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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Mai22

Poema contínuo

Maria do Rosário Pedreira

Não há dúvida de que há muito menos gente a ler poesia do que ficção, e este blogue é já uma prova disso, pois são muito mais os comentários, o interesse e as achegas quando falo de um romance do que quando menciono um livro de poesia (mesmo meu). O Manel um dia destes foi a uma sessão no Instituto Cervantes sobre Francisco Umbral (que é um verdadeiro poeta a escrever prosa) a propósito da saída entre nós de Mortal e Rosa, com tradução de Carlos Vaz Marques, pela editora Tinta-da-China; e veio de lá com uma história curiosa que o jornalista contou. Nos anos 1930, um poeta francês mandou alguns dos seus poemas para uma revista literária e, pouco depois, recebeu uma carta da direcção dessa revista elogiando os textos e dizendo que os publicaria. Como nesse tempo era hábito as revistas literárias em França pagarem os textos seleccionados, o poeta perguntou quanto iria ganhar com a publicação, ao que lhe responderam que... nada, pois pagavam apenas aos autores de prosa (como se um poema desse menos trabalho, enfim). Pois bem, como ele precisava mesmo de dinheiro, respondeu que então anulassem os versos e escrevessem tudo de seguida. Suponho que lhe pagaram, mas não sei o fim da história. De qualquer modo, é assim, tal qual, a prosa de Umbral, um «poema contínuo» deslumbrante.

30
Mai22

Na Torre de Belém

Maria do Rosário Pedreira

Em pleno século XVI – num período em que Portugal se cumpre como Império – a fortaleza da Torre de Belém torna-se palco de uma série de crimes insólitos e violentos. Acessível apenas por mar e aparentemente inviolável, o monumento é o símbolo máximo da expansão do reino, mas, nos seus pequenos detalhes, parece anunciar também a sua queda… António de Mello, o jovem Ouvidor da Casa do Cível encarregado de investigar as ocorrências e descobrir o autor dos homicídios, debater-se-á entre os que atribuem as mortes à sanha do demónio e os que, observando as afinidades das vítimas, crêem nos planos de uma seita que deplora as mudanças que se avizinham. Porém, em vez de soluções, encontrará cada vez mais obstáculos e a ideia de que, quanto mais avançar, mais tudo ficará na mesma. Num thriller absolutamente excepcional pelo qual perpassam muitas personagens históricas – de Pedro Nunes a Garcia de Orta ou Damião de Góis –, bem como temas tão diversos como a Cabala, a Inquisição, a Astrologia ou a corrupção e os actos praticados em nome de Deus, Luísa Beltrão constrói uma teia exemplar na qual o leitor se enredará tanto como o protagonista para concluir que o passado, ao contrário do que frequentemente se pratica, tem de ser compreendido, e não julgado. O lançamento é amanhã, na Biblioteca Palácio Galveias, às 18h30.

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27
Mai22

Três mulheres

Maria do Rosário Pedreira

Hoje, não vou estar por aqui pelo blogue e, quando estiverem a ler este post, estarei quiçá já guiando rumo ao Porto, onde acontece o lançamento do romance Três Mulheres no Beiral, de Susana Piedade, o terceiro livro que publico desta autora, que foi duas vezes finalista do Prémio LeYa. O primeiro tinha também que ver com três mulheres e chamava-se As Histórias Que não Se Contam; e o segundo, intitulado, O Lugar das Coisas Perdidas, debriçava-se sobre o desaparecimento de uma criança a caminho da escola e as desconfianças que, a partir de então, recaem sobre toda uma pequena comunidade. Deste que hoje se apresenta já aqui falei no blogue e até já reproduzi um excerto na sexta-feira passada que foi muito apreciado pela maioria dos Extraordinários. Se não conhecem esta autora, leiam-na, E, se estiverem pelo Porto esta tarde, apareçam nesta apresentação: seremos também três mulheres à mesa, o que tem a sua piada.

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26
Mai22

Ai, o verão

Maria do Rosário Pedreira

Vem aí o Verão, e o livro de que hoje falo celebra-o como na minha juventude o celebrava a série espanhola de televisão Verão Azul. Chama-se Os Reis do Mar e o seu autor é David Machado, que já antes nos tinha brindado com o maravilhoso Não Te Afastes, sobre um furacão que acaba por tornar amigos um rapaz e a cria de um rinoceronte fugida do Jardim Zoológico no meio da confusão. No novo romance, o jovem Samuel tem um único objetivo: encontrar a sua casa levada pelo furacão e voltar à vida que tinha com os pais na cidade. O seu amigo Rá contou-lhe as histórias sobre os Piratas do Multiverso e mil outras conspirações intergalácticas que parecem explicar tudo: o velho Benício e o seu tesouro, o veleiro que misteriosamente surge no horizonte, a sinistra criatura que habita na Ilha dos Lobos… e até o paradeiro da casa desaparecida. A jovem Kaya – que sonha ser jornalista – juntar-se-á a eles, ainda que a sua racionalidade nem sempre seja bem-vinda; mas os rapazes gostam ambos dela, e isso pode ser um problema...  Os Reis do Mar é uma empolgante aventura sobre o lugar – e a idade – onde a imaginação e o real se encontram. A ler, por crianças e adultos! A capa e as ilustrações são do magnífico Alex Gozblau.

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25
Mai22

Aramburu

Maria do Rosário Pedreira

Numas férias de há talvez quatro anos, carreguei para a praia diariamente um calhamaço pesadinho. Tratava-se de Pátria, do escritor basco Fernando Aramburu, que trata da divisão de duas famílias muito chegadas por causa da ETA e do homicídio de um dos homens, quiçá pelo filho do outro. As personagens (pais, mãe e filhos) são realmente um primor de desenho, desde o pequeno empresário que vem a casa almoçar e dormir a sesta até à jovem que tem um AVC incapacitante, mas escreve num iPad aos parentes, ou o seu irmão que se junta à organização terrorista. Mais tarde vi a série, basca, muito fiel ao original; e gostei, embora na minha cabeça os rostos das figuras fossem bastante diferentes. Hoje Aramburu estará em Portugal para falar desse livro, claro, que marcou decisivamente a sua carreira, mas sobretudo da sua obra mais recente em Portugal, O Regresso dos Andorinhões, traduzido por Cristina Rodriguez e Artur Guerra. A conversa tem lugar no Cervantes às 18h30 e terá por moderadora Ana Daniela Soares. Imperdível, parece-me.

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24
Mai22

As outras artes

Maria do Rosário Pedreira

Costumo falar de livros e literatura nesta sala de estar, pois entendo que é esse o denominador comum que une os que cá vêm. Contudo, no último sábado consegui sair um pouco da casca e vi duas coisas que recomendo. A primeira é uma exposição do pintor Nuno Barreto, da Escola de Belas Artes do Porto, que viveu muitos anos em Macau antes de regressar à pátria, onde, de resto, morreu ainda novo. Não sei se foi a distância que o distanciou também de mim, se apenas a minha ignorância em termos de pintura portuguesa, pois não conhecia a obra deste artista; mas é uma belíssima exposição patente no Museu do Oriente, em Lisboa, que aconselho realmente entusiasmada. Depois, na sequência da visita a Lisboa da minha autora georgiana, também cineasta, soube que um dos seus filmes, My Happy Family, que assina com o marido, estava disponível na Netflix e fui vê-lo. Muito bom. É a história de uma mulher de meia idade, professora, que se farta da família chata que tem (os pais, o marido, os dois filhos já adultos...) e resolve fazer as malas, procurar um apartamento e deixar toda a gente... de boca aberta, pois a Geórgia é uma sociedade eminentemente patriarcal. Há muito quem pense que ela tem uma razão para abandonar o marido (e tem, mas nem ela sabe quando sai de casa). Um filme muito interessante e bem escrito que vale a pena ver.

23
Mai22

Os filhos (maus) dos escritores

Maria do Rosário Pedreira

Quando se fala da família dos escritores, quem normalmente vem à baila são as viúvas... Nem sempre, ainda por cima, pelas melhores razões, já que algumas delas dependem dos direitos de autor dos falecidos para viver e gerem-nos ao tostão como quem conta os trocos na mercearia, para garantir que não são enganadas. Quanto mais sucesso têm os autores (como Jorge Luis Borges, só para dar um exemplo), piores costumam ser as viúvas (a dele parece que não é uma pessoa fácil). Mas hoje falo dos filhos dos escritores, que são raramente mencionados, a menos, evidentemente, que se tornem também eles próprios membros do ofício (há vários). E falo disto porque, há muitos anos, conheci uma filha de Paul Auster que era cantora, Sophie, embora nessa altura ainda estivesse a dar os seus primeiros passos na carreira. Não sabia que o escritor tinha mais filhos, mas a imprensa revelou recentemente que tinha um filho mais velho. Este filho foi, imaginem, acusado de matar a filha de dez meses com uma overdose de heroína, antes de ter sido ele próprio encontrado morto com uma overdose no meio da rua. Caramba! Conheço alguns escritores que tiveram filhos difíceis e problemáticos, mas nunca pensei que a um autor como Auster acontecesse uma tragédia destas. A realidade, pelos vistos, superou a sua ficção...

20
Mai22

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

No começo da primavera, Agustina saiu de casa a arrastar as pantufas e, cheia de tremeliques, bateu à porta da amiga para lhe contar que o senhorio vendera o imóvel e os novos proprietários queriam despejá-la à pressa. Não faltavam imobiliárias, sociedades e Fundos a comprarem casas e lojas a granel por aquelas bandas. Mas uns levavam as investidas ao limite. Primeiro, deixaram-lhe um recado na caixa do correio. Depois, voltaram com promessas e papéis, garantindo‑lhe um apartamento jeitoso não muito longe, mais aconchegante, que era uma forma de dizer assim para o pequeno, nem os móveis lá cabiam; mas, quando ela recusou, trocaram logo as simpatias por ameaças e incumbiram dois brutamontes de lhe passar a mensagem. Quando lhe cortaram a eletricidade para a amedrontar, andou à luz de velas e lamparinas a óleo, sempre com medo de pegar fogo à casa, sobressaltando-se só de ouvir o batente ou a serenata dos gatos esfomeados à porta.

Assim nascia o terror.

[...]

Nem Piedade se livrou da praga.

Começou também com uns bilhetinhos metidos na caixa de correio, brotavam como cogumelos venenosos. Depois do primeiro, ela apanhava-os e deitava-os ao lixo sem os ler. Talvez os intrusos julgassem que a vergavam facilmente; naquela idade, as pessoas não precisavam de muito para morrer, e para eles tanto dava, mais velho, menos velho. Uma vez bateram-lhe à porta com uma conversa fiada de vendedores de Bíblias, como quem anuncia a chegada do Salvador, mas Piedade estava de sobreaviso e percebeu logo ao que iam. Fez-se de desentendida e despachou-os em três tempos, porque, ao contrário da maior parte dos vizinhos, arrendatários tratados abaixo de cão, a casa pertencia-lhe. Julgou que o assunto ficara arrumado, mas eles voltaram. No começo, sozinhos, de mãos vazias, como se lá tivessem passado por acaso,

– Bom dia, minha senhora, como vai?

cheios de salamaleques, só os olhos a espreitarem pelo postigo entristecido, sorrisos desafinados. Pouco depois, sobrevoavam a casa como abutres; as caras mudavam, mas o paleio era o mesmo. Vinham aos pares ou em grupo, fatos e gravatas com voz grossa, carregando papéis numa pastinha polida, uma caneta a jeito para o caso de a persuadirem com dois dedos de conversa, apontando-lhe as linhas com uma cruz como se ela fosse parva.

– É só assinar.

Já sem se esforçarem tanto por agradar, retocando os argumentos para parecerem diferentes:

– Diga lá, minha senhora, para que quer este casarão na sua idade?

 

Susana Piedade, Três Mulheres num Beiral

19
Mai22

Ouvir

Maria do Rosário Pedreira

Tenho reparado ao longo da minha vida, em vários festivais e espectáculos, que muita gente que diz não gostar de ler poesia gosta, efectivamente, de ouvir ler poesia. A sorte para nós, que amamos a poesia, é haver muitíssima gente por esse país fora que a sabe dizer bem, porque, claro, se trata de grandes leitores , pessoas que a lêem há muito para si e para os outros, verdadeiros cultores desse género literário. No próximo dia 25, numa sessão intitulada Viagem ao Silêncio, o poeta e diseur José Anjos, na companhia de Paula Cortes (leitores), e com o acompanhamento musical de Alexandre Cortez (baixo) e Filipe Valentiom (piano), mostrarão no El Corte Inglés (às 18h30) como é bela a obra poética de Miguel Torga, esse criador que, como escreveu o grande Eduardo Lourenço, «podia dizer que escrevia como lavrava a terra». Com uma voz singular, a sua poesia faz a «apologia da natureza», tão esquecida da poesia contemporânea. E é bom que os jovens, como José Anjos, não se esqueçam destes poetas desaparecidos. Obrigada.

18
Mai22

A vida de Pessoa

Maria do Rosário Pedreira

A personalidade fascinante de Fernando Pessoa, escrevendo por muito mais do que as quatro mãos que os miúdos aprendem na Escola Secundária, atraiu um número bastante grande de académicos para o estudo da sua obra, quer em Portugal, quer no estrangeiro, onde professores e escritores se apaixonaram claramente pela diversidade, pelo volume e pela maravilha dos textos saídos de arcas e mais arcas de tantos em tantos anos. Patrick Quiller, por exemplo, foi um dos responsáveis pela difusão de Pessoa em França, e Antonio Tabucchi, todos o saberão, mostrou-a aos leitores italianos. A edição da obra pessoana em Portugal tem estado, de resto, a cargo de dois investigadores estrangeiros: o colombiano Jerónimo Pizarro, que dirige a colecção na editora Tinta-da-China e ensina Pessoa na Universidade dos Andes, em Bogotá; e o norte-americano Richard Zenith, que coordena a colecção da editora Assírio & Alvim. Era a este pessoano, aliás, que eu queria chegar hoje, pois acaba de ser publicada o seu Pessoa: Uma Biografia, publicado pela Quetzal, um livro que esteve na final do Prémio Pulitzer e do qual  António Damásio disse ser «a equilibrada união entre o génio literário de Fernando Pessoa e os poderes analíticos do seu biógrafo». Muito curiosa com estas mais de mil páginas... para ir lendo e entremeando com outras coisas mais maneirinhas.

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