Ontem falei aqui do perigo de morte de certas palavras que as novas gerações já não usam e da importância de as passarmos, nem que seja como curiosidades, aos mais novos. Na verdade, esqueci-me de contar uma história que vinha a propósito. Um autor de romances que publiquei em tempos, Hugo Gonçalves, e também um grande cronista que escreveu no DN, contou no Facebook: «Fosso de gerações: hoje ligou-me uma rapariga muito simpática a saber como corria a renovação da minha assinatura digital de um jornal: "Teve oportunidade de usar a app e ver se está tudo bem?" Respondo eu: "Hoje só passei os olhos pelas gordas." Silêncio. Ela não fazia a mínima ideia do que eu queria dizer com aquilo.» A história não acabava aqui, tinha ainda uma nota de humor sobre o desaparecimento da palavra «gordo» dos livros de Roald Dahl, de que também já aqui falei; mas, para o caso, o que queria dizer é que me aconteceu exactamente o mesmo «fosso de gerações» com a expressão «ir ao baeta» quando uma ex-assistente minha, na geração dos vinte, tinha feito um novo corte de cabelo e eu lhe disse que fizera muito bem em «ir ao baeta». Lembro-me de, quando eu era pequena, «giro» soar esquisito na boca da minha avó (que dizia «jeitoso»), mas qualquer dia «giro» vai ser uma antiguidade...
Não sei se alguém reparou, mas no meu post de ontem, sobre o livro de Clara Dupont-Monod, usei dois vocábulos que estão em desuso: «flausina» e «mastragança». São palavras cheias de sumo, forradinhas de sentido, mas infelizmente a cair no esquecimento. Porém, apelo aos leitores deste blogue que se esforcem por incluí-las nos vossos escritos e discursos; e, tal como estas que referi, muitas outras que todos ouvimos decerto aos nossos pais e avós e correm o risco de desaparecer dos nossos dicionários. Eu sei, não é normal retirar do vocabulário uma palavra só porque não anda nas bocas dos contemporâneos. Porém, segundo li, no mês passado o Instituto Camões anunciou que vai considerar palavras mortas todas aquelas que não tenham sido utilizadas nos últimos três anos. Quem deu a notícia com escândalo no Facebook fez, de resto, questão de juntar imediatamente à informação uma dúzia de saborosos vocábulos, como «zureta», «pelém» e «sanapismo». E eu junto «bazulaque», que aprendi com o escritor Mário Cláudio, «lambisgóia», «amásia» ou a expressão «a nove» para dizer «a correr» que, infelizmente, já quase não ouço por aí. Faça o mesmo e não deixe as palavras morrer. Se isto já está pobrezinho, ainda mais pobre ficará.
Ultimamente, não sou especialmente atraída pelos livros franceses, sobretudo desde a banhada que apanhei nas férias do Verão com aquela mastragança da Breve Vida das Plantas (já nem sei se o título era exactamente esse); mas, não me lembro onde, alguém aconselhava vivamente O Nosso Irmão, um pequenino romance de Clara Dupont-Monod (chefe de redacção da Marianne, uma revista que tem nome de publicação para entreter flausinas, mas não é nada disso) e acabei por comprar, quiçá um pouco influenciada pela ressonância do título O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral (Prémio LeYa 2014) e por ser igualmente sobre a temática da deficiência. Fiz bem em começar a lê-lo, porque vou a mais de meio e, embora a prosa seja às vezes borrifada com algumas imagens estranhas, a verdade é que se trata de um livro muito bonito (e contado pelas pedras, vejam lá), sobre a relação de três irmãos ("o mais velho", "a mais nova" e "o último") com o irmão nascido com uma deficiência profunda e sem grandes perspectivas de sobreviver aos primeiros anos de vida. O romance, que venceu os prémios Femina, Goncourt des Lycéens e Landerneau, é especialmente interessante pela forma como na mesma família são tão diferentes os modos de cada um reagir ao incómodo e à diferença da criança que não vê, não fala e não anda. Com cenas absolutamente comoventes a espaços, vale muito a pena (às vezes é preciso desatar o nó no peito e respirar fundo, como na vida).