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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Set24

FOLIO

Maria do Rosário Pedreira

Todos os anos nos preparamos para vários festivais literários em muitos lugares do País. O momento mais alto do ano, para mim, é sem dúvida o das Correntes d'Escritas, não só porque o acompanho quase desde o primeiro momento, mas também porque atingiu uma dimensão impressionante (cheguei a ver Adriano Moreira discursar de pé para mais de 700 pessoas) e porque quase sempre inclui intervenções memoráveis, já que os temas são muito vagos e permitem aos convidados falar do que querem. Mas em Outubro temos o FOLIO, outro dos festivais literários a que nunca falto, e este ano ainda menos, pois tenho lá três autoras que publiquei: Hanna Bervoets, a holandesa que é autora de um pequeno romance admirável que fala de um grupo de jovens que modera conteúdos numa rede social, Tivemos de Remover Este Post; Anna Kim, austríaca de ascendência coreana, que escreveu História de Uma Criança, um romance que fala de um caso real de segregação na América dos anos 1950 (ela vai estar a dialogar com um autor bósnio de que um dia destes vos falarei); e Mónica Ojeda, a equatoriana que escreveu Mandíbula, um romance sobre uma professora que rapta uma aluna num colégio da Opus Dei. O FOLIO está quase a começar, por isso não deixem de consultar o programa, pois vai de certeza valer muito a pena.

https://foliofestival.com/programa/

 

27
Set24

Revisitar

Maria do Rosário Pedreira

Apesar das centenas de livros que saem em Portugal todos os meses (é impossível acompanhar tudo e há muita coisa boa que passa despercebida porque não consegue ocupar os melhores lugares dentro das livrarias e não chega quase a ser vista), tenho-me dado conta de que há muitos autores que estão a ser repescados e lançados como novidades. Noutro dia, reparei que Manuel Vásquez Montalbán, que tinha deixado a Asa pouco antes de eu entrar na LeYa, há uns quinze anos, começou a ser republicado pela Quetzal, editora que também está de novo a dar à estampa o grande Gonzalo Torrente Ballester e que lançou já A Saga/Fuga de J.B. e mais recentemente o delicioso Filomeno (a que Saramago chamou "espantoso" no lançamento, na presença do autor, sem se lembrar que "espantoso" em castelhano quer dizer "horroroso"); esse romance traz-me muitas recordações, até porque Ballester participou nessa altura, junto com Torcato Sepúlveda e Saramago, num programa de televisão conduzido por Francisco José Viegas sobre livros; e foi justamente por causa desse programa (e do livro Diplomacia, de Kissinger) que eu e o então editor com quem trabalhava tivemos uma discussão que me levou a pedir a demissão no dia seguinte. Isto foi em 1996, e já não interessa para nada, mas não deixem de ler estes dois autores agora relançados, que valem mesmo muito a pena.

26
Set24

Jesus na primeira pessoa

Maria do Rosário Pedreira

Para o autor livro de que hoje vos falo, Jesus é uma coisa e Cristo é outra. Quando em pequeno Miguel Real explicou ao catequista que não acreditava que ninguém que tivesse morrido pudesse voltar à vida, este ficou tão chocado com aquela sinceridade que foi queixar-se à mãe do rapazinho, de quem recebeu a resposta que merecia. Foi desde então que o problema da Ressurreição não mais deixou de preocupar o escritor e, tantos anos volvidos, o levou a escrever esta Autobiografia de Jesus tomando a voz do Filho de Deus, já que nada se conhece que Jesus tenha deixado escrito pela sua mão e os Evangelhos praticamente não falam do que foi a sua vida familiar, a sua aprendizagem, as suas revelações, a sua conduta com as mulheres e, sobretudo, a sua tremenda solidão. É sobre tudo isso que trata este romance de um autor frequentemente atraído pelos assuntos religiosos. Com um final incrivelmente inventivo e inesperado, parece que aquele nó cego criado na mente do autor durante a infância vai certamente ser desatado durante a nossa leitura.

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25
Set24

Posadas

Maria do Rosário Pedreira

Tenho uma enorme simpatia e ternura por Carmen Posadas, autora uruguaia que publiquei na Temas e Debates no princípio da minha carreira como editora (já tinha sido assistente editorial noutra casa, mas foi em 1998 que pude passar a escolher os títulos, e um dos primeiros romances estrangeiros que publiquei foi Pequenas Infâmias, desta autora, que ganhara pouco antes o Prémio Planeta). Lembro-me de termos inaugurado o auditório da FNAC do Chiado, que tinha aberto pouco antes, com o lançamento desse livro, que foi então apresentado por Francisco José Viegas, e de ter sido um prazer conhecer Carmen ao vivo, porque é uma pessoa muito querida, bonita e sem peneiras (apesar de ter todas as razões para as ter). Quando saí da editora, em 2005, perdi-a como autora (não foi a única, são ossos do ofício), mas fico contente que ela tenha vindo parar à LeYa, embora não pela minha mão, e vou de certeza ao lançamento de Hoje Caviar, Amanhã Sardinhas, livro que assina com o irmão, Gervasio Posadas, lançamento que vai ocorrer dia 30. Não li ainda o livro, mas não vou perdê-lo: filhos de um diplomata, os autores contam as aventuras e desventuras de passar a infância e a adolescência mudando permanentemente de morada (Madrid, Londres, Moscovo...) e elogiam uma mãe embaixatriz que, estando onde estivesse, era sempre capaz de resolver todo o tipo de situações, embora se metesse em sarilhos com frequência. Deixo-vos o convite para se quiserem aparecer.

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24
Set24

Angola por quem lá viveu

Maria do Rosário Pedreira

Já aqui falei deste livro e, por causa de um comentário que logo surgiu, queria sublinhar que ele foi escrito por alguém que nasceu e viveu em Angola até 1975, e que já o seu avô morava ali desde o início do século XX, ou seja, o autor não está a inventar, sabe bem do que fala. Mas hoje é a festa de lançamento, e não podia deixar de trazer Amarelo Tango, de Nicolau Santos, de novo à baila, até porque gostaria muito que nos acompanhasse nesta apresentação, que irá ser feita por outra pessoa que nasceu em Angola, voltou a seguir ao 25 de Abril e escreveu sobre tudo isso no magnífico livro O Retorno; sim, Dulce Maria Cardoso. Por isso, se puder, apareça mais logo; senão, leia este maravilhoso relato de três gerações de portugueses em Angola, que é também a história de um país e das suas mudanças ao longo do tempo, contada por quem lá estava e queria ficar, mas não pôde. Até logo.

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23
Set24

Complementaridade

Maria do Rosário Pedreira

Há algumas pessoas extremamente ingénuas que acham que se consegue ser um bom escritor sem ter lido nada. Até já me aconteceu aconselhar um autor que me tinha mandado um original a ler mais (percebia-se pelo que escrevera que precisava muito de ler) mas ele respondeu-me que não gostava de ler, gostava era de escrever (e eu fiquei de cara à banda). Enfim, há que perceber que a leitura e a escrita não existem uma sem a outra e que a segunda só se aperfeiçoa lendo e escrevendo muito. Não há escritor conhecido que não tenha lido imenso (geralmente é o gosto pela leitura que leva alguém a ser escritor). Mas qualquer escritor tem de ler mesmo enquanto está a escrever porque em certos casos é preciso fazer investigação sobre determinados assuntos ou buscar sinónimos para palavras (e o dicionário também é bom de ler, acreditem). Até para uma simples crónica, por exemplo, abro sempre pelo menos dois ou três livros para confirmar isto ou aquilo e não meter a pata na poça, confiando demasiado nas minhas memórias; mas, mesmo que não seja matéria de pesquisa, ler dá-nos ideias, ensina-nos novas técnicas narrativas, aumenta o nosso vocabulário, ilustra-nos sobre a forma como podemos estruturar uma história e por vezes até nos dá vontade de começar uma coisa nova. Stephen King fala de tudo isto em Escrever, um livro maravilhoso para os que estão a começar no ofício de escritores, mas há muitos outros guias que podem ajudar, sendo que todos eles dizem o mesmo: que a leitura é o primeiro passo para quem quer escrever.

20
Set24

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Observo-a. As suas mãos são transparentes, e tem uma tatuagem imprecisa no bíceps esquerdo. Uma cobra-real. A sua saia malva deixa entrever um delta de varizes na barriga das pernas, uma cartografia azul-clara. O seu corpo regista tudo. Posso ler todos os amores passageiros, os abortos, as traições, as viagens, as rendas por pagar. Um flamingo ferido, um anjo tantas vezes caído que já não consegue levantar-se. O verniz das suas unhas está lascado, deslavado, tão cansado como as suas olheiras. Quase adivinho uma tosse forte e profunda que lhe dilacera o tronco muito magro -- como se cada amante de passagem tivesse bebido o ar do seu peito até à última gota. Apesar de uma espessa camada de maquilhagem, vejo duas, três crateras no seu nariz. Treme enquanto fuma o seu longo cigarro mentolado.

 

Velibor Čolić, O Livro das Despedidas, tradução de António Gonçalves

19
Set24

Drogas

Maria do Rosário Pedreira

A leitura é a minha droga, e às vezes bem dura, como sabem todos os leitores destas Horas Extraordinárias. Ainda assim, duvido que me prejudique, como acontece com outras que infelizmente têm matado muita gente ao longo dos tempos. Mas a verdade é que o consumo de algumas drogas é muito mais antigo do que supomos e que, desde que supervisionado por especialistas, pode ter efeitos bem mais positivos e rápidos para a saúde mental do que pensamos. Este é, por exemplo, o caso dos psicadélicos, como nos diz o livro Psicadélicos, da autoria de Pedro Teixeira, professor e investigador, que vai estar hoje a falar do assunto destas novas terapias no El Corte Inglés às 18h30, dividindo a mesa com João Taborda da Gama, advogado especialista em regulação de drogas, e Maria do Carmo Carvalho, professora universitária nesta área. A moderação é da jornalista Filipa Melo. Para quem quer saber mais, até pode ir lá e perguntar.

18
Set24

Festival de Poesia de Lisboa

Maria do Rosário Pedreira

Hoje inicia-se o Festival de Poesia de Lisboa, que se prolonga até ao próximo domingo e inclui actividades várias num figurino nem sempre vulgar, pois em várias das sessões as conversas serão entremeadas por música e leituras. Não fui às outras edições do festival, tenho de confessar, mas achei bem simpático que quisessem homenagear-me na sessão de abertura, embora saiba bem que isso quer dizer que já estou com certa  idade (no sábado, aliás, entro dolorosamente na terceira). Na primeira sessão vou falar um bocadinho do meu percurso como poetisa e na sexta 20 partilhar uma mesa com dois amigos, o Fernando Pinto do Amaral e o Nuno Miguel Guedes, com moderação do sempre gentil Alex Cortez. Se gosta de poesia e se anima com estes encontros, deixo abaixo algumas ideias. Hoje o blogue tem mais cartazes do que palavras, mas há dias em que eu também preciso de descansar.

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17
Set24

Uns sapatos muito especiais

Maria do Rosário Pedreira

Acusado de ter engravidado uma senhora de origem francesa, Estanislau Augusto dos Santos vai como degredado para Angola logo no início do século xx. É lá, porém, que lhe sai a sorte grande, tornando-o acionista de um pequeno império composto de pastelaria, cervejaria, fábrica de refrigerantes e quatro cinemas. Casa-se por procuração com uma jovem de quem terá três filhos, mantendo embora uma relação com a mulata Rosalinda, de quem terá mais um. Encabeça as reivindicações dos comerciantes contra o poder da Metrópole e passa por peripécias várias, quase chegando a ser preso; abalado e desgostoso com a situação, decide regressar a Portugal em 1964. Quem fica a tomar conta dos negócios é Tati, o filho mais velho, que tem um jeito especial para falar com os operários quando as coisas começam a azedar. No início dos anos 1970, o único neto de Estanislau que tem o seu nome andará envolvido na luta pela independência de Angola, mas compreende que os seus sonhos são de papel – e que o papel se rasgou. É esse neto que, anos depois, se apaixonará por uma jovem que o fará regressar ao maior segredo da família, o que liga toda a narrativa em torno da cor de uns sapatos: amarelo tango. Esta é a saga absolutamente fascinante de três gerações de uma família, contada num mosaico de pequenos episódios que – do cómico ao trágico – nos oferecem de forma magistral a história de Angola no último século. Amarelo Tango é o primeiro romance do jornalista Nicolau Santos.

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