Palavras feias
Os espanhóis usam e abusam do calão no dia-a-dia e tornaram-se bastante desbocados. Também os norte-americanos largam um «fuck» a propósito de tudo e de nada sem que isso escandalize já ninguém. Os jovens portugueses tem constantemente um «Fogo!» a arder na boca – e sabemos que é um eufemismo, que o que têm na cabeça é a tradução do fuck que se diz do lado de lá do Atlântico. E, mesmo assim, um dia destes, um crítico literário mostrava-se chocado com o número de palavrões que encontrou num romance e já há uns anos me contaram que um dos jurados de um prémio literário não conseguiu avançar na leitura de uma das obras finalistas por causa do calão do primeiro capítulo; presumo que seria jornalista, crítico, académico ou escritor (quem mais é jurado de um prémio literário?) – e, nessa medida, atrevo-me a dizer que Philip Roth e as suas muitas – perdoem-me – «punhetas» não lhe agradariam (o que é grave, porque não se deixa de ler um livro só por causa das palavras feias). Na minha adolescência, a minha mãe estava sempre a dizer que as raparigas não deviam dizer «gajo», que era uma palavra considerada então exclusivamente para uso masculino. E, no entanto, a verdade é que, quando penso nesta maltosa que nos governa, «homens» ou «tipos» me parecem palavras demasiado brandas. «Gajos» fica-lhes decididamente melhor. Há palavras feias, na vida e nos livros, que têm de ser ditas.