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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Jan22

Ana Luísa Amaral homenageada

Maria do Rosário Pedreira

No ano passado, escrevi um post aqui no blog sobre as alegrias de ver tantos amigos escritores premiados, pois, nesse âmbito, foi um ano muitíssimo especial. Uma dessas amigas, a poetisa Ana Luísa Amaral, recebeu de resto o Prémio Reina Sofia, que é um galardão de peso entregue pela rainha emérita de Espanha, e não a qualquer um. Muitas vezes, os autores recebem destas distinções lá fora antes de as receberem cá dentro, e em relação aos poetas isso é ainda mais verdadeiro. Mas a Câmara do Porto vai de qualquer modo homenagear Ana Luísa Amaral na próxima Feira do Livro do Porto, que já tem data: será de 26 de Agosto a 11 de Setembro e, como de há alguns anos para cá, acontece nos jardins do Palácio de Cristal. Portuense de adopção, Ana Luísa Amaral é lisboeta, mas foi para a Invicta muito nova. Além de escrever poesia, é também ficcionista, dramaturga, ensaísta e autora de literatura infantil, e foi durante muitos anos professora na Faculdade de Letras do Porto. Tem um programa maravilhoso na Antena 2 com Luís Caetano, no qual nos dá a conhecer belíssimos poemas que frequentemente ela própria traduz. Parabéns adiantados pela homenagem mais do que merecida!

28
Jan22

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, nem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de caterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário. Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário. Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico; estaremos todos tão mal preparados para conseguirmos ver as acções íntimas e os objectivos secretos de cada um de nós? Será que devemos todos fechar-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela à prova de som, evocando pessoas através de palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o facto de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender. É assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos. Talvez o melhor fosse não ligar ao facto de nos enganarmos ou não sobre as pessoas e deixar andar. Se conseguirem fazer isso – estão com sorte.

Philip Roth, Pastoral Americana, tradução de Maria João Delgado e Luísa Feijó

27
Jan22

Correntes

Maria do Rosário Pedreira

Vêm aí mais umas Correntes d'Escritas, no final de Fevereiro, sendo que a derradeira sessão, que já de há muitos anos a esta parte costuma acontecer no Instituto Cervantes, em Lisboa, será no último dia do mês, 28, véspera de Carnaval. Mas na abertura, na Póvoa de Varzim, teremos como sempre o anúncio do vencedor do Prémio Literário Correntes d'Escritas/Casino da Póvoa, que é alternadamente de prosa e poesia, e é ele que hoje aqui me traz. Porquê? Porque desta vez os finalistas são tantos que nem vale a pena arriscar previsões... Temos o vencedor do Prémio Europeu (Frederico Pedreira, que partilha o apelido comigo mas não é da família); as obras dos irmãos Gonçalo M. Tavares e José Gardeazabal; livros de autores já consagrados como José Luís Peixoto, João de Melo, Mia Couto e Luísa Costa Gomes; os estrangeiros Almudena Grandes (que morreu há cerca de um mês) e Luis Landero (só estes do universo da língua espanhola, que esquisito); os menos badalados Cláudia Andrade, Paulo Scott ou Patrícia Portela, mas nem por isso menos interessantes ; e as minhas ex-autoras Ana Margarida de Carvalho e Djaimilia Pereira de Almeida. A variedade é tanta que nem dá para apostar. Acho que os membros do júri devem ter escolhido os seus preferidos e, quando se foi a ver, não existiam praticamente repetições. Estou curiosa com a decisão final, claro, como toda a gente. Arriscaríeis algum autor?

26
Jan22

Viver com arte

Maria do Rosário Pedreira

Publiquei um livro há muitos anos sobre as máfias que roubam obras de arte (vasos gregos, bocados de templos romanos, portões e candeeiros art déco, azulejos, pinturas renascentistas...) e as substituem por cópias perfeitas para vender os originais a museus que com eles pactuam ou milionários russos daqueles que têm sempre capangas a protegê-los. Muitas vezes, infelizmente, a coisa corre mal; e, no caso de um Picasso roubado e escondido logo a seguir numa lata do lixo, o ladrão foi caçado e, quando informou onde estava o tesouro, já ele tinha sido  esmigalhado no camião... Imagino frequentemente quem terá na sua sala aqueles quadros lindos de Vermeer que foram roubados em São Francisco e lembro o albanês do romance Os Dez Livros de Santiago Boccanegra, de Pedro Marta Santos, finalista do Prémio LeYa, que tinha um Rothko na sua sala mas não o podia mostrar a ninguém... E falo disto porque vejo que uma americana que foi a Roma aos dezasseis anos, e atirou a moedinha à Fontana di Trevi exprimindo o desejo de ali voltar, acabou por se casar décadas depois com um príncipe romano e vive numa casa com uma escada em espiral desenhada pelo arquitecto da Basílica de S. Pedro, uma escultura de Miguel Ângelo no Jardim e um tecto pintado por... Caravaggio! Mas agora o príncipe morreu e os herdeiros exigem que se venda a mansão por um valor tão disparatado que vai ser difícil encontrar quem a compre. No entanto, se a casa for efectivamente vendida, nem consigo pensar no que será o choque de deixar de poder viver com tanta arte...

25
Jan22

Ler é essencial

Maria do Rosário Pedreira

Não pretendo com este título dizer nada que os Extraordinários já não saibam, pois se aqui vêm tanta vez é porque, evidentemente, sabem bem que ler é essencial. Mas queria chamar a atenção para o facto de esta frase («Ler é essencial») ser também o nome de uma interessante plataforma que envia de vez em quando uma newsletter com dados extremamente interessantes, nos quais doravante me poderei até basear para escrever alguns posts, pois inclui muitas estatísticas à volta do livro e da leitura e apresenta dados numéricos nem sempre fáceis de encontrar. Ainda não descobri quem ma envia, embora assim às pressas me tenha parecido um instrumento da Bertrand, nem quem está à cabeça do projecto, mas gostei para já de saber que ler pode equivaler a rir ou fazer ioga em termos de descompressão ou que uma das maiores livrarias do mundo é a Livraria Esperança e fica no Funchal. Como sei se há aqui muita gente que não vive sem ler e gosta de saber o que puder em torno desse objecto miraculoso que é o livro, hoje passo a sugestão de consulta desta plataforma.

Ler é essencial.jpg

 

24
Jan22

Professores

Maria do Rosário Pedreira

Aqui há uns anos havia muitos professores que queriam trabalhar e não conseguiam vaga. Hoje leio em todo o lado que já existe falta de professores (alguns alunos ainda nem tiveram aulas de determinadas disciplinas e estamos no segundo período lectivo) e que o problema tende a agravar-se nos próximos anos com a previsão da reforma de mais de 50% dos professores que estão no activo e, pior, com a desistência de cerca de 10.000 professores da docência. As razões são óbvias: não há vagas perto de casa e, com família, é muito difícil ir viver para o cu de Judas ou ter despesas a dobrar; o salário é baixo; a profissão está desacreditada; a burocracia é um susto; a progressão na carreira está congelada; o excessivo número de alunos por turma afasta qualquer possibilidade de sucesso... Não há incentivos, nem apoios a quem vai trabalhar para uma cidade a três horas de caminho, pelo que nas universidades os cursos de Educação perderam 70% de alunos nos últimos vinte anos. É uma tragédia. E só me ocorre dizer que quem quer que venha a governar depois do dia 30 terá de olhar para esta situação com olhos de ver e obviamente mudar a agulha. Eu sou a favor de que sejam os estabelecimentos de ensino a contratar os professores e as pessoas possam concorrer para perto das suas casas, pois um professor deslocado não é um professor contente e nunca será um professor que possa passar a alegria de aprender aos seus alunos. E é preciso pagar melhor a quem tem a responsabilidade de transmitir informação e conhecimentos a milhares de crianças e jovens que são, afinal, os donos do futuro.

21
Jan22

Nervosismo

Maria do Rosário Pedreira

Para quem aprecia a poesia, a revista Nervo está de volta, e o seu número 13 chegou mesmo no início do mês, mas ainda não tinha podido falar dele (parabéns pela longevidade da revista a Maria de Fátima Roldão!). Desta feita, o artista responsável pela capa e pelas ilustrações, reputado como outros que já têm dado a cara a esta revista literária, é Pedro Calapez. Com textos poéticos, participam vários nomes incontornáveis, como se diz agora, como Eduardo Chiote, Inês Lourenço ou António Barahona, a par de talentos mais jovens já firmados, como Andreia C. Faria e Jorge Roque, e também os visitantes estrangeiros Gemma Gorga, em tradução de Miguel Filipe Mochila (um tradutor com ideias extremamente interessantes sobre o ofício, que dá aulas na universidade de Porto Rico); Lamiae El Amrani, de Marrocos, traduzida por Zetho Cunha Gonçalves; ou ainda a brasileira Paula Glenadel. Consta ainda deste número um texto de Adelino Pires sobre os centenários de nascimento de Agustina Bessa-Luís e José Saramago. Se anda tanta gente a dizer que está na hora de virar a página, vamos tomar isso à letra e virar as páginas da primeira Nervo de 2022?

20
Jan22

Bons indícios

Maria do Rosário Pedreira

Em Portugal lê-se pouco, e também se lê muitas vezes mal (vale a pena olhar para os TOP e ver os livros dos primeiros lugares para concordar com isto). Ainda assim, apesar de em todo o lado se dizer que nunca a poupança cresceu tanto como neste período da pandemia (pudera, as pessoas não só tiveram medo de perder os empregos e quiseram garantir uns meses de sobrevivência, como sobretudo, em teletrabalho, não saíram para gastar dinheiro), a verdade é que em 2021 os Portugueses gastaram mais dinheiro em livros (as vendas de livros cresceram cerca de 14%, ao que leio). A juntar a isto, a Feira do Livro de Lisboa há muitos anos que não registava números tão bons, fosse nas receitas propriamente ditas, especialmente na Hora H, fosse no número de visitantes, que superou o dos anos anteriores, situando-se nos 350.000. Dizem também alguns inquéritos feitos em território nacional que as pessoas continuam a considerar um livro um dos melhores presentes que podemos dar e que, em consonância, ofereceram bastantes livros no último Natal. Bem, claro que 2021 continuou a ser um ano atípico, mas será que podemos pensar que são bons indícios para o futuro? Oxalá não seja tudo mera excepção.

19
Jan22

Dólitá

Maria do Rosário Pedreira

Quando era miúda, havia uma distribuidora que colocava nas papelarias e tabacarias portuguesas um monte de livros de quadrinhos e revistas brasileiras. Eu lia muitos Tios Patinhas nas férias, era uma fã do Peninha e detestava o Gastão, mas do que gostava a sério era de uma revista de actividades para crianças chamada Recreio, com textos para ler, figuras para recortar e montar, passatempos, jogos educativos e até ideias de presentes para pais e avós. Uma vez até levei um raspanete porque tinha levado as revistas sem autorização e preguei um calote na papelaria da dona Aninhas que a minha mãe teve de pagar... Mas nunca mais vi nada do género em Portugal, o que é uma pena, pois as crianças pequenas vão logo direitinhas aos telemóveis dos pais quando se querem entreter e já há estudos que dizem que a baixa do QI e a crise de criatividade estão ligadas à massificação do digital. Por isso apoiei a saída em Fevereiro próximo de uma revista infantil com o nome Dólitá, dedicada sobretudo a crianças até aos seis anos, que está aí numa campanha de crowdfunding na plataforma PPL e procura apoios até 28 de Janeiro. Histórias curtas para os pais lerem ao deitar, jogos, desenhos para pintar, bandas desenhadas sem texto para as crianças imaginarem a história, e tudo em material resistente para não ir logo parar ao lixo, há de tudo nesta revista de Mariana Mota Soares que desejamos que chegue depressa a todas as crianças. Para quem quiser apoiar, mando o link:

https://ppl.pt/dolita

 

18
Jan22

As possibilidades da ficção

Maria do Rosário Pedreira

Uma das autoras que mais recentemente descobri, a norte-americana Elizabeth Strout (que começou a publicar já tarde, como Saramago), está a tornar-se uma das minhas preferidas. Em primeiro lugar, porque se percebe logo que não se deixa influenciar pelas modas politicamente correctas, é ela própria em todos os momentos, custe isso a quem custar; em segundo lugar, porque é muito diferente dos escritores da sua geração e descobriu uma forma de fazer romances às fatias, introduzindo personagens novas em todos os capítulos, que compõem histórias independentes que quase podem ser lidas de forma autónoma, embora, claro, ganhem e se iluminem com tudo o resto. A minha mais recente leitura de Strout foi Tudo É Possível, e é fantástico como o anterior O Meu Nome É Lucy Barton é como uma preparação para este livro cheio de possibilidades, onde reencontramos figuras que já conhecemos mas uns anitos mais velhas, incluindo a própria Lucy Barton, que se tornou uma escritora famosa e regressa à sua aldeia natal para visitar o irmão, um rude afável e nervoso que a admira muito e até compra um novo tapete para a receber. Profundamente humana e sem lamechice, esta é uma literatura muito próxima das pessoas, sem paninhos quentes nem mitificações. A ler, portanto.

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