretudo porque os relaxava a seguir à refeição e criava motivos de conversa com os colegas e posteriores trocas de livros. Muitos deles passaram então a comprar mais livros e ir à biblioteca com mais regularidade. Não seria de aplicar isto por cá?
O Ano da Morte de Ricardo Reis é o romance de Saramago de que, regra geral, os intelectuais mais gostam e aquele que ombreia com Memorial do Convento nas escolhas dos alunos do Secundário. Passados que estão 35 anos da sua publicação, vai tornar-se filme pela mão de João Botelho, experiente nestas coisas de adaptar literatura portuguesa (já o fez com Os Maias, de Eça de Queirós, e Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, heterónimo de Pessoa). A rodagem iniciou-se no mês passado e o elenco vai contar com o actor brasileiro Chico Díaz no papel de Ricardo Reis, e ainda com Luís Lima Barreto como Fernando Pessoa, Catarina Wallenstein como Lídia e Victoria Guerra como Marcenda, entre outros. Prevê-se que o filme fique pronto ainda este ano. Na revista Blimunda, da Fundação José Saramago, diz-se que nessa altura poderemos ver como Botelho leu este romance que «tem como personagens um ano, uma cidade, um poeta, um fantasma, uma criada de hotel, uma jovem com um braço morto, um marinheiro comunista…». Pois, não vai ser fácil, mas vamos esperar o melhor. Só espero que os meninos do Secundário não vão ver o filme a pensar em escapar ao romance…
À hora a que os Extraordinários lêem este meu post, estarei, se tudo correu bem, em Badajoz, lendo e conversando sobre poesia com alunos do Secundário e, mais tarde, numa sala maior, com o público em geral. A iniciativa já contemplou outros poetas portugueses (como Ana Luísa Amaral ou Nuno Júdice, mas também o escritor de canções Sérgio Godinho) e, claro, muitos poetas espanhóis. Chama-se «Aula de Poesia Díez Canedo» e celebra, evidentemente, Díez Canedo, poeta pós-modernista nascido em Badajoz, que viria a morrer na Cidade do México em 1944. Ora, deixo-vos então a crónica um dia mais cedo, porque amanhã não há post, agora só na segunda.
Reabriu recentemente uma biblioteca na Avenida Rio de Janeiro, em Alvalade: a Biblioteca Manoel Chaves Caminha, que esteve em obras desde o verão passado e renasce agora de carinha lavada e agenda cheia, incluindo uma comunidade de leitores orientada pelo escritor Gonçalo M. Tavares. Agora, além do posto de atendimento no rés-do-chão, o primeiro piso é composto por uma sala dedicada ao público infanto-juvenil, com livros, jogos e uma tenda de circo. No último piso, com luz natural, destaca-se o espólio deixado por Manoel Chaves Caminha. A biblioteca quer receber as famílias aos sábados de manhã e tem já agendadas sessões sobre as obras-primas de Homero como tema de conversa. Também estão planeadas sessões de encontros com escritores coordenadas pelo jornalista José Mário Silva, uma das quais acontece já no dia 13 de Abril com Maria Teresa Horta. Em Maio haverá “Alvalade Capital da Leitura”, um festival literário que decorrerá em vários locais da freguesia, entre os dias 16 e 25, e também na biblioteca. São boas notícias, claro.
Já lá vão trinta anos que o Prémio Camões – o mais importante galardão para a literatura de língua portuguesa – foi, pela primeira vez, atribuído. A quem? A Miguel Torga que, ao que li, disse ao recebê-lo: «Queria ser no mundo, como em letra redonda o declarei, um homem, um artista e um revolucionário.» Não poderia, pois, o Espaço Miguel Torga (complexo cultural belíssimo nascido do risco harmonioso de Eduardo Souto Moura, em São Martinho da Anta, terra onde podemos ver ainda a casa do escritor) deixar de comemorar o acontecimento; e é já hoje à noite que passa o espectáculo Palavras Talhadas em Rocha (lembrem-se de que o nome verdadeiro do escritor era Adolfo Coelho Rocha), composto por leituras de poesia, contos e passagens dos diários deste autor feitas pelo jornalista cultural João Morales, acompanhado pelo violino de Maria do Mar e pelo clarinete de Juan Cato Calvi. A entrada é livre. Uma bela maneira de recordar o grande escritor que, durante muitíssimos anos, foi o candidato português ao Nobel da Literatura.
Pronto, hoje é dia de dizer o que ando a ler. Para não fugir muito do habitual (e porque os Extraordinários não ligam grandemente à poesia), tenho em mãos um romance, uma tradução do francês feita por Artur Lopes Cardoso de um texto assinado por um escritor de quem gosto muito: Philippe Claudel, autor de um dos meus livros preferidos, o excelente Almas Cinzentas. O novo, acabadinho de sair, tem lugar num arquipélago imaginário de origem vulcânica (Arquipélago do Cão é, de resto, o título), um lugar sem grande valor para o país a que pertence, mas que está em vias de entrar no mercado do turismo por causa das suas excelentes águas termais, atraindo investidores e, com a hotelaria e a construção, conseguindo manter na ilha os habitantes que antes migravam para o continente assim que chegavam à idade adulta. Porém, dão à costa numa praia pedregosa da ilha três negros, por certo migrantes fugidos de África num desses botes de borracha que a toda a hora naufragam nas águas do Mediterrâneo. E a publicidade a tal caso pode inibir os projectos e os turistas, pelo que o melhor é encontrar uma cratera bem funda onde «despejá-los»... Mas os vulcões podem ser vingativos, e a terra treme várias vezes neste romance. Vou mais ou menos a meio e estou obviamente curiosa em relação ao final. O livro foi publicado pela Sextante e Claudel esteve recentemente em Portugal para o seu lançamento.