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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Set20

Um novo prémio

Maria do Rosário Pedreira

Calculo que muitos dos que frequentam as Horas Extraordinárias escrevam ficção e tenham livros na gaveta à espera de uma oportunidade. Ora, apareceu agora um novo prémio literário que pode ser uma saída para quem não arranjou ainda editor ou se esqueceu de um velho manuscrito no fundo do armário mas pode aproveitar agora para o rever. Trata-se de um galardão da iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), criado para homenagear uma escritora que foi, de resto, um dos seus membros: Maria Velho da Costa. Recentemente falecida, a romancista que arrecadou o Prémio Camões em 2002, autora de livros notáveis como Missa in Albis, Casas Pardas ou o mais recente Myra, é então a «madrinha» deste novo prémio para primeiros romances inéditos (obras de estreia assinadas com pseudónimo), cujo prazo de entrega termina a 31 de Outubro próximo. O valor é de 2500 euros e o regulamento pode ser consultado na página da SPA. Atreva-se.

29
Set20

Afinadíssimo

Maria do Rosário Pedreira

Fico muito triste se se me apaga da lembrança um livro que li, sobretudo quando, mesmo esquecendo em traços largos o enredo, recordo muito bem o quanto gostei dele. Isso aconteceu-me recentemente com Concerto Barroco, do cubano Alejo Carpentier, que decidi reler em férias para poder descobrir porque tanto o amara da primeira vez. E é realmente um pequenino livro-maravilha, um concerto literário fascinante. Fala do encontro em Veneza, durante a época do Carnaval, de um comerciante de prata mexicano que viaja na companhia do seu escravo, rapaz extremamente vivaço e talentoso, com Haendel, Scarlati e o frade ruivo que dá pelo nome de Vivaldi. Pelo meio, ao lado dessas quatro figuras, ouviremos a pequena orquestra de órfãs que foram deixadas na roda do convento em que os outros se resguardam da confusão e depois assistiremos ao pequeno-almoço que as freiras preparam no cemitério de San Michele (onde está sepultado Stravinsky que, apesar de ser um músico do século XX e portanto não contemporâneo dos seus confrades, arranca deles comentários bem divertidos avant la lettre). Barroca e irresistível, esta novela belíssima pode fazer companhia a Os Passos Perdidos, outra maravilha de Carpentier.

28
Set20

Segredos revelados

Maria do Rosário Pedreira

Escabeche, pataniscas, caldeirada, tripas, caldo verde ou peixinhos da horta. Bolo-rei, arroz-doce ou rabanadas… Enfim, se é português, todos estes pratos lhe dizem certamente alguma coisa (ou muito!) e estão entre o que de mais tradicional se pode encontrar na cozinha do nosso país. Mas faz ideia de quando nasceram e em que livros ou manuscritos apareceram pela primeira vez? Guida Cândido, especialista em História da Alimentação e autora premiada de duas obras que tive o prazer de publicar (Cinco Séculos à Mesa e Comer como Uma Rainha), vem revelar-nos agora segredos muito bem guardados. Sabia, por exemplo, que já se servia Marmelada no início do século XVI e que o cozinheiro de D. José e D. Maria I já fazia Pão-de-Ló? Pois bem, A Vida Secreta da Cozinha Portuguesa não só lhe dará a conhecer as origens da nossa cozinha tradicional como também lhe proporcionará todas as receitas inaugurais de 50 pratos típicos portugueses, todos de comer e chorar por mais. Boa leitura e bons cozinhados!

 

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25
Set20

Adeus, futuro

Maria do Rosário Pedreira

Falei aqui há uma semana, pouco mais ou menos, da multiplicação de pontos de vista que passam pela cabeça do Senhor Palomar no livro de Calvino. Mas há pontos de vista inenarráveis que eu não sei como passam pela cabeça seja de quem for... É precisa mesmo uma grande ignorância para dizer que a culpa do Holocausto é dos judeus. Como?! Mas será que quem diz isto pensa que Hitler fez a guerra para lhes palmar o dinheiro e os bens ou que eles pecaram e portanto merecem? Pasmem, mas num lugar onde, por acaso, vivem imensos judeus (os Estados Unidos da América), muitos dos quais oriundos de famílias que saíram da Europa nos anos 1940, fugindo da barbárie e do extermínio, quase dois terços dos jovens adultos desconhecem a existência do Holocausto e, entre os adultos de 18 a 39 anos, há 23% que pensam que o Holocausto é um mito e que tudo o que o cinema e a literatura retratam desse período na Europa é manifestamente excessivo e próximo da lenda. Isto já para não falar das alminhas que culpam os judeus pelo Holocausto, que são, calculem, 11% dos interrogados. Enfim, a culpa é sempre da educação, claro, e a América, a olhar para o seu umbigo, está a esquecer cada vez mais depressa donde vieram a maior parte das famílias que hoje são americanas. Agora, que já não tenho a minha crónica, volto a dizer, chocada: Adeus, futuro.

24
Set20

Farmácia literária

Maria do Rosário Pedreira

Já aqui disse que muitos dos escritores portugueses estreados neste milénio são oriundos de áreas de conhecimento ditas científicas: engenheiros, físicos, arquitectos, médicos... o que não é, aliás, de estranhar, pois entre os estudantes de Letras estão provavelmente muitos que não entraram nos cursos que desejavam por falta de nota (é que para ir para Letras não são precisas, sabe-se lá porquê, médias altas). Mas as ciências sempre receberam bem as letras, e agora é o Museu da Farmácia que o vem provar com uma mão cheia de actividades: não só um clube de leitura (Rodrigo Guedes de Carvalho vai estar à conversa com os seus membros na noite de dia 29 sobre o seu mais recente romance, Margarida Espantada), como tem sessões de poesia (a próxima, com colaboração dos poetas Inês Fonseca Santos e António Carlos Cortez, é mais logo, às 19h00) e depoimentos de escritores sobre a criação e a leitura em tempos de pandemia. E há mais, claro, todos os meses, incluindo uma programação especial para crianças muito atraente. Vamos à farmácia tomar a cura para os nossos males? Vamos!

23
Set20

Microcosmos

Maria do Rosário Pedreira

Lembro-me de este romance ser um dos preferidos de um autor que publiquei há vinte anos, António Manuel Venda, que mo recomendou na altura; porém, apesar disso e do facto de quem o escreveu, Camilo José Cela, ter ganho o Prémio Nobel da Literatura, só este Verão lhe deitei a mão. Embora a tradução não seja famosa (revelando uma ignorância do idioma de origem algo estranha, já que as notas mostram que o tradutor tem um nível cultural acima da média), vale muito a pena ler A Colmeia, até porque é um livro sem protagonistas, o que é muito raro, tendo certamente mais de uma centena de personagens, que aparecem numa cidade que é uma verdadeira colmeia – Madrid –, mais precisamente num café por onde passam poetas, putas novas e velhas, miseráveis, músicos, funcionários, enfim, toda a espécie de gente, no período em que a Europa está em guerra, e os espanhóis, ainda que fora dela, vivem ainda as sequelas da guerra civil, que deixou o país devastado e entregue a uma pobreza confrangedora. Embora Camilo José Cela tenha combatido em jovem ao lado dos franquistas, este livro, do início dos anos 1950, foi censurado e publicado originalmente na Argentina, dada seguramente a imagem negativa que dá da Espanha esfomeada deste período. Muito interessante como ideia de um retrato colectivo sem heróis, um pouco datado, é certo, deve de qualquer modo ler-se este romance, que é dos mais conhecidos do autor.

22
Set20

Alto e em grupo

Maria do Rosário Pedreira

A EU Read, um consórcio de entidades que trabalham para a promoção da leitura (PNL incluído), lançou uma campanha que visa a leitura em voz alta e em grupo, reconhecendo os seus benefícios para as crianças. Chama-se, de resto, Reading loud, reading together. Os tempos não são os mais indicados para isto, bem entendido (o vírus obrigada ao uso de máscara e ao distanciamento social, nada práticos neste tipo de actividade), mas ela  pode ser praticada também em família. As vantagens são inegáveis: para lá do evidente desenvolvimento das competências de leitura, a partilha e a cumplicidade do grupo, bem como a sua identificação com o enredo e as personagens ajuda a criar momentos em que o desejo de continuar a ler é enorme (e isto, sim, é a motivação para a leitura). Além disso, a actividade ajuda a estabelecer laços afectivos, ensina a trabalhar em equipa, desenvolve a imaginação e o raciocinio e, entre muitas outras coisas, enriquece a expressão oral. O que falta é pô-la em prática, o mais cedo possível, nas nossas escolas e em casa. De pequenino se torce o pepino, e não me venham falar de falta de tempo, porque bastam dez minutinhos por dia.

21
Set20

Entrevistas

Maria do Rosário Pedreira

Parece que as pessoas não são muito sensíveis a livros de entrevistas (que, ao que sei, se vendem muito pouco), embora eu goste muito da entrevistas publicadas na Paris Review. Por outro lado, diz quem sabe que uma entrevista num jornal feita a um escritor é muitíssimo mais lida do que uma crítica a um livro desse mesmo autor; e estou em crer que na rádio, com esse privilégio que é ouvir as vozes de entrevistador e entrevistado, a entrevista é um género com muita audiência (eu, por exemplo, gosto muito das entrevistas a membros da mesma família feitas por Teresa Dias Mendes no programa ADN da TSF). Quem tem um programa de entrevistas a figuras públicas em que a cidade de Lisboa é centro das atenções é o jornalista João Morales. Chama-se Lisboa Continua, e esta última emissão é com o escritor e argumentista Filipe Homem Fonseca, que lançou nas Correntes d'Escritas o seu mais recente romance, A Imortal da Graça, que, se não me engano, é semifinalista do Prémio Oceanos. Se acederem à gravação pelo link seguinte, poderão também subscrever o canal de João Morales gratuitamente e ouvir as restantes entrevistas.

https://www.youtube.com/watch?v=PEldsNHTwAw&t=1483s 

 

 

18
Set20

Calvinices

Maria do Rosário Pedreira

Uma das maiores injustiças da Academia Nobel, quanto a mim, foi não ter dado o galardão ao talentosíssimo escritor italiano Italo Calvino, um fabuloso inventor de modos, estilos e universos literários que, além disso, tinha um humor notável. Bem sei que era ainda bastante jovem quando morreu, mas o Nobel já tinha contemplado escritores mais novos (Camus, por exemplo). Já aqui devo ter falado de vários dos seus livros, mas hoje lembrei-me de Palomar, mais outra maravilha de originalidade e empatia. O livro acompanha um senhor chamado Palomar em várias situações (desde as férias na praia até às compras no talho) para nos mostrar que nunca há só um ponto de vista sobre as coisas e que, se formos como Palomar, nunca conseguiremos escolher entre duas coisas de ânimo leve nem deixar o cérebro descansar um segundinho que seja. Basta ler o capítulo sobre a rapariga em top less e as questões que o senhor Palomar se põe sobre qual deverá ser o seu procedimento ao passar por ela para se saber que até à última página vamos ter muito com que nos deliciar. Leia-se este autor, por favor, com ou sem Nobel.

17
Set20

Três irmãos

Maria do Rosário Pedreira

Muitos dos escritores, nos primeiros tempos da pandemia, viveram aquilo a que eu chamaria agora, para simplificar, um «período branco», querendo com isso dizer que a tensão provocada pelo medo da doença e/ou o confinamento os impediu de criar. Contudo, isso é coisa que não se pode dizer de Gonçalo M. Tavares, que não parou um instante de dar à pena e cujo diário foi/está a ser publicado pelo semanário Expresso há várias semanas (embora não na íntegra, o que indicia que ainda há-de sair provavelmente o todo num livro). Mas não foi só: escreveu no mesmo período a peça Os Três Irmãos, encenada pelo coreógrafo Vítor Hugo Pontes e com estreia marcada para amanhã no Teatro Viriato, em Viseu. O texto fala de uma família em espaço fechado e do «desaparecimento» de alguns dos seus membros sem que os outros se possam despedir deles, o que é uma excelente alegoria destes tempos negros. É igualmente uma boa notícia que uma coisa tão negativa como este vírus sirva para a criação,  que é coisa positiva. Em Lisboa, o espectáculo só poderá ser visto lá para Fevereiro, no S. Luiz. O meu livro preferido de Gonçalo M. Tavares é Jerusalém, que aconselho vivamente.

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