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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Jul20

Boas férias

Maria do Rosário Pedreira

Chegou ao fim o mês de Julho e, como já acontece de há vários anos para cá, em Agosto descanso do blogue e atiro-me às leituras. Não que esteja sem trabalhar o mês inteiro, mas tiro esta preocupação da cabeça durante um mês, a de ter todo o santo dia pronto um pequeno texto para oferecer a quem visita este espaço; essa ausência até me permitirá tomar nota de assuntos e ideias das quais falar no regresso. Aos que escrevem ou são artistas de qualquer outra área, aconselho que com o calor do Verão bebam uns drinks, mas não com a ministra, claro, porque provavelmente ela só quer que se embebebem e nada mais lhe peçam. Eu cá vou tentar continuar atenta e sóbria, vou ler tanto quanto puder livros que já estão ali  num monte à minha espera e conto voltar refeita e com energia para o que aí vem, pois a Covid-19 ameaça regressar em força no Outono e temos de estar preparados. Terei saudades dos vossos comentários (bem, de alguns), mas um mês passa num instante, pelo menos na minha idade. Como as viagens para o estrangeiro estão desaconselhadas, recomendo-vos outra forma de viajar: Pela Estrada Fora, de Jack Kerouac, um clássico que não deve deixar de ler. (Sim, também há filme, mas não é a mesma coisa.) Boas férias, bom descanso e, acima de tudo, muita saúde! Até Setembro.

30
Jul20

Cronista exemplar

Maria do Rosário Pedreira

Um dia destes, alguém aqui no blogue, a propósito da crónica de Pérez-Reverte em que se criticava o afastamento das línguas clássicas do curriculum da Escola Secundária no país vizinho, queixava-se, no fundo, de que aqui em Portugal os intelectuais já pouco se pronunciavam sobre questões deste tipo (que mereceriam deles protesto, crítica e reflexão), preferindo quiçá viver burguesmente na sua torre de marfim e pouco querendo saber do que não os afecta directamente. É verdade, pelo menos em parte, que não vemos muitos escritores ou artistas andarem por aí içando bandeiras ou pondo o dedo na ferida; mas, quando os jornais reduzem o seu espaço de opinião ou deixam de querer ouvir as opiniões de quem pode pôr em causa os seus donos e amigos, claro que também não estão as coisas facilitadas... Em todo o caso, há uma excepção que salta à vista,  a de Lídia Jorge, que é talvez no nosso país a escritora que melhor tem reflectido sobre o mundo presente e mais eloquentemente tem dado o peito às balas em entrevistas e crónicas radiofónicas. Há, de resto, um livro que reúne essas crónicas lidas na Antena 2 que vale muito a pena intitulado Em Todos os Sentidos, livro que traduz o seu pensamento muito crítico (e às vezes quase furioso) sobre certos aspectos da actualidade. Se nunca ouviu, leia. É a minha recomendação para hoje.

29
Jul20

A importância do prémio literário

Maria do Rosário Pedreira

A maioria das vezes em que alguém concorre a um prémio para inéditos o objectivo é ser publicado – a menos que o valor seja alto e concorram também escritores conhecidos para se garantirem durante uns meses (ou uns anos, no caso do Prémio Planeta, por exemplo, que é uma batelada de dinheiro). Aos prémios para livros já publicados concorrem, pelo contrário, quase todos os autores com livros elegíveis (ou as editoras que os publicam), seja pelo dinheiro, seja pelo prestígio, seja pelas bastas referências jornalísticas à vitória, que sempre ajudam a divulgar o livro em causa e a vender mais uns quantos exemplares. Em todos os países há prémios que fazem muito pela carreira internacional dos vencedores (o Booker Prize é um deles), mas também há certos prémios que praticamente já só contam no país que os atribui (o Goncourt, a partir dos anos 1990, deixou de ter eco nos outros países, embora ainda fique bem no curriculum de um escritor). Esta semana, o The Guardian anunciou a long list de 162 romances que vão ser espremidos em apenas 5 finalistas do Man Booker Prize no dia 15 de Setembro, e Hilary Mantel é de novo nomeada, ela que já ganhou o prémio duas vezes. É uma das escritoras que falam do que mudou na sua vida depois do galardão, ao lado do querido Barnes, de Howard Jacobson (que perdeu amigos quando ganhou o Booker) e de Margaret Atwood, entre outros, num artigo que, sendo já de 2018, vale muito a pena ler e continua actual. O link vai aí abaixo.

https://www.theguardian.com/books/2018/jun/30/win-man-booker-past-winners-2018-prize-longlist-novelists

Hoje recomendo um vencedor do Booker: O Mar, de John Banville. Livro bom para o Verão, pois é de um Verão em especial que fala.

28
Jul20

Até a estupidez tem limites

Maria do Rosário Pedreira

Tenho lido muito sobre o que se passa no país vizinho em matéria de tomada de decisões ligadas à cultura e à educação e vejo o sistema em constante desmoronamento. Uns quantos seres supostamente pensantes e com poder têm, efectivamente, aplicado ideias inenarráveis, algumas mesmo estúpidas, mas esta última, de que tomei conhecimento por uma das fantásticas crónicas de Arturo Pérez-Reverte, passou dos limites: deixa de ser possível aprender latim e grego no Ensino Secundário. Como? Mas terei lido bem? Será que a luminária que decretou esta mudança se esqueceu de que o castelhano vem do latim e que tem, como o português, milhares de palavras oriundas do grego? Será que não sabe que a literatura ocidental começou na Grécia, que é também o berço da democracia, entre outras coisas? Estará a querer impedir os jovens de mais tarde frequentarem cursos de Estudos Clássicos? Acha-os demasiado imaturos, ou insuficientemente vivos, para estudarem línguas mortas? Não consigo encontrar uma explicação, a não ser a estupidez pura e dura. Para Pérez-Reverte é o «extermínio» do «código que permite interpretar o mundo em que vivemos». Mas leiam o artigo, que vale a pena. «Menos latim e mais imbecis».

https://www.xlsemanal.com/firmas/20200712/perez-reverte-mas-latin-menos-imbeciles.html

 

27
Jul20

Filho de peixes

Maria do Rosário Pedreira

Seguramente se lembram, pelo menos os que têm mais de quarenta, do grande jornalista desportivo Rui Tovar. Como filho de peixe sabe nadar, o seu filho Rui Miguel Tovar seguiu-lhe as pisadas, e é talvez um dos jornalistas desportivos portugueses que mais jogos internacionais viram na vida, deslocando-se a lugares bastante remotos e impensáveis para ver jogar equipas nacionais ou a selecção portuguesa. Mas não se ficou pelas notícias e reportagens a respeito dos jogos. Como é filho de peixe, é também filho de uma ex-editora que é há muito a tradutora do senhor Murakami, entre outros, já premiada mais de uma vez pelo seu trabalho e, portanto, ligada aos livros. E, assim sendo, Rui Miguel Tovar resolveu escrever sobre essas suas viagens futebolísticas para a nova colecção de Literatura de Viagens da Quetzal, a Terra Incognita, de que já aqui falei noutra oportunidade. Pela sua pena, saiu então recentemente um livro que cruza viagens inesperadas e o mundo do futebol. Chama-se Viagens sem Bola e fala de sítios como o Qatar, as Maldivas ou o Vietname, mas também a Sicília ou do Paraguai, reflectindo sobre as gentes, os lugares, a gastronomia e muito mais, como, claro, o futebol. Um livro bastante original para ler enquanto não podemos viajar de outra maneira.

Viagens sem Bola.jpg

Hoje sugiro Areias Brancas, de Geoff Dyer, um livro bilhante de «ensaios» sobre viagens a lugares onde a arte é frequentemente o objectivo primeiro e, de caminho, sobre a relação do escritor com a própria mulher.

24
Jul20

Uma livraria no céu

Maria do Rosário Pedreira

Dizem-em que hoje as pessoas pouco entram nas livrarias, e ficar por lá a ver ainda menos. Compram de máscara aquilo de que vão à procura, pagam, passam gel alcóolico nas mãos e vão à sua vida. É preciso cuidado, bem entendido, mas há outras razões para não se entrar em livrarias... Em 1907, uma livraria abriu em Chicago num... sétimo andar. Bem sei que era no edifício das Belas-Artes, que era a sede da intelectualidade e dos movimentos artísticos da cidade, mas não seria de esperar que, tão longe da rua, a livraria «The Air» fosse muito visitada. E, contudo, esteve milagrosamente aberta cinco anos e era frequentada por gente muito lida, além de estudantes de música e actores que actuavam ou estudavam em outros andares do edifício. O segredo? Bem... não só o facto de estar muito bem fornecida de livros e revistas, não só a circunstância de ali se tomar chá enquanto se lia, mas sobretudo o ser, segundo a directora da The Little Review, «a mais bela livraria de todo o mundo». Pudera, o seu design interior, inlcuindo janelas e estantes, era da autoria de Frank Lloyd Wright! Conhecia-a? Eu não. Graças a Deus, tomei conhecimento dela por um amigo que dirigiu a Biblioteca de Arte da Gulbenkian, José Afonso Furtado, no Facebook. Deixo-vos aqui um cheirinho, mas procurem-na na Internet.

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Frank Lloyd Wright, ficcionista de espaços, é um dos génios citados em Os Criadores, de Daniel Boorstin. Um livro para ler e consultar que hoje vos recomendo.

23
Jul20

A Raposa

Maria do Rosário Pedreira

Uma das coisas melhores da leitura é que frequentemente há livros e autores que nos levam a outros livros e outros autores. Há pouco tempo, fiquei muito seduzida pelas citações e referências que Julian Barnes fazia do escritor francês Jules Renard (1864-1910). Lembro-me de ter aqui falado dele e de algum dos Extraordinários me recomendar O Pendura. Pois é desse livro que falo hoje, já quase a acabá-lo, pois é uma maravilha de verrina e maldade elegante, além de ter das mais belas metáforas que li na vida. Em Portugal, que me lembre, não temos grandes cultores deste género na literatura, às vezes o Eça, mas de uma forma que dá logo vontade de rir (e aqui pode atar-se um nó no estômago, mas logo vem o sorriso para perdoar o pecado). O enredo pode resumir-se à história de um homem que escolhe um casal para nele «parasitar» (na verdade, este «pendura» é também um «crava» ou um «penetra»), e esse casal, crendo-o um grande poeta e bem relacionado com a intelectualidade, dá almoço, jantar, guarida, mimo e muito mais ao oportunista que usa e abusa do que lhe é oferecido e, mesmo assim, continua ferido pelo tédio. Como se conta no prefácio, o livro que o escritor Jean d'Ormesson levaria para uma ilha deserta seria o Diário de Jules Renard, por lhe dar a garantia de nunca se aborrecer. Tenho de ler. «Renard» quer dizer «raposa» em francês e é masculino. Jules é uma fantástica raposa.

22
Jul20

Escrever

Maria do Rosário Pedreira

Embora haja coisas que não se podem ensinar (o talento, por exemplo), nem todos os livros sobre escrever são manuais de frases feitas e exercícios pueris. Já aqui o disse a propósito de Manual de Sobreviência de Um Escritor, de João Tordo, e digo-o agora acerca do genial Escrever, de Stephen King, que tive o gosto de publicar há muitos anos na Temas e Debates com a minha colega do Círculo de Leitores, Guilhermina Gomes,  e que agora tem nova edição pela Bertrand, acrescentada com dois prefácios, o último dos quais é um agradecimento de King ao seu editor, com uma frase também utilizada por Tordo: «Escrever é humano, editar é divino.» (Às vezes.) Stephen King já tinha várias coisas alinhavadas sobre o ofício do escritor quando ia morrendo num acidente de que levou meses a recuperar; aproveitou então para pôr esses apontamentos em ordem e articular um texto notável que parte das suas experiências e memórias e compõe um livro inspirador, com conselhos e recomendações a todos aqueles que queiram e sintam que podem ser escritores. O livro, que saiu inicialmente em capítulos independentes numa revista, além de brutalmente honesto e muito interessante para os leitores até como testemunho, foi também terapêutico para o autor, ajudando-o na sua convalescença. Só bons motivos para se atrever à sua leitura.

21
Jul20

Descuidos

Maria do Rosário Pedreira

Hoje em dia, permanentemente vigiados, temos de ter especial cuidado com o que dizemos e escrevemos. E até com o que outros escrevem por nós... Eu explico: há uns quinze dias pediram-me para escrever um texto sobre Amália Rodrigues para um número dedicado ao seu centenário, uma vez que escrevi uma pequena biografia da diva para crianças. Nesse texto explicava que a sua infância tinha sido tremenda (miséria e trabalho infantil) e que, além do talento, que não era responsabilidade sua (ela até dizia «Foi Deus»), Amália tinha «qualidades extraordinariamente raras numa mulher que não pôde frequentar a escola» (a sua descoberta da poesia erudita, por exemplo, e as letras que escreveu). Ora, a frase escolhida para o destaque foi mesmo essa, só que, como não cabia toda, quem paginou resolveu parar antes do fim, escrevendo «... qualidades extremamente raras numa mulher». Mas estas pessoas que paginam jornais não pensam nem por um minuto no que estão a fazer? É que há muita gente que só lê títulos e destaques e o mais certo é eu levar na cabeça das mais radicais feministas por uma coisa que não disse. Nos EUA seria banida de muitas revistas e jornais só por este descuido... O que me vale é que já disseram que me iam pedir desculpa.

20
Jul20

Estrangeira em qualquer lugar

Maria do Rosário Pedreira

Estará à venda a partir de amanhã um livro que me chamou a atenção por partir de uma premissa altamente atraente: como aprende a falar uma filha de pais surdos? E em que língua sonha essa rapariga/mulher que vive em todo o lado sem pertencer a lugar nenhum? E como, estando longe, comunica com os pais que a não ouvem? E porque, afinal, se apaixona pelas línguas e se torna tradutora? Fiquei logo curiosa, li-o de um golpe e soube que queria publicá-lo. É um misto de memórias, ficção, romance de formação, autobiografia, enfim, um livro pouco convencional e por isso mesmo inovador. Chama-se Sempre Estrangeira e escreveu-o a italiana Claudia Durastanti que, nascida em Brooklyn, em Nova Iorque, é recambiada para uma minúscula aldeia em Itália quando os pais, que acham ter salvado a vida um do outro e nunca se vitimizam pela sua deficiência (pelo contrário!), decidem separar-se, deixando a Claudia uma experiência de vaivém que a levará a replicar o comportamento migratório até hoje, seja atrás dos estudos, seja inclusivamente atrás do amor. Este é um livro maravilhosamente escrito, uma viagem em busca de auto-afirmação, em que a geografia, a arte e a linguagem são ao mesmo tempo armas de revolta e de redenção. Obrigatório ler. A tradução é do poeta Vasco Gato.

Ups! Parece que o livro afinal só sai na terça-feira da semana que vem. Mil perdões.

 

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