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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Out24

Os Papéis do Inglês

Maria do Rosário Pedreira

«Poeta, romancista, antropólogo, Ruy Duarte de Carvalho é uma figura basilar da literatura angolana pós-colonial. No seu percurso, a vida funde-se com a obra, criando um universo deveras fascinante, onde se colocam as mais importantes questões do colonialismo e do pós-colonialismo.» É assim que o jornalista Manuel Halpern inicia o seu texto na revista Visão sobre o lançamento do filme Os Papéis do Inglês, dedicado ao escritor que nos deixou em 2010, mas que tive o prazer de ver nas Correntes d'Escritas ao lado de Luandino Vieira e Peptela, os três abraçados. Realizado por Sérgio Graciano e com argumento de José Eduardo Agualusa, o filme fala de uns papéis que o pai de Ruy Duarte de Carvalho teria escondido no deserto do Namibe e que o ajudariam a resolver um mistério ocorrido nos anos vinte do século passado. Esta é pois a história de uma busca que tem por protagonista o próprio Ruy Duarte de Carvalho  (é o actor João Pedro Vaz que lhe veste a pele) e que regressa ao passado para nos mostrar as magníficas paisagens do Sul de Angola. Estreou há dias. Vamos ver?

30
Out24

Mafra

Maria do Rosário Pedreira

Começou ontem, salvo erro, a segunda edição do Festival Literário de Mafra, que decorre até dia 3 de Novembro. Não há desculpa para não ir, porque apanha o fim-de-semana e tem muita coisa para ver e ouvir. Comissariado por José Fanha, a programação inclui leituras, sessões de contos tradicionais, encontros com autores e muito mais. Sendo o tema os 50 anos do 25 de Abril, na abertura cantará Francisco Fanhais no Torreão Sul do Real Edifício de Mafra. Entre os escritores convidados, estarão Dulce Maria Cardoso, João Tordo e Djaimilia Pereira de Almeida. O romancista, poeta e jornalista Nicolau Santos e o economista João Duque são os responsáveis pelo serão de poesia. O prémio literário promovido pelo Município de Mafra será entregue a António José da Costa Neves pelo seu livro O Professor. O público infanto-juvenil terá também direito a histórias contadas por profissionais como Ana Sofia Paiva, Cristina Taquelim, Miguel Horta, António Fontinha e Jorge Serafim. A programação pode ser consultada no link abaixo.

Festival Literário de Mafra | Mafra

29
Out24

A nossa Terra

Maria do Rosário Pedreira

Vivemos hoje um tempo tremendo em matéria de alterações climáticas. Ouvi falar pela primeira vez do rasgão na camada de ozono nos primeiros anos da década de 1990 e, pouco depois, do que era a ecologia e de como podíamos minimizar os estragos que causávamos constantemente. Na editora onde então trabalhava, publicámos inclusive um guia para jovens consumidores ecológicos, que explicava os perigos para o Planeta de algumas substâncias (como os fosfatos nos detergentes) e ensinava os meninos e meninas a reciclarem muitos materiais. Mas chegámos a 2024 e parece que o que foi feito para salvar a Terra não chegou e que precisamos claramente de entender mais sobre ela para a podermos ajudar. É esse o objectivo do curso que o Professor Galopim de Carvalho vai começar a dar hoje no El Corte Inglés em cinco sessões, sempre à terça-feira, às 18h30, até ao dia 21 de Novembro. Inteligentemente, foi usado um verso de Gedeão para nomear estas lições sobre a Terra, Como Bola Colorida, e entre outras coisas falar-se-á da História da Terra, da Lua e do Sol, da vida humana, dos recursos do Planeta, do ambiente, da temperatura, das rochas, dos monumentos naturais e de muitíssimo mais coisas. Vamos?  

28
Out24

O poeta está de parabéns

Maria do Rosário Pedreira

Não é muito comum um poeta ganhar o Prémio Pessoa, mas aconteceu há dois anos a João Luís Barreto Guimarães, um cirurgião plástico do Porto com obra extensa, bastante traduzida, que ainda por cima resolveu criar uma cadeira universitária sobre poesia para os candidatos a médicos no Instituto Abel Salazar, quiçá também para os humanizar e dar a perceber que os seres humanos são bem mais do que apenas corpos. Barreto Guimarães acaba de publicar um livro (Claridade), que tem uma capa lindíssima; e, quase simultaneamente à saída deste novo poemário, recebe nada mais nada menos do que o Prémio de Poesia António Ramos Rosa da Associação Portuguesa de Escritores pelo seu Aberto Todos os Dias, o livro anterior (cuja capa é igualmente belíssima), que evoca o período da pandemia para logo passar a um quotidiano mais positivo e às coisas que finalmente ficaram «abertas todos os dias». Segundo o editor, trata-se de «uma obra marcada pela ironia, mas também pelo sentido da gravidade, pelo pormenor e pelo retrato de conjunto, pela leitura da solidão mas também do amor, da amizade, das coisas de todos os dias.» Eu gostei muito, e agora vou ler o novo, que também já tenho. Se gostam de poesia, façam o mesmo.

 

Aberto_Todos_Dias.jpg

25
Out24

Não desistir

Maria do Rosário Pedreira

Li no The Guardian um interessante artigo sobre o escritor Hanif Kureishi (dramaturgo, romancista e guionista, vencedor há uns anos do Oscar para melhor argumento adaptado com A Minha Bela Lavandaria) que acaba de publicar em Inglaterra um livro chamado Shattered, sobre a desgraça que lhe aconteceu há cerca de dois anos. Num momento particularmente bom da sua vida, com os filhos criados e apaixonado pela mulher italiana, com dinheiro e a viver meio ano em Inglaterra, meio ano em Itália, estava a ver um jogo de futebol no iPad e a beber uma cervejinha quando teve uma tontura. Levantou-se, deu uns passos e desmaiou. Só que caiu sobre o pescoço e ficou paralítico de um momento para o outro. Nunca mais voltou a andar (diz que nunca mais saiu do rés-do-chão da casa onde mora, de três pisos). Esteve um ano a ser tratado em hospitais junto de outros a quem uma queda no jardim ou um tropeção nas escadas do sótão deixou paraplégios ou tetraplégicos. Kureishi gastou rios de dinheiro em fisioterapia e reabilitação, mas, embora consiga mover as pernas e os braços, não consegue ainda agarrar nada com as mãos. Escrever parecia por isso fora de questão, mas o seu cérebro não está parado e portanto resolveu ditar o livro à mulher, com quem gritava por não ser tão rápida a escrever como ele gostaria (sabe-se que sempre foi um tipo um bocado bruto). Diz-se que o livro é bastante escatológico, mas também um tributo a Camilla e a todos os que estiveram próximos nas alturas piores e não o deixaram desistir. Não consigo imaginar a força necessária para escrever um livro nestas condições. Tiro-lhe por isso o chapéu e presto-lhe homenagem. O artigo/entrevista, de Simon Hattenstone, pode ser lido aqui:

‘My body is broken, but I’m not going to give up’: Hanif Kureishi on life after the accident that paralysed him | Hanif Kureishi | The Guardian

24
Out24

Antepassados vegetarianos

Maria do Rosário Pedreira

Guida Cândido, doutorada em História da Alimentação e autora de diversas obras de gastronomia premiadas, entre as quais A Vida Secreta da Cozinha Portuguesa ou Cinco Séculos à mesa, vem revelar-nos no seu novo livro (São Favas Contadas) que os vegetais já andam pelas nossas mesas há vários séculos, mesmo que alguns dos mais usados na culinária portuguesa – como a batata ou o tomate – só tenham marcado presença na Europa depois das viagens de Cristóvão Colombo. A par de 50 receitas que vêm desde o século XVI e estão presentes em livros de cozinha de grandes chefes, conta-nos como os legumes e vegetais contribuíram para a criação de uma ideia de alimentação limpa que haveria de tornar-se uma espécie de filosofia, o vegetarianismo. A professora Isabel Drumond, que assina o prefácio, apresentará hoje este livro na Figueira da Foz, cidade natal da autora. Apareça se estiver nas imediações!

IG_convite_sao_favas_contadas_FIGUEIRA_FOZ.png

23
Out24

O Nobel

Maria do Rosário Pedreira

Na véspera do dia em que foi anunciado o Nobel da Literatura de 2024, uma jornalista da Antena 3, Mariana Oliveira, pediu-me um palpite. Disse-lhe que andava desconsolada com o Prémio, tantas vezes atribuído a pessoas que pouco haviam inovado em termos de linguagem, e oferecido por razões politicamente correctas; mas ela pediu-me que mesmo assim gravasse um depoimento e, começando com as minhas críticas, disse que gostaria que ganhasse alguém como Han Kang, que tivesse feito qualquer coisa de novo. Não tinha esperança, até pela idade da escritora (53 anos apenas), foi mesmo só uma espécie de desabafo. Porém, ao meio-dia, veio a notícia completamente inesperada de que o meu desejo se realizara. Ver em directo foi especial, ouvi aqui na editora baterem palmas logo a seguir e não vos conto os beijos e abraços que recebi nesse dia (ainda assim, a cara da Han Kang deve ter ficado muito mais lambuzada do que a minha). A autora tem publicados em Portugal quatro livros: A Vegetariana (que a trouxe para a ribalta por ter vencido o Prémio Booker Internacional); Atos Humanos, O Livro Branco e Lições de Grego. Estamos quase a lançar o mais recente Despedidas Impossíveis, que sai em simultâneo com a edição inglesa. Leiam a autora, capaz do lírico e do brutal. Para o ano serão outros os editores felizardos.

22
Out24

Pronomes

Maria do Rosário Pedreira

Em tempos, recebi várias queixas por ter escrito aqui no blogue que uma pessoa que escrevia (e que eu publicara) era extremamente jovem mas «uma senhora escritora»; como essa pessoa era não-binária, levei nas orelhas da Comissão de Igualdade de Género por lhe chamar «senhora» quando na verdade estava a fazer-lhe um elogio. Mas, como um problema nunca vem só, descobri uma das queixosas num vídeo em directo a acusar-me de ter usado «o pronome senhora». Só que «senhora» é substantivo, e não pronome... É o que temos e os pronomes estão mesmo pelas ruas da amargura... Em primeiro lugar, porque uma tradução apressada do impessoal «you» entrou no português e nunca mais vai sair, substituindo um «nós» ou um «se» que seria muito mais normal em frases do tipo «É normal, quando chove, vestir-se/vestirmos uma gabardina» (em vez de «vestires», especialmente se não tratamos por tu o nosso interlocutor); mas ainda pior é termos comido definitivamente os pronomes reflexos em verbos como «reunir», «resignar», «derreter», «casar» e muitos outros, pois uma pessoa «casa-se» mas «casa o filho com uma rapariga adorável», e o pronome reflexo faz toda a diferença, embora hoje as pessoas só casem umas com as outras. É um desabafo porque, vindo a ouvir rádio antes de aqui chegar, soube que as pessoas agora não «se reúnem», apenas «reúnem», não sabemos é o quê.

21
Out24

Escritaria

Maria do Rosário Pedreira

Hoje começa em Penafiel a 17.ª edição da Escritaria que tem como homenageado o brasileiro Arnaldo Antunes e será mais multidisciplinar ainda do que de costume. Além de Marisa Monte e Adriana Calcanhoto, estarão presentes Mafalda Veiga, Mia Couto, Martim Sousa Tavares, Luísa Sobral, Rui Reininho, Samuel Úria, Márcia e Adolfo Luxúria Canibal, e muitas das sessões acontecerão num novo espaço cultural da cidade designado Ponto C. Haverá mais concertos, mas também conversas, lançamentos de livros e uma entrevista de fundo ao autor e músico a quem este ano é dedicado o encontro. Num espaço público da cidade, como habitualmente, ficará a silhueta de Arnaldo Antunes junto de uma frase sua. O festival já homenageou Saramago, Manuel Alegre, Miguel Esteves Cardoso, Pepetela, Mário Zambujal, Lobo Antunes, Mário Cláudio e muitos outros cultores da língua portuguesa. Esta edição terminará no dia 27.

18
Out24

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Como quem ouve uma melodia muito triste, recordo a casinha em que nasci, no Caleijão. O des­tino fez-me conhecer casas bem maiores, casas onde parece que habita constantemente o tumulto, mas nenhuma eu trocaria pela nossa morada coberta de telha francesa e emboçada de cal por fora, que meu avô construiu com dinheiro ganho de-riba da água do mar. Mamãe-Velha lembrava sempre com orgu­lho a origem honrada da nossa casa. Pena que o meu avô tivesse morrido tão novo, sem gozar direi­tamente o produto do seu trabalho.

E lá toda a minha gente se fixou. Ela povoou-se das imagens que enchiam o nosso mundo. O nasci­mento dos meninos. O balanço da criação. O traba­lho das hortas e a fadiga de mandar a comida para os trabalhadores. A partida de Papai para a América. A ansiedade quando chegavam cartas. Os melhora­mentos a pouco e pouco introduzidos com os dóla­res que recebíamos. Mamãe deslisava como uma sombra silenciosa no trafêgo da casa. Mamãe-Velha não parava, indo de um lado para outro, como se nada pudesse fazer-se sem a sua fiscalização e os seus gritos. A minha avó só sabia querer a sua gente descompondo.

Ao lado da casa grande, de quatro quartos, ficava a casinha desaguada, onde Mamãe fazia a despensa, e que nos dias de chuva servia para abrigar as gali­nhas da criação. Encostada à casa de moradia, ela tinha de longe, com o seu teto retangular, inclinado para drenar a água, um ar de bezerro a pojar nas mamas da mãe.

Baltasar Lopes, Chiquinho

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