Têm vindo a Portugal nos últimos tempos muitos poetas latino-americanos, e alguns espanhóis, para divulgação das suas obras em Portugal, já que a poesia é provavelmente, a par do teatro, dos géneros menos traduzidos entre nós. Fazem-no no contexto dos Encontros Poesia Ibero-Americana, um ciclo organizado pela também poetisa Lauren Mendinueta, colombiana com vários livros publicados em Portugal, que assinou além disso uma antologia de poetas do seu país publicada há uns anos na Assírio & Alvim, com tradução de Nuno Júdice, intitulada Um País Que Sonha. Dentro deste ciclo, amanhã na Fundação José Saramago, pelas 18h30, terá lugar uma actividade ao vivo que incluirá os poetas Adriana Hoyos (Colômbia), Fernando Pinto do Amaral (Portugal) e Margarida Vale de Gato (Portugal) e terá a participação musical de Víctor Zamora (piano, Cuba), Nuno Rocha (guitarra, Portugal) e Edouard Rambourg (saxofone, França). A sessão conta com o apoio da OEI (Organização dos Estado Ibero-Americanos) e a entrada é livre, sujeita à lotação da sala. Vamos ouvir?
Está a chegar às livarias e às vossas mãos o novíssimo romance vencedor do Prémio LeYa, o maravilhoso A Arte de Driblar Destinos, de Celso Costa, que destronou os outros quatro finalistas no concurso de 2022. É um romance de formação que decorre numa aldeia do interior do Paraná, onde a escola oficial não vai além dos primeiros anos e os cuidados de saúde são precários, levando a que os males do corpo e da alma sejam tratados com o que se tem à mão ou com a intervenção de feiticeiros. É neste cenário que o protagonista – um menino nascido no seio de uma família que se vê constantemente em apuros para pagar os descalabros de um pai que não ganha juízo – é incentivado a prosseguir os estudos por uma professora primária e acaba acalentando o sonho de se tornar também professor e enganar o destino que lhe estaria reservado. Romance-mosaico que toma a educação como motor e garante da liberdade, o livro foi elogiado pelo júri e também por Itamar Vieira Junior, vencedor do prémio em 2018, que sobre ele disse: «A Arte de Driblar Destinos é um tesouro de rara honestidade e beleza.» Por que esperam para o ler? A capa, maravilha!, é de Rui Garrido.
Muito se tem discutido e dito sobre o que é um bom livro, e realmente não há respostas que sirvam a cem por cento para tudo, mas sabemos que, naturalmente, os livros que resistem ao tempo têm pelo menos alguma garantia de qualidade, sobretudo por conseguirem sobreviver a tantos outros que morrem ao seu lado (muitos dos quais em vida do autor). Tendemos a chamar «clássicos» aos mais imorredoiros, e o grande leitor e editor que é Francisco José Viegas prepara-se para dar um curso sobre alguns destes clássicos (romances e contos) que vão resistindo a todas as intempéries e desastres culturais e encontrando leitores contemporâneos. No mês que vem, com início a 26 de Junho, inicia-se o ciclo Clássicos, antes que seja tarde, que incluirá obras tão variadas como Madame Bovary, Orgulho e Preconceito, Mau Tempo no Canal, Cem Anos de Solidão, Os Maias, Memórias Póstumas de Brás Cubas ou mesmo as Ficções do grande Borges. São cinco sessões, cada uma tratando dois livros, e acontecem no El Corte Inglés, em Lisboa. Aviso com antecedência, porque estas actividades costumam esgotar logo e, portanto, se estão interessados, apressem-se com a inscrição. Sobre tudo isto, o melhor mesmo é consultar a página ambito-cultural.elcorteingles.pt. Está tudo lá.
Fábulas de animais - incluindo fábulas de peixes mortos que falam - têm estado entre as histórias mais persistentes do cânone oriental; e as melhores entre elas, ao contrário, digamos, das fábulas de Esopo, são amorais. Não procuram pregar sobre humildade ou modéstia ou moderação ou honestidade ou abstinência. Não garantem o triunfo da virtude. Como resultado, parecem extraordinariamente modernas. Por vezes, os maus da fita ganham.
A colecção conhecida na Índia como Panchatantra apresenta um par de chacais que falam, Karataka, o bom ou melhor dos dois, e Damanaka, o malvado conspirador. No início do livro estão ao serviço do rei leão, mas Damanaka não gosta da amizade do leão com outro cortesão, um touro, e convence o leão a acreditar que o touro é um inimigo e a assassinar o animal inocente enquanto os chacais assistem.
Fim.
Nos contos de Karataka e Damanaka também lemos sobre uma guerra entre corvos e corujas em que um corvo finge ser um traidor e se junta às corujas para descobrir a localização da caverna onde vivem. Depois os corvos ateiam fogo em todas as entradas da gruta e as corujas sufocam até à morte.
Fim.
Salman Rushdie, Linguagens da Verdade, Ensaios 2003-2020, tradução de Isabel Lucas
Está a sair para as livrarias o novo romance de Paulo M. Morais, que foi uma vez mais finalista do Prémio LeYa. Chama-se A Boneca Despida e a sua protagonista, Julieta, seria talvez uma pessoa vulgar, não fosse o facto de ter vivido mais de cem anos. Cresceu sem mãe e longe do pai, junto de uma avó violenta que a escravizou. Não a deixaram prosseguir os estudos. Não lhe ensinaram os factos da vida. Casou sem paixão, teve filhos que amou e por quem sofreu de insondáveis maneiras. Acabou num lar, sozinha, como tantas outras. Do seu nascimento na ilha do Faial à pequena infância passada em Macau; dos tempos num colégio interno em Hong Kong ao regresso definitivo a Lisboa; da obediência à avó à sujeição ao papel de esposa e mãe; a história fascinante de Julieta (e a da sua boneca de bisque) é também a da mulher portuguesa ao longo dos anos cinzentos da ditadura, sempre contando os centavos, abdicando dos sonhos em favor da família, calando dúvidas e frustrações e passando por cima de sucessivos desgostos. Este é um registo absolutamente notável da história da vida privada de um país que, no lapso de um século, participou em guerras e conflitos, viu partir a sua gente, instalou-se nos subúrbios, virou do avesso regimes políticos, se tornou europeu, esqueceu os seus velhos, conheceu momentos de luz e sombra. E Julieta, claro, assistiu a tudo.
Não perco um livro de Elizabeth Strout, cuja escrita me fascina sobretudo pela aparente simplicidade e coloquialidade. A sua obra é mesmo um «projecto literário», na medida em que certas personagens vão passando de livros para livros e até entrando nos livros que supostamente não lhes pertencem. Li até agora todos os romances dedicados a Lucy Barton, sempre tremendo que a autora a faça desaparecer num dia qualquer. Em Lucy à beira-mar, o que li mais recentemente na tradução de Tânia Ganho, tive bastante medo de que isso acontecesse quando a Lucy diz, logo num dos primeiros capítulos, que não sabia que não voltaria à sua casa de Nova Iorque (e, como estamos num ambiente pandémico, pensei o pior); felizmente, não foi desta e desejo sinceramente que a senhora Strout nos delicie mais vezes com esta Lucy, uma personagem que é mesmo de carne e osso, com uma normalidade tão original que até faz impressão como é que isto se consegue. Mas, pronto, sem querer contar demais, neste romance a sua vida dá uma reviravolta inesperada, que é uma seta para trás, e a história da cunhada recém-descoberta em Oh, William (outro livro fascinante) terá continuidade, um bálsamo para William, o homem que está a envelhecer muito depressa, e para nós, claro, que ainda vamos querer que Chrissy, uma das filhas do casal, tenha um bebé depois de tantos desgostos e tanta magreza. Leiam, leiam, nunca desilude esta escritora norte-americana. Se o próximo não for da Lucy, pode ser que seja da Olive Kitteridge. Veremos.
«Entre nós e as Palavras» (retirado de um verso de Cesariny) é o mote de mais um festival Livros a Oeste, que arranca hoje na Lourinhã e vai até ao próximo dia 13. O festival, que tem curadoria do jornalista João Morales e está nomeado para os Iberian Festival Awards deste ano pela sua importância cultural, vai celebrar indirectamente vários centenários de escritores (desde logo, Mário Cesariny, que já mencionei, mas também a poderosa Natália Correia, o original Mário Henrique Leiria, artista plástico além de escritor, e ainda o queridíssimo Urbano Tavares Rodrigues, pessoa extraordinária que tive o prazer de conhecer). Diz o vereador da Cultura da Câmara da Lourinhã que as actividades matutinas decorrerão especialmente nas escolas e que o programa dedicado aos adultos começará à tarde e estender-se-á pelo início da noite. Os convidados são muitos: Rosa Alice Branco, Luís Osório, Raquel Patriarca, Rui Cardoso Martins, Rita Ferro, Ana Paula Tavares, Rui Zink, o ilustrador Pierre Pratt e muitos outros. A fadista Aldina Duarte e eu vamos estar à conversa na sexta ao final da tarde na Biblioteca Municipal sobre a nossa antologia Esse Fado Vaidoso. Mas o programa é extenso (ver abaixo, embora seja mesmo difícil de ler). Apareça por estes dias na Lourinhã.
Há muitos anos, abri conta num banco por ter visto num jornal um anúncio desse banco para gestores de fundos de investimento, em que se dava preferência, entre outras coisas, a quem gostasse muito de ler. Geralmente, as empresas querem que façamos bem o nosso trabalho, mas não se costumam preocupar com a nossa cultura ou as nossas leituras (excepto se forem editoras, e mesmo assim...). Li por isso com agrado a notícia de que o El Corte Inglés põe os seus funcionários a ler. Com a colaboração do Plano Nacional de Leitura, criou um Clube de Leitura virtual que já vai no terceiro ano. Começou timidamente com pouco mais de 40 participantes e, no ano passado, passou as três centenas de leitores! Segundo um comunicado do ECI, a empresa, através desta iniciativa específica, quer contribuir para «o desenvolvimento intelectual e criativo e promover o sentido crítico dos participantes», porque ler também serve para aumentar o vocabulário e aperfeiçoar a comunicação, coisas importantes no atendimento aos clientes e quando se tem de falar com muita gente ao longo de um dia. Os livros do clube têm visado sobretudo autores portugueses ou estrangeiros que vivem em Portugal. Uma bela ideia que espero continue a dar frutos.
O que não falta por aí são prémios literários, dos simbólicos e de pequeno porte aos valiosos e renomados. Mas prémios para uma carreira são menos, e menos serão as carreiras que os merecem. Porém, há obras que os justificam cabalmente, como é o caso da da escritora Lídia Jorge, de grande dimensão, diversificada e significativa, e traduzida em vários países. E tanto assim é que a escritora algarvia acaba de receber o Prémio Vida Literária Vítor Aguiar e Silva, promovido conjuntamente pelo município de Braga e a Associação Portuguesa de Escritores (APE). O prémio é bienal e, na primeira edição, que ocorreu em 2021, o contemplado foi o grande ensaísta e tradutor João Barrento, um germanófilo incorrigível que tem feito maravilhas por todos nós. Na altura da entrega, o presidente da APE, José Manuel Mendes, falou da importância de associar o nome de Vítor Aguiar e Silva, Prémio Camões em 2020, a este prémio de carreira, homenageando assim o grande catedrático da Universidade do Minho e especialista em Teoria da Literatura ao mesmo tempo que distingue a vida literária de um outro autor. Como se costuma dizer, um belo 2 em 1. Desta feita, parabéns a Lídia Jorge e à Língua Portuguesa, cujo dia é hoje.
A relação entre livros e filmes é antiga, e muitas das longas metragens que vamos vendo por aí são baseadas em contos, peças e romances, ainda que por vezes os títulos sejam diferentes e as adaptações francamente livres. Há também vários cineastas que escrevem os argumentos dos próprios filmes (Woody Allen, por exemplo) e, ainda que o contrário seja menos comum, este mês a Cinemateca de Lisboa vai ajudar-nos a descobrir (ou redescobrir) alguns escritores que também realizaram filmes. Num ciclo chamado Escritores-Realizadores, alguns são notórios (Marguerite Duras, por exemplo, fez vários filmes) ou foram recentemente falados (Annie Ernaux e o Les années Super 8 que assina com o filho, creio); mas muitos leitores desconhecem que Paul Auster ou Stephen King também fizeram cinema, e bem assim Pier Paolo Pasolini, Alain Robe-Grillet, Jean Genet ou Fernando Arrabal. Consulte, pois, a programação de Maio da Cinemateca e veja os filmes destes escritores-cineastas. A inciativa tem justamente a colaboração da Associação Portuguesa de Escritores.