Terminada a investigação a uma antiga embarcação portuguesa naufragada no Estreito de Malaca, Filipe recebe um telefonema enigmático de um grande empresário sul-africano; este pede-lhe que descubra o paradeiro de três passageiros clandestinos de um cargueiro português – o Angoche – que, em 1971, foi encontrado a arder ao largo de Moçambique sem ninguém a bordo. A busca levará Filipe a vários países africanos, mas também ao tempo em que Lourenço Marques florescia com a nova linha-férrea e o Império Britânico combatia as repúblicas boers para se apoderar da sua riqueza – guerra em que um português chamado Miguel Ferreira acabaria por envolver-se, antes de regressar à Ilha de Moçambique para desposar Maria Teresa, a mulher da sua vida. Mas que mistério liga este homem nascido no século XIX aos homicídios obscuros que Filipe descobre ao longo das suas viagens? E, apesar das ameaças de morte e do preço que pode vir a pagar, deve realmente continuar a sua pesquisa? Na senda de O Segredo da Flor do Mar e Taprobana, Eduardo Pires Coelho oferece-nos mais um thriller histórico trepidante, que nos vai oferecendo surpresas até mesmo à última página. Atreva-se.
Talvez uma parte considerável das coisas que escrevi seja sobre o luto; e são-no decididamente os meus poemas preferidos, quase todos pertencentes ao livro O Canto do Vento nos Ciprestes. Tirando Paula, de Isabel Allende, que comecei há décadas e não consegui acabar, gosto geralmente de livros de outros autores sobre o assunto. Poderia enumerar muitíssimos textos que me agarraram desde a primeira página e que abordam a morte de alguém próximo: O Ano do Pensamento Mágico é um dos títulos mais emblemáticos, mas poderia perfeitamente falar também do pequenino livro sobre a morte do pai que escreveu a nigeriana Chimamanda, ou ainda de Luto, de Eduardo Halfon (parte de um projecto literário muito interessante, que combina ficção e memória), ou mesmo de uma ficção declarada, como Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer, na qual um miúdo tenta perceber o que estaria o pai a fazer nas Torres Gémeas quando elas se tornaram pó no 11 de Setembro para poder aceitar a sua morte. No festival em que estive na semana passada em Roterdão, fui especialmente tocada pelas leituras da poetisa norte-americana com ascendência taiwanesa Victoria Chang; parte dos textos que leu pertenciam a um livro chamado Obit (Óbito) que fala, entre outras, das mortes dos seus pais. Recomendo esta autora a quem, como eu, goste de ler sobre a morte e o luto. Pode parecer macabro mas não é.
Cheguei domingo ao fim do dia de Roterdão, de um Festival de Poesia para o qual me convidaram: traduziram-me, aplaudiram-me, vão pagar-me, tudo coisas boas. Claro que a temperatura não era a portuguesa e havia um vento gelado com rabanadas súbitas bastante incomodativo; mas soube que por cá também houve trovoada, pelo que não devo ter perdido muito em dias soalheiros. Roterdão é uma cidade de que os arquitectos costumam gostar, com muitos edifícios realmente assinaláveis; e é também uma cidade "simplex" (para os de lá, claro, pois está tudo escrito em neerlandês), embora me tenha muitas vezes faltado alguém a quem perguntar uma direcção ou pedir ajuda (no metro só há máquinas, ou estrangeiros tão perdidos como eu). Num museu, por exemplo, não havia bilheteira: era suposto, disseram-me, ter comprado o bilhete online! Num restaurante, havia um código para fotografar e ler o menu (pois, mas não havia uma lista em inglês, por isso era difícil escolher o jantar). Tudo foi pago com cartão, ninguém aceita dinheiro para nada (é prático, não nego, mas, se o cartão falha por qualquer motivo, podemos ficar apeados ou em jejum). Já me tinham contado que, em Pequim, até os mendigos têm um código ao peito para a esmola ser paga por transferência via telefone, mas, queridos leitores, eu ainda prefiro falar com uma pessoa, ainda confio mais na pessoa do que na máquina. Este sistema holandês (ou de Roterdão) deve ser bestial para os mais jovens, que abraçaram o digital para tudo e mais alguma coisa, mas nada substitui, para mim, a voz humana, a mão humana. Devo estar decididamente a ficar velha. (O festival correu muito bem, diga-se em abono da verdade.)
Não costumo correr atrás dos finalistas de prémios, embora em alguns casos esta posição em certos galardões seja um bom indicador do interesse que pode despertar determinado livro ou da sua qualidade literária. Mesmo assim, não foi por Os Detalhes, da sueca Ia Genberg, concorrer com Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, ao Booker Prize International que o fui ler assim que saiu. A verdade é que a tradutora sueca de Itamar Vieira Junior, Inger Midmo, já mo tinha aconselhado há uns meses e, quando soube que ia ser publicado por uma colega minha na Dom Quixote, cravei logo um exemplar. Trata-se de um conjunto de memórias associadas a diversos momentos do passado da narradora, memórias que, regra geral, estão elas próprias associadas a pessoas com quem viveu e teve relações próximas, fossem de amizade, coabitação, atracção física ou mesmo amor. Partindo da premissa de que as pessoas que tiveram importância na nossa vida não desaparecem, mesmo que tenham desaparecido fisicamente há muito tempo, porque deixam em nós uma parte delas em detalhes que nos tornaram diferentes, teremos neste romance fragmentário quatro presenças fundamentais que ajudaram a construir uma vida, quer pela negativa, quer pela positiva. Bastante interessante e diferente do normal, algo que fica decididamente entre a memória e a ficção e que vale a pena conhecer.
P. S. Esta semana não vou ter mais posts, pois vou a um Festival de Poesia em Roterdão, do qual só regressarei no domingo (mas já fui votar, votem também); como segunda 10 é feriado, só dia 11 voltarei ao blogue. Obrigada aos que esperarem; e leiam livros até lá.