Tendo-se comemorado no início desta semana os 75 anos da libertação pelos russos do campo de extermínio de Auschwitz-BIrkenau, o suplemento «Babelia», do jornal espanhol El País, traz um interessante artigo sobre livros de mulheres que sobreviveram à experiência do campo: Charlotte Delbo, Ginette Kolinka e ainda os testemunhos de Liliana Segre, Goti Bauer e Giuliana Tedeschi reunidos pela autora Daniela Pardoan. Uma perspectiva feminina da vida nos campos da morte. O artigo aqui:
Há uns dias que saiu e está à venda um livro simplesmente maravilhoso. Não só por dizer respeito a um homem ímpar (Miguel Torga), não só por ter sido editada pela mão de um professor excelente (Carlos Mendes de Sousa), mas acima de tudo por ser certamente um dos últimos livros de cartas que veremos publicados em Portugal, uma vez que já ninguém escreve senão e-mails e SMS que, pela sua natureza geralmente apressada, também já ninguém guarda. Este volume, Cartas para Miguel Torga, reúne um conjunto de missivas enviadas ao escritor e assinadas por grandes figuras da cultura portuguesa e alguns escritores estrangeiros. Pessoa, Nemésio, Jorge Amado, Eduardo Lourenço, Mário Soares, Sena, Gonzalo Torrente Ballester, são apenas alguns nomes dos vários correspondentes, cujas cartas ajudarão não só a compreender o universo íntimo e pessoal de Torga, mas toda uma época cutural e literária. Inclui elogio e ressentimento e, claro, alguma sofisticada maledicência. Publica a Dom Quixote.
Ainda falta quase um mês para a 21.ª edição das Correntes d’Escritas, mas já se conhecem os finalistas do Prémio Literário Casino da Póvoa que, desta feita, é atribuído a um romance (a categoria de ficção alterna com a de poesia e as obras concorrentes correspondem aos lançamentos de dois anos). O júri, composto por Ana Daniela Soares, Carlos Quiroga, Isabel Pires de Lima, Paula Mendes Coelho e Valter Hugo Mãe, seleccionou, de um conjunto de 120 romances, 15 finalistas, dos quais publiquei dois: Memórias Secretas, de Mário Cláudio; e O Nervo Óptico, da argentina María Gainza. Mas a lista é muitíssimo variada, incluindo autores que já receberam este prémio no passado (Lídia Jorge, por exemplo, que desta vez concorre com Estuário); autores famosos como o Prémio Camões Mia Couto (que assina O Bebedor de Horizontes) ou o cubano Leonardo Padura que venceu o Prémio Princesa das Astúrias (e que concorre com A Transparência do Tempo); autores mais novos mas bastante lançados como Joana Bértholo (Ecologia); e mesmo escritores que se estrearam há menos tempo, como o vencedor do Prémio Agustina Bessa-Luís Rui Lage, que escreveu O Invisível, um livro que fala de Pessoa. Pelo menos, desta vez ninguém se pode queixar de que sejam sempre os mesmos. O anúncio do vencedor – que ganhará 20 000 euros – será feito na inauguração do encontro, como sempre. Que ganhe o melhor.
Na semana passada, os jornais deram conta da morte de Terry Jones, escritor e actor que integrou os Monty Python, colectivo de comédia britânico absolutamente genial, responsável por uma série que eu não perdia nem por nada na adolescência – The Monty Python Flying Circus – e vários filmes, entre os quais destaco A Vida de Brian. Escreviam sketches notáveis de ir às lágrimas e influenciaram várias gerações de humoristas. E evoco-os aqui no blogue porque uma das cenas que me ficaram gravadas na memória dessa série televisiva tem que ver com... sim, livros. Um tipo bate à porta de uma casa e, de dentro, outro tipo pergunta quem é. O de fora responde que é um gatuno e que vem fazer um assalto, mas o dono da casa, longe de se assustar, pergunta apenas se ele está a dizer a verdade e é mesmo um gatuno, se o está a tentar enganar; ao que o outro responde que sim, que é um simples ladrão e vem assaltá-lo. Então, o dono da casa espreita pelo olho-de-boi para ver que tipo de pessoa tem à porta e, não muito convencido de que se trate de um assaltante, insiste: «Mas tem mesmo a certeza de que é um ladrão? Jura que não é um vendedor de enciclopédias?» No fim, era mesmo um vendedor de enciclopédias a passar-se por ladrão… As vendas de livros porta a porta tiveram a sua época, mas esta rábula nunca me saiu da cabeça. Paz à alma de Terry Jones.
Aqui há tempos fez furor a fotografia de um futebolista português lendo, no intervalo dos treinos, um romance de José Saramago. Devia ser normal, claro, uma pessoa gostar de ler, independentemente da sua profissão; mas infelizmente é muito raro encontrar-se alguém ligado ao futebol que aproveite as horas livres para pegar num livro – e daí que a fotografia tenha dado origem a notícias e referências em jornais, blogues e, claro, nas redes sociais. História parecida passou-se agora com outra classe de profissionais que, pelos vistos, não serão muito dados à leitura: os modelos… Há, porém, excepções – e a filha de Cindy Crawford, Kaia de seu nome, apareceu fotografada em muitas revistas com um romance debaixo do braço de que, por estes dias, diz que não se tem conseguido separar. Trata-se de As Travessuras de Uma Menina Má, do nobelizado peruano Mario Vargas Llosa. Mas não é a única manequim que lê: duas outras colegas na arte de passar modelos, as manas Bella e Gigi Hadid (que devem ter uns ricos pais, ainda bem), também andam a ler, respectivamente, obras de Stephen King e Albert Camus. Nem tudo está perdido.
Recebo há anos a programação das actividades portuguesas apoiadas pelo serviço cultural da nossa embaixada em Londres. Há sempre muita música; desta vez até espanta a quantidade de artistas de grande gabarito, como Salvador Sobral (que vai estar no Barbican), António Zambujo ou Ana Moura, entre outros. Há também teatro e exposições de vez em quando. Mas a literatura é, infelizmente, o parente pobre. Desta feita, o anúncio inclui uma sessão de leitura da obra do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto. A língua é comum, mas não há tanto poeta português que também merecia destaque....?
Lisboa vai ter o seu festival literário. Cá para nós, com tanto festival pelo País fora, poderia parecer estranho a capital estar de fora... Bem, a primeira edição do Cinco L (assim se chamará o encontro) será inaugurada no dia 5 de Maio, escolhido pela UNESCO como Dia Mundial da Língua Portuguesa (suponho que, além de l de literatura, outro dos cinco l seja de língua). Diz-nos a revista Time Out que a festa incluirá várias expressões artísticas e que a programação, ainda em segredo, estará a cargo de José Pinho, responsável também pelo FOLIO de Óbidos e a bela Livraria Ler Devagar, bem como sócio-gerente da Livraria Férin no Chiado, além de conhecedor de certames no estrangeiro, onde assegurou a livraria do stand de Portugal nas feiras de Sevilha, Madrid e Guadalajara, no México. A proposta de um festival internacional de escritores em Lisboa partiu do PCP. Promovido pela Divisão de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, «vai distribuir-se por diferentes espaços da cidade, desde bibliotecas e teatros municipais a cinemas, livrarias e cafés.» Vamos esperar para saber.
A Livraria Lello anda cheia de ideias. Desta feita, pretende homenagear a obra maior da língua portuguesa, o poema de Camões que narra a viagem de Vasco da Gama, através de uma proposta original, que é a de, pedindo a gente de todas as áreas e quadrantes, conhecida e menos conhecida, que manuscreva uma estrofe da epopeia, compor uma versão totalmente manuscrita d'Os Lusíadas. Encarregou para isso um dos mais novos escritores portugueses, recentemente premiado com o Prémio Literário José Saramago, Afonso Reis Cabral, para percorrer todos os lugares por onde andou o desinquieto poeta (a Índia, Moçambique, o Vietname...) e escolher quem vai transcrever, uma a uma, as estâncias da nossa epopeia (para alguns, sobretudo os mais novos, vai ser preciso prestar muita atenção para não se enganarem, pois com a linguagem reduzida que utilizam no quotidiano não vai ser nada fácil assimilar o texto de Camões). Este Novo Canto para os Lusíadas, como se chama o projecto, terá o acompanhamento da revista Visão e foi anunciado nos 114 anos da Lello, em 13 de Janeiro último. Afonso Reis Cabral fará o diário da sua viagem.
Estamos no início de uma nova década (ou será só para o ano?) e a Wook pediu a um pequeno grupo de editores portugueses, incluindo-me generosamente entre os escolhidos, que destacassem três livros publicados em Portugal desde 2000. Foi muitíssimo difícil seleccioná-los, porque todos os dias saem livros e só poder referir três é uma tremenda limitação. Também temos sempre mais presentes os livros que saíram há menos tempo e, por isso, tive de investigar para ver o que foi publicado nos primeiros anos do século. Por fim, aconselharam-me a incluir um livro publicado por mim, e preferi apresentar o romance de uma autora estrangeira que foi pela primeira vez publicada em Portugal porque os portugueses são muitos e cada um no seu género e não se torna nada fácil eleger só um. Os meus colegas da Relógio-d'Água, da Alfaguara e da Porto Editora devem ter enfrentado os mesmos problemas. O link está aí para verem com os vossos próprios olhos. Pensem também que livro destacariam desta primeira década do século XXI como algo realmente especial.
Para contestar é preciso, claro, estar informado. E não só: é preciso, em algumas situações e países, vencer o medo e o preconceito. As feministas de hoje devem muito a uma série de mulheres pioneiras neste acto de coragem que foi dizer o que pensavam, bater o pé, reclamar. Saiu na última sexta-feira um ensaio interessante sobre algumas delas que, ainda por cima, fizeram da palavra uma arte. Chama-se De Língua Afiada, assina-o Michelle Dean, e reúne um improvável e arrojado grupo de pensadoras modernas que moldaram a história intelectual do século xx: Susan Sontag, Dorothy Parker, Hannah Arendt, Rebecca West, Joan Didion, Mary McCarthy, Pauline Kael, Renata Adler, Janet Malcom e Nora Ephron ousaram levantar a voz (mesmo que por escrito) num tempo em que intervir era privilégio dos homens, desbravando um caminho a que todas as mulheres de hoje devem muitíssimo. A tradução é de Helder Moura Pereira e foi publicado pela Quetzal.