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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Mar23

O valor dos livros

Maria do Rosário Pedreira

Já escrevi aqui muitas vezes que ninguém rouba os livros quando assalta uma casa; e que serão cada vez mais raros os manuscritos de escritores encontrados, não sendo sequer credível que, daqui a vinte anos, ainda haja alguém a escrever num caderninho, à mão, e só depois passar ao papel... (Até poesia se escreve hoje em computador!) Do mesmo modo, a correspondência dos escritores com confrades ou editores tem os dias contados, e não terá assim muita graça que se reproduzam em biografias ou testemunhos e-mails, pois seria muito fácil, no fundo, inventá-los ou modificá-los (e eu nem sei nada de informática, imaginem os experts). Porém, enquanto ainda permanecem espalhados por aí bilhetinhos e cartinhas de gente famosa, há pelos vistos quem lhes deite o olho. Um jovem italiano apaixonado pelos livros desde criança estagiou durante um tempo numa agência literária londrina e apercebeu-se de que havia por lá vários manuscritos de autores consagrados, como, por exemplo, Margaret Atwood. Como não conseguiu ficar lá a trabalhar, fez-se então passar por quem não era, criou um endereço de correio electrónico falso e vai daí começou a pedir a vários autores textos escritos pelas suas belas mãos ao longo de...seis anos. Segundo o Observador, que conta a história, quando os recebia era como se continuasse a trabalhar na agência e nunca tivesse deixado a indústria editorial, como desejava. Não chegou a vendê-los, não chegou a apanhar os 20 anos de prisão que podiam ter-lhe sido aplicados, mas acabou por ser descoberto e, arrependido do que fizera, teve de pagar 82 mil euros... E ainda dizem que os livros não dão dinheiro.

30
Mar23

Na ilha

Maria do Rosário Pedreira

Louise é uma alpinista experiente, Ludovic um jovem atlético. Destemidos e desejosos de um ano de liberdade, deixam o apartamento em Paris e uma vida bastante convencional para se lançarem numa aventura: darem a volta ao mundo num veleiro. A ilha onde aportam, no pólo sul, atrai-os pela beleza selvagem: picos nevados, crateras geladas, um lago seco. Mas de repente surge uma nuvenzinha escura ao longe… Quando a tempestade levanta, destrói tudo à sua volta e o barco desaparece. Os dois ficam subitamente sós; os pinguins, as otárias, os elefantes-marinhos e as ratazanas passam a ser a sua única companhia numa velha estação baleeira, abandonada há décadas. A aventura romântica torna-se um pesadelo e a relação do casal deteriora-se a cada dia. Será possível sobreviver numa natureza tão estranha e hostil? Durante quanto tempo? Como poderão lutar contra a fome e a exaustão num lugar tão isolado? E, se sobreviverem, como será regressar para junto dos seres humanos? Como contar-lhes o inenarrável? Subitamente, Sós é uma obra notável escrita por Isabelle Autissier, a primeira mulher que deu a volta ao mundo num veleiro em solitário, sobre o engenho e as estratégias de sobrevivência em momentos de crise e, ao mesmo tempo, um aviso sério relativo ao poder da natureza sobre o homem. Acabadinho de sair.

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29
Mar23

Tecer e escrever

Maria do Rosário Pedreira

Quando publiquei o meu primeiro livro de poesia, em 1996, o saudoso Eduardo Prado Coelho dedicou-me uma crítica cujo subtítulo dizia: «A poesia de Maria do Rosário Pedreira vem de saber tecer, à maneira de Penélope, uma imensa teia de gestos e referências, objectos e frases, sinais e afectos.» Esta analogia do tecer quando falamos de escrever não é nova; e não é por acaso que se fala tanta vez, por exemplo, no fio da narrativa ou de urdir uma trama ou numa história mal cosida. Mas eu não tinha pensado nunca realmente a sério que talvez a literatura oral tenha sido transmitida sobretudo por mulheres que, não sabendo ler, sabiam contar histórias e as transmitiam umas às outras e às crianças enquanto cosiam ou teciam. A historiadora do livro Irene Vallejo, autora de O Infinito no Junco, gravou para o jornal El País um pequeno vídeo imperdível sobre esta sua convicção (a do papel importantíssimo das mulheres na transmissão da literatura desde tempos muito antigos). E, embora não sabendo se todos compreendem o castelhano, achei irresistível aqui partilhá-lo, pois em cinco minutos é realmente fascinante a ideia que veicula.

https://www.facebook.com/watch/?v=271951907342171

 

 

28
Mar23

Uma história real

Maria do Rosário Pedreira

No ano passado, como se devem lembrar os alfacinhas, a Feira do Livro de Lisboa decorreu em Agosto/Setembro e tivemos, num domingo, um acontecimento bastante inesperado... Estava o escritor Moita Flores a autografar os seus romances numa mesinha quando, de repente, teve um enfarte e caiu literalmente para o lado. Alguns minutos antes, eu tinha estado a acompanhar a cantora Luísa Sobral e a ilustradora Camila Beirão dos Reis, autoras de um livro que publiquei, e o cardiologista que operara Salvador Sobral passara para as cumprimentar e pedir um autógrafo. Foi uma sorte! O médico ainda se encontrava no recinto quando Moita Flores sucumbiu e foi quem fez a massagem cardíaca ao escritor. A reanimação demorou imenso tempo, e houve muita gente que pensou que perdíamos Moita Flores na Praça LeYa. Graças a Deus, o INEM trazia desfibrillhador e conseguiu trazê-lo de volta à vida. Internado, operado e recuperado, Moita Flores acabou a escrever um romance sobre o dia fatídico, no qual conta como o seu coração parou, como foi salvo por médicos compradores de livros e como pertence a uma ínfima percentagem de sobreviventes do tipo de ataque cardíaco que sofreu. Não isento de humor, o livro Um Enfarte no Alto do Parque é também uma chamada de atenção para que acompanhemos de perto os nossos problemas de saúde e possamos prevenir o pior. Entre as acções de promoção do livro, o autor quer matar o fantasma e... voltar à Feira do Livro.

 

 

27
Mar23

«Nervo cáustico e terno»

Maria do Rosário Pedreira

Esta é a semana da poesia e há que falar dela. No sábado dia 18, fui a Constância, à Casa-Memória de Camões (o poeta maior das nossas letras que ali nasceu), a uma tertúlia de poesia, com apresentação de um livro meu, conversa, perguntas e leituras dos circunstantes. E foi de lá que trouxe mais um número da revista Nervo, que aqui sempre publicito e divulgo, e que me foi oferecido pela editora, Maria de Fátima Roldão, ela própria poetisa. A dedicatória fala de «Nervo cáustico e terno», uma boa definição desta revista de poesia, que tem sempre poetas muito distintos e pertencentes a várias famílias (mais cáusticas ou mais ternas). Desta feita, podemos ler textos dos poetas de língua portuguesa Daniel Jonas (também grande tradutor, entre outros, da poesia de Milton), Eduarda Chiote, José Emílio Nelson, Paulo Henriques Brito (do Brasil) ou Regina Guimarães; e, pela mão de outro grande tradutor chamado Miguel Filipe Mochila, poemas do mexicano Eduardo Lizalde. Este número inclui ainda um texto de Vítor Ferreira sobre Eugénio de Andrade e um testemunho de João Vilhena sobre Gastão Cruz. A capa é de Cristina Ataíde. Leia poesia.

24
Mar23

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Aos vinte e dois anos [Janet Frame] deu entrada num hospital psiquiátrico; entrou voluntariamente, mas mantiveram-na ali à força. Foi diagnosticada erradamente como esquizofrénica e aplicaram-lhe electrochoques. Isto foi no fim dos anos quarenta, de modo que receio que também não tenham usado relaxantes ou anestesia. E assim foi passando o tempo, entre o tormento dos electrochoques e o atordoamento dos fármacos, até a deixarem sair em 1954. Tinha passado oito anos lá dentro. Pouco antes de sair da clínica, aconteceu o milagre que quero contar. Os médicos tinham decidido fazer-lhe uma lobotomia, um tratamento selvagem muito em voga nessa altura, que consistia em cortar uma parte do cérebro (isto, felizmente, já não se faz). A entrada de Frame na sala de operações estava iminente quando, uma tarde, o Dr. Blake Palmer, director do hospital, fez uma visita insólita ao pavilhão onde Janet estava internada. Além disso, «para assombro de todos», foi direito a ela: «Decidi que você deve continuar como está. Não quero que mude. Viu as notícias de última hora do Star desta tarde?», perguntou-lhe, abrindo o jornal que trazia debaixo do braço. É evidente que Frame não o tinha visto: naquela área do hospital a leitura não era permitida. «Você ganhou o Prémio Hubert Church para o melhor trabalho em prosa. Pelo seu livro The Lagoon. A colection of short stories.» Era um volume de contos, o primeiro que a escritora publicara. Janet ficou maravilhada: «A sério?» «Sim», respondeu Palmer. «Vamos tirá-la deste pavilhão. E nada de lobotomia.»

 

Rosa Montero, O Perigo de Estar no Meu Perfeito Juízo

23
Mar23

Um curso

Maria do Rosário Pedreira

Desafiaram-me a fazer um curso sobre edição, um curso que, no fundo, explique em termos gerais o que deve ter um livro para ser publicado e fazer o seu caminho literário. Em relação às outras artes (pintura, música, escultura, cinema, dança...), é suposto as pessoas terem uma formação adequada antes de se atraverem a ser artistas (e algumas, mesmo com formação, nunca lá chegam). Mas, quanto à literatura, está mais ou menos vulgarizada a ideia de que basta saber gramática, ter imaginação e possuir um computador para se publicar um livro. Nada mais falso: há excelentes alunos a Português que nunca serão capazes de concluir um bom romance... Neste curso de duas sessões (de duas horas cada), aos domingos às 18h00 (para toda a gente poder assistir), vou tentar falar de leituras, de competência, de talento, de escrever até doer, de humildade, do que é editar e publicar... e de muito mais coisas. Se estiver interessado, inscreva-se, começa já no próximo domingo. A organização é da Retiros Literários e os contactos estão no cartaz.

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22
Mar23

Uma vida escrita

Maria do Rosário Pedreira

Tenho falado de bastantes autores que cumprem este ano o seu centenário; e, claro, não poderia falhar o queridíssimo Eduardo Lourenço, um dos mais importantes pensadores de e sobre Portugal e, além disso, aquele senhor absolutamente delicioso e cheio de graça que tanta falta nos faz. A Fundação Calouste Gulbenkian marca a efeméride com um colóquio que lhe é dedicado no próximo dia 28, no qual haverá conversas, música, exposição de fotografias e o lançamento do último volume das suas Obras Completas, que inclui inéditos; o colóquio «parte desta ideia de vida escrita, que é uma ideia que Eduardo Lourenço desenvolve a propósito de Montaigne, que foi uma grande referência da sua obra, que é uma designação perfeita do núcleo da obra de Eduardo Lourenço», fiz o organizador. Entre os participantes, encontraremos António Feijó, Rita Patrício, Richard Zenith, Carlos Mendes de Sousa, Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós, João Dionísio, Margarida Calafate Ribeiro, Clara Caldeira, João Tiago Lima, José Carlos de Vasconcelos, Isabel Lucas e Pedro Sepúlveda, além de Guilherme d’Oliveira Martins, da administração da Gulbenkian, sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, onde passou a ocupar a cadeira de Eduardo Lourenço. A não perder.

21
Mar23

Natália

Maria do Rosário Pedreira

Já aqui escrevi várias vezes sobre «a Natália», poetisa e mulher tão fascinante que ninguém que a tenha conhecido alguma vez poderá esquecer. De boquilha na boca e batom nos lábios (em O, à Castafiore), uma voz com um timbre especial e uma fantástica coragem (às vezes, era quase desfaçatez), Natália Correia foi muita coisa além de escritora e deputada, e é agora a protagonista de O Dever de Deslumbrar: Biografia de Natália Correia, de Filipa Martins, ontem mesmo lançada no auditório da Sociedade Portuguesa de Autores com apresentação da escritora Lídia Jorge e leitura de poemas por Teresa Tavares (alguns também cantados por Mia Tomé). A biógrafa andou a estudar a vida de Natália ao longo de muito tempo, sendo autora do argumento da série de televisão Três Mulheres (em que Natália ombreava com Snu Abecassis e Vera Lagoa) e ainda a co-autora, com Joaquim Vieira, de um documentário muito bom sobre Natália, que aconselho vivamente, com importantes testemunhos, como o de José Manuel dos Santos, que conheceu Natália de perto. O Dever de Deslumbrar está já disponível nas livrarias e segue-se a outras biografias e livros dedicados à diva, de que recordo em especial uma Fotobiografia da autoria de Ana Paula Costa e um livro sobre o Botequim (o bar de Natália Correia) de Fernando Dacosta. Ide ler!

P. S. Para quem se interesse: hoje às 19h00, na Casa Fernando Pessoa, haverá uma homenagem a Ana Luísa Amaral. Com Lídia Jorge, Margarida Vale de Gato, Francisco José Viegas e euzinha, moderados por Luís Caetano.

20
Mar23

Feira da Poesia

Maria do Rosário Pedreira

Nas grandes livrarias, é dado geralmente protagonismo à ficção e, dentro dela, à ficção estrangeira de nomes conhecidos ou à dos autores portugueses que vendem muito. A poesia está sempre numa estantezita estreita e, além da obra do Pessoa, que consta quase sempre de meia prateleira, o resto é sempre uma incógnita, pois raramente há mais de um livro de cada título e os títulos também são quase só os que saíram no ano em causa. Por isso é tão bom que haja uma feira do livro dedicada especialmente à poesia, comemorando também o Dia da Poesia, festejado mundialmente em 21 de Março. E, depois de uns anitos de ausência à conta da pandemia (e talvez também das obras do metro), vamos ter finalmente de volta a Feira do Livro de Poesia no Jardim da Parada, em Campo de Ourique. Com uma organização conjunta da Casa Fernando Pessoa e da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, vai estar aberta de 21 a 26 de Março e terá mais de dez editoras de poesia a participar. Por isso, se anda à procura de um livro de poesia que não encontra em lado nenhum, esta é oportunidade certa para o comprar.

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