O que ando a ler
Na verdade, já acabei de o ler, mas é boa hora para falar dele, tratando-se, de resto, do vencedor do Man Booker Prize de 2019, publicado entre nós no ano passado. É mesmo daqueles livros virados para o ar dos tempos, e percebe-se que também foi por isso que o júri não resistiu a atribuir-lhe o prémio, mesmo que eu não queira com isto dizer que a autora foi oportunista (acho que não). Porém, apesar do humor subtil e inteligente da escritora anglo-nigeriana Bernardine Evaristo e da actualidade dos temas (emancipação da mulher, racismo, identidade sexual, luta de classes...), o romance não é, quanto a mim, nada do outro mundo e é talvez um dos Booker Prize menos interessantes, literariamente falando, de todos os que li. Mesmo assim, lê-se sem atropelos e, é melhor dizê-lo, vai melhorando com o passar das páginas. Mas comecemos pelo princípio. Chama-se Rapariga, Mulher, Outra, traduziu-o Miguel Romeira (homem e branco, parece-me, mas graças a Deus não ouvimos vozes contra isto) e é sobretudo um bom estudo de personagens (uma dúzia delas), entre as quais se encontram negras prontas a mostrar ao mundo tudo o que valem e mulatas claríssimas e bem-sucedidas (com ordenados maiúsculos) que querem esconder o mais possível as suas raízes africanas. A autora tem jeito para as figuras, lá isso tem, e tem também talento para lhes desenhar uma história credível desde pequeninas em que toca sempre pontos sensíveis (até me lembrei do Segredos e Mentiras de Mike Leigh, mesmo que virado do avesso); o que me pareceu menos bem conseguido foi a forma como cruza (e não cruza) estas pessoas num evento artístico em que uma delas terá a sua coroa de glória (um bocado fácil). Mas é sem dúvida um livro para os nossos dias, finalista de vários prémios e escolhido como livro do ano em Inglaterra em 2020.