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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Jul21

Até já

Maria do Rosário Pedreira

No último post deste mês de Julho, já a preparar as férias (pois em Agosto o blogue fecha para repouso), deixo-vos uma história lida por aí e guardada para uma ocasião como a de hoje. O Buda tinha passado vários dias a explicar aos seus discípulos a importância do despojamento para uma vida feliz e uma boa meditação. Um dia, porém, dirigindo-se com um discípulo ao templo para rezar, passou por eles uma mulher e o Buda não só parou para a cumprimentar como ficou inclusivamente a conversar com ela bastante tempo, atrasando a chegada ao templo, o que intrigou sobremaneira o discípulo. Quando o Buda voltou para junto dele, encontrou-o estranho e taciturno, mas não fez perguntas e lá seguiram até ao templo; e, na altura em que, lá chegados, o mestre se preparava para ir rezar, o discípulo reteve-o à entrada, perguntando-lhe porque parara ele a conversar com aquela mulher se, afinal, pregara o desapego de tudo, pessoas e coisas. Foi então que o Buda sorriu e lhe respondeu simplesmente: «Olha, mas eu deixei a mulher lá atrás, foste tu que a trouxeste até aqui.» Fazendo como o Buda, vou deixar o blogue para trás este mês de Agosto, tentando despojar-me de tudo para umas férias descansadas. Em Setembro estarei, espero, de volta. Boas férias a quem vai e bom trabalho para quem fica. E sem vírus! Até já.

 

 

29
Jul21

Outros Lugares

Maria do Rosário Pedreira

Não é comum juntarem-se dois autores de editoras diferentes num evento em que cada um fala do livro do outro. Mas acontece: aqui há uns anos, quando ainda se podia mostrar a cara toda em todo o lado e a toda a hora, participei num lançamento simultâneo de dois livros, um de Miguel Real (que eu própria editara) e outro de André Barata. Dispensávamos assim mais apresentadores, ocupando-se os autores dessa função. Pois bem: hoje vai passar-se o mesmo na Livraria Ler por aí, da Casa Independente, pelas 18h30. Raquel Ochoa e Paulo Moura estarão juntos para falar dos livros Pés na Terra e Cidades do Sol, embora desejavelmente separados por metro e meio ou o que for que a DGS aconselha. Pés na Terra fala de viagens intercontinentais e oferece belíssimas descrições de lugares naturais por esse mundo fora, ao mesmo tempo dando boas dicas a pessoas (mulheres, sobretudo) que viajem sozinhas. Cidades do Sol fala especialmente de grandes metrópoles da Ásia, para onde o autor parte em busca de utopias, como reza o subtítulo. A sessão, que terá vagas presenciais muito limitadas, pode ser vista e ouvida no Instagram das editoras (Oficina do Livro e Penguin Random House) às 18h30. Não perca uma boa conversa sobre viagens.

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28
Jul21

Gramáticas

Maria do Rosário Pedreira

O querido agente literário Ilídio de Matos (que já cá não está e de quem tenho saudades porque era um homem bom como há poucos) gostava muito de usar a expressão «estas gramáticas» com um significado todo dele. «Já sabe como são estas gramáticas, não sabe?», exclamava ele quando um editor fazia uma oferta milionária para tirar um autor a um colega. E de outra vez, quando lhe dirigiam perguntas estúpidas, queixava-se: «Estes parvalhões não percebem nada destas gramáticas.» E, se era melhor tratar de um contrato com urgência, podíamos ouvi-lo: «Vamos lá tratar destas gramáticas antes que alguém se chegue à frente.» Eu achava-lhe graça, e não era só eu. E agora lembrei-me dele porque estimo muito a gramática e (deixem-me brincar um pouco com isto) acho-a até bastante plural. Mas o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo mandou dizer que, depois do horroroso incêndio, vai abrir de novo as portas a todas, todos e «todes». E eu quase ouvi na minha cabeça o Ilídio a dizer baixinho que já nem o Museu da Língua conhece a gramática. Ele diria de certeza que todos cabem na palavra «todos» e que usar «todes» é sublinhar a diferença dos que querem ser iguais. Bem, o que é um facto é que a coisa deu brado no Facebook, com uns do lado de uma gramática e outros do lado da outra gramática. E uma escritora com bastante sentido de humor até comentou ao ver a palavra não dicionarizada: «A sério? A séria? A série?» Estou com ela. Sou mulher e sinto-me incluída no «todas», e no «todos» também.

27
Jul21

Querido tempo

Maria do Rosário Pedreira

Disse um dia destes num daqueles questionários que todos os jornais publicam no Verão que gostaria de ter mais tempo para ler e escrever. Na verdade, vivo mergulhada o ano inteiro nos livros ainda não publicados de muita gente, e isso retira-me tempo (às vezes puramente mental) para, chegada a casa, ir escrever ou ler outras coisas. E muitas vezes pasmo como alguns escritores com empregos a tempo inteiro conseguem escrever livros quase todos os anos. Um dia, perguntei à mulher de um desses escritores se ele era dos que não dormiam, mas ela respondeu-me que ele dormia lindamente, só que não via televisão, não ia ao cinema, não saía praticamente ao fim-de-semana e, além disso, era capaz de escrever em qualquer lado, mesmo dentro do carro, enquanto ela fazia compras no supermercado. Será um caso atípico? Não sei. Ainda na sequência do post do Livrologia que ontem aqui referi, como é que um autor que trabalhou sempre tanto (e, ainda por cima, teve tantos filhos, que são outros trabalhos) como Jorge de Sena conseguiu produzir uma obra tão variada, vasta e consistente? Como é que Vergílio Ferreira, a dar aulas e a corrigir testes, nunca faltou com romances? Como é que médicos como Namora ou Torga têm obras vastíssimas? Cá para mim, é tudo uma questão de organização e de capacidade de não se dispersar (mas, claro, eles não tinham Internet e o mundo era então muito mais calmo). Querido tempo.

26
Jul21

Com e sem plano

Maria do Rosário Pedreira

A Sapo, que alberga o meu blogue desde 2010, destacava um dia destes na página de abertura um post de «Miss X» sobre Jorge de Sena no blogue Livrologia. Era interessante (voltarei, aliás, ao assunto ali tratado) mas incluía uma questão associada aos processos criativos que é o que hoje me traz a estas parcas linhas. Imagino que quem ministre cursos de Escrita Criativa (não na universidade, mas a pessoas que gostariam de organizar melhor as ideias que têm para contos ou romances) fale aos formandos da importância de ter, antes de começar, um plano bem traçado. Eu, quando escrevia livros juvenis, tinha sempre um plano detalhado, capítulo a capítulo, que seguia para não me perder, embora, claro, a história muitas vezes me fugisse da mão e fosse parar a outros lugares. Mas, quando ouço em entrevistas ao vivo, nomeadamente em festivais literários, os autores falarem dos seus processos criativos, ainda que alguns se refiram a uma ideia enraizada e a um plano do desenvolvimento, outros há que afirmam não ter sequer qualquer esboço da história quando começam um livro e que este, por assim dizer, se vai escrevendo a si mesmo. Ora, no blogue que referi no princípio, há uma deliciosa frase de Jorge de Sena, profícuo autor, que diz assim: «Nunca concebi nada antes de começar a escrever. Nada escrevi que de uma vez não escrevesse e não considerasse escrito de uma vez para sempre.» Maravilhoso, não é? Só a beleza e a força desta frase mostra que os planos podem realmente não fazer falta nenhuma à literatura.

23
Jul21

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

O mar do Algarve é feito de cartão como nos cenários de teatro e os ingleses não percebem: estendem conscienciosamente as toalhas na serradura da areia, protegem-se com óculos escuros do sol de papel, passeiam encantados no palco de Albufeira em que funcionários públicos, disfarçados de hippies de carnaval, lhes impingem, acocorados no chão, colares marroquinos fabricados em segredo pela junta de turismo, e acabam por ancorar ao fim da tarde em esplanadas postiças, onde servem bebidas inventadas em copos que não existem, as quais deixam na boca o sabor sem gosto dos uísques fornecidos aos figurantes durante os dramas de televisão. Depois do Alentejo, evaporado na paisagem horizontal como manteiga numa fatia queimada, as chaminés que se diriam construídas de cola e paus de fósforo por asilados habilidosos, e as ondas que se diluem sem ruído na praia no crochet manso da espuma, faziam-no sempre sentir-se como os bonecos de açúcar nos bolos de noiva, habitante espantado de um mundo de trouxas de ovos e de croquetes espetados em palitos, a imitar casas e ruas [...]

 

António Lobo Antunes, O Conhecimento do Inferno (1980), Publicações Dom Quixote

22
Jul21

Viver noutro mundo

Maria do Rosário Pedreira

Sempre achei admirável pessoas de línguas diferentes apaixonarem-se, casarem-se e entenderem-se às mil maravilhas, porque tive na juventude um namorado flamengo com quem comunicava em inglês e faltavam-me sempre as palavras nos momentos certos... Um dos meus melhores amigos, diplomata, foi, porém, casado com uma japonesa que mal sabia falar inglês (e ele desconhecia o japonês) e viveram juntos muitos anos, embora o casamento se tenha desfeito quando saíram do Japão porque ela não se adaptou à vida na Austrália. No livro que leio neste momento, O País dos Outros, de Leïla Slimani, que já venceu o Goncourt com outro romance, Mathilde, uma jovem francesa, apaixona-se por Amine, um belo marroquino, durante a Segunda Guerra Mundial; e não hesita em segui-lo para Marrocos quando ele é libertado de um campo de prisioneiros, passando a viver num país em que estranha quase tudo: a língua, a sogra, as baratas, o calor tórrido, a falta de escolaridade da cunhada, a falta de liberdade das mulheres. Embora ame Amine e acabe por ter dois filhos dele (uma menina muito mística e um rapazinho mimado), da primeira vez que regressa à Europa por causa da morte do pai, sente uma identificação de tal modo grande com a sua pátria que chega a pensar em abandonar os filhos, esquecer-se de tudo e ficar para sempre no seu país, e não voltar ao país dos outros. Hoje existem muitíssimos jovens que adoram viajar para os confins do mundo (tenho uma sobrinha que andou a ajudar a reconstruir casas no Nepal depois de um terramoto e vai de férias para lugares como a Nicarágua...), mas será que conseguiriam viver em países que são mesmo outros mundos em todos os sentidos? Vale muitíssimo a pena ler este romance.

21
Jul21

O malfadado

Maria do Rosário Pedreira

Apesar de o Novo Acordo Ortográfico (NAO) já ter sido aplicado oficialmente há muitos anos, não tenho a certeza de que seja impossível voltar atrás, porque sei que muitos adultos (como eu) que eram profundamente contra o NAO nunca chegaram a utilizá-lo. Na editora onde trabalho deixamos à consideração dos autores portugueses se querem ou não utilizar o NAO, e a maioria não quer, mesmo os escritores mais jovens; mas há alguns que, por serem professores, pais ou funcionários públicos (em suma, por já estarem habituados a ele no quotidiano), optam pela nova ortografia. No entanto, apesar de darmos aos portugueses essa liberdade, aplicamos a regra do NAO às traduções que publicamos. Só que um dia destes, uma tradutora que também é escritora e, como escritora, não usa o NAO, também não o usou como tradutora e foi o cabo dos trabalhos na revisão do texto... Bem, acho que as duas grafias vão conviver pacificamente até já não haver ninguém do tempo da antiga e a nova emergir naturalmente. Será? Continuam, porém, a sair artigos contra o NAO e o que se segue é bem interessante. Deixo-vos com 9 argumentos contra o NAO.

https://expresso.pt/opiniao/2016-05-11-Nove-argumentos-contra-o-Acordo-Ortografico-de-1990?fbclid=IwAR3MQOU9pVPab9VbTqd8ZrkqvwPB8utUA47NFfS8I4mZyHYsdZWOWg2rFLI

 

20
Jul21

Escrita Criativa

Maria do Rosário Pedreira

A  primeira vez que ouvi falar de escrita criativa, por oposição a escrita informativa, foi a respeito da formação universitária do escritor Ian McEwan, que publiquei ao longo dos meus primeiros nove anos de carreira editorial. A  biografia deste autor disponibilizada pela agente literária que o representava dizia expressamente que ele estudara Creative Writing na Universidade de East Anglia, uma instituição que se tornou aliás uma referência por ter deitado cá para fora muitos escritores e dos bons. Em geral, os cursos de Escrita Criativa em Portugal não estão ligados à Academia e a sua qualidade depende muito de quem os ministra e da experiência quer do orientador, quer dos frequentadores (que às vezes são meros curiosos que querem escrever um livro para oferecer a amigos). Agora, porém, a Universidade de Coimbra abriu um mestrado em Escrita Criativa orientado pelo Professor Manuel Portela e dizem-me que até o programa desse curso é já um livro. Parece-me coisa séria e divulgável, sobretudo porque pode andar para aí muita gente a hesitar no que estudar a seguir e as inscrições terminam já no dia 23 de Julho. Mais informações aqui:

https://apps.uc.pt/courses/PT/course/9202

 

cartaz_mestrado_escrita_criativa.jpg

 

19
Jul21

Heróis da TV

Maria do Rosário Pedreira

Na minha infância havia uma série de TV de grande sucesso baseada nos livros de Maurice Leblanc. Chamava-s Arsène Lupin, e o protagonista era um cavalheiro-ladrão inesquecível dos anos 1930. Hoje a Netflix desenterrou o herói, pondo-o na sua série Lupin, cujo protagonista lê os livros de Leblanc e se inspira neles para surripiar umas quantas coisas e vingar a memória do pai injustiçado... Pois bem, a figura do ladrão de casaca está em alta e acaba de sair O Último Amor de Arsène Lupin. Embora escrito em 1936, este livro  só foi publicado nos anos noventa, quando uma neta do autor encontrou uma pasta com o original em cima de um armário e, vendo do que se tratava, o entregou à editora. Nesta história, o ladrão de casaca guarda religiosamente um livro que foi de um ilustre antepassado – um general que serviu Napoleão – e que os Serviços Secretos britânicos procuram; e, simultaneamente, salva um tesouro incalculável que pertence ao seu último e único amor. É num cenário de intriga, pistas falsas, traições e paixão ardente que a história que fecha a saga de Arsène Lupin se desenrola. Todos os ingredientes dos romances anteriores do herói estão reunidos neste livro de despedida, cheio de reviravoltas inesperadas e até, quem sabe, com um final feliz. Para quem goste do género.

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