Se pensa que as noites nos museus são apenas dignas de filmes de terror, ou representam privilégios de alguns escritores com o objectivo de relatarem mais tarde a sua experiência em livro, tal como aconteceu a Leïla Slimani em O Perfume das Flores à noite, tire daí a ideia. No Porto, o Museu de História Natural e Ciência da Universidade criou uma programação para as noites do mês de Julho e, se não avisei antes, foi porque o tempo estava péssimo no início do mês e, depois, tirei férias e não voltei ao blogue. Mas ainda faltam muitos dias até final de Julho e as actividades são para todos os gostos: cinema, leituras, música e muito mais. Já na noite de 19 haverá cinema peruano e nas noites de 20 e 21 um espectáculo de dança (Do Clássico ao Contemporâneo) pelo Ballet do Douro. Depois de se falar de Inteligência (artificial?) no dia seguinte, teremos uma lição de história por Joel Cleto a 25, música da Grécia e da Turquia a 26 e Jazz a 27. Entre outras coisas, o chefe Hélio Loureiro falará de queijos franceses e vinhos portugueses no dia 30, mas nada melhor do que cada um escolher o que vai mais com a sua natureza. Para isso, deixo o link:
Segundo Douglas Stuart, autor premiado com o Booker Prize, Como Construir Um Barco é «um daqueles raros livros que nos fazem sentir menos sós. Uma história inspiradora sobre uma comunidade e as pequenas coisas que podem mudar uma vida.» E tem toda a razão. Jamie O’Neill é um rapaz que adora o vermelho, árvores altas, padrões, livros com sobrecapas, gatos, rios e Edgar Allan Poe. Aos 13 anos, há duas coisas em particular que ele quer na vida: construir uma Máquina de Movimento Perpétuo e estabelecer ligação com a sua mãe, Noelle, a jovem nadadora que morreu logo a seguir ao parto. Na sua cabeça, estas duas coisas estão intimamente ligadas e, na nova escola, onde quase tudo é desconhecido, Jamie encontra duas pessoas que talvez sejam capazes de o ajudar e, de certo modo, também de se ajudarem mutuamente. Como Construir Um Barco, de Elaine Feeney – nomeado este ano para o Booker Prize e traduzido por Rui Elias – é a história comovente de como um rapaz e o seu sonho transformam, afinal, várias vidas e unem toda uma comunidade em torno de um projeto magnífico. Escrito com uma imensa ternura e uma linguagem cuidada e bela, o romance aborda as relações familiares e amorosas, bem como o poder da imaginação e a maneira como as nossas maiores aventuras nunca acontecem quando estamos sozinhos. Hoje estará em todas as livrarias portuguesas.
As férias foram boas, apesar de uma chuvinha irritante e de um vento teimoso, sobretudo à noite, em que precisei de vestir aquele casaquinho de malha que me lembra a infância no tempo das marés-vivas; mas cá estou eu de novo, perorando sobre livros, autores e o mundo editorial, depois de ter dado uma entrevista muito longa ao podcast O Poema Ensina a Cair (passe a publicidade, mas a Raquel Marinho merece a atenção), em que também falo bastante de literatura, leitura e mudança, caso estejam interessados em ouvir. Saíram aguns livros enquanto estive fora de que vos quero falar detalhadamente, publicados ou não por mim; mas, como sempre faço quando tiro uns dias seguidos, levei um clássico para reler misturado com os títulos acabadinhos de sair do forno, pelo que é deste mesmo que vos falo hoje. Tem vários títulos nas várias edições disponíveis no mercado (eu comprei-o em 1980 na edição da Perspectivas & Realidades e chamava-se O Triunfo dos Porcos, mas hoje AQuinta dos Animais é talvez o título mais consensual). Continua muitíssimo actual, porque não faltam por aí os populistas que, com pretextos extremamente dóceis e enganadores, acabam por tornar-se iguaizinhos àqueles que derrubam assim que se conseguem sentar nas suas cadeiras. E é muito bom para oferecer a jovens que se sentem atraídos pelos regimes autoritários ou pessoas mal informadas e excessivamente crédulas. Eu diverti-me muito mais a lê-lo desta vez e foi bom ver como certas ovelhas não conseguem mesmo marrar para outro lado e como é sempre melhor saber ler. Enfim... se tiver um filho adolescente ou ainda nunca tiver lido esta maravilhosa fábula de George Orwell, pegue nela agora. Amanhã há mais.
Raramente sabemos qual será o último romance de um autor, até porque nos dias que correm as pessoas têm vidas mais longas e grande parte delas ainda com boas cabeças, pelo que por vezes a morte surpreende-as a meio de um projecto. Contudo, tal como alguns artistas se despedem do palco numa cerimónia planeada, também há escritores que avisam que, depois de um certo romance, não escreverão mais nenhum. Foi o caso de Mario Vargas Llosa, o peruano vencedor do Nobel da Literatura, que se deixou de ficções e declarou que Dedico-lhe o Meu Silêncio (cuja tradução portuguesa sai para as livrarias amanhã) é mesmo o seu último romance, já que agora quer escrever um ensaio sobre Jean-Paul Sartre, o filósofo que foi um mestre para ele durante a juventude. Resta-nos, pois, ler esta derradeira ficção dedicada à música crioula, contada alternadamente por duas vozes e com uma personagem surripiada das Travessuras de Uma Menina Má. Até porque não vai haver mais...
Também não haverá mais blogue até dia 15 de Julho, pois amanhã vou de férias, esperando que o clima não me traia e possa ler muitos livrinhos à beira-mar. Até lá, façam o mesmo: leiam.
Tem algum projecto na gaveta que gostaria de desenvolver? Um mês a trabalhar longe do ambiente habitual e da rotina ajudaria? Estar sem trabalhar um tempo, mas ter a garantia de que isso não implica passar fome é mesmo aquilo de que precisava? Pois bem: a nossa Embaixada em Madrid, conduzida pela excelente Conselheira Cultural Patrícia Severino (que já antes desenvolveu um trabalho semelhante em Berlim), tem uma residência literária para oferecer a um(a) escritor(a) que apresente uma boa candidatura. Se acha que o seu projecto literário tem pés para andar, esta pode ser uma boa oportunidade. Deixe-se tentar! As informações estão todas aqui em baixo e o prazo para se candidatar vai até meados deste mês.
Por ocasião da entrega do Prémio LeYa 2023 a Victor Vidal, autor de Não Há Pássaros Aqui, no próximo dia 3, será organizada na residência do Embaixador do Brasil uma conversa entre o vencedor e outro autor brasileiro premiado e moderada pelo jornalista e escritor João Gabriel de Lima, que conheci por ter sido finalista do Prémio Saramago com o belíssimo O Burlador de Sevilha no mesmo ano que José Luís Peixoto o venceria com Nenhum Olhar. É de Stênio Gardel que leio A Palavra Que Resta, vencedor do National Award nos EUA na categoria de livros traduzidos, até para poder acompanhar a conversa a cem por cento, e enquanto estou sempre a pensar como é que a tradutora deu conta do recado, pois a linguagem é poética e terna, mas muito típica de uma camada rural brasileira, obrigando, até para os portugueses, a algumas notas de rodapé. Dois rapazes apaixonam-se, mas o meio onde vivem é hostil e bruto, e os pais, quando sabem, além da tareia da praxe, proibem-nos de se voltarem a ver. Percebemos então que na família de um deles, na geração anterior, houve uma história feia que começou do mesmo modo mas acabou em morte. Mesmo assim, Raimundo não quer deixar de se encontrar com Cícero, ainda que para isso tenham de fugir dali; mas de Cícero recebe apenas uma carta, a palavra que resta? Só que Raimundo não sabe ler, e a carta é, porém, demasiado pessoal para se poder mostrar... Num pequenino romance com ecos do Grande Sertão: Veredas, embora, claro, menos ambicioso, muita ternura e também muita dureza numa história que ainda não sei como acabará, mas recomendo pela sua prosa bonita e pelo início com a professora Ana, que não vou contar.